Cabeleireira
de profissão, a Sra. O.C. (62 anos de idade) - enérgica e trabalhadora
incansável, por vezes ansiosa, muito comunicável e assertiva, uma força da
natureza, sem problemas de saúde relevantes... -, começou, há cerca de seis
anos, a referir queixas dolorosas no ombro direito, sobretudo na área abarcada
pelo tendão da longa porção do bicípite. Subsistindo suspeitas de tendinite, a
radiografia revela "sinais" implicativos de um Conflito Sub-acromial
(provável causa da dor e inflamação). Tratada diariamente (numa Clínica) com
recurso à terapia manual, e acrescendo-lhe todo o "trabalho de casa"
composto por diversos exercícios de mobilidade (sem carga) para os membros
superiores, são necessários meses para que o membro volte a ter funcionalidade
comparável à do passado e dor perfeitamente tolerável; no entanto, várias vezes
a paciente viria a referir que o "braço direito" nunca mais tinha
voltado "a ser como dantes" (uns meses mais tarde, a condição deste
braço viria a agravar-se, perdendo, novamente, funcionalidade e prejudicando,
assim, a actividade profissional). A condição daquele membro foi considerada
"normal", atendendo à profissão e ao volume de trabalho que vinha a
desenvolver há vários anos, se bem que, a determinada altura, as dificuldades e
o tempo requerido na/de reabilitação levaram a suspeitar da existência de uma
condição mais gravosa como ruptura tendinosa e/ou ligamentar (nenhuma ecografia
ou ressonância chegou, de facto, a ser realizada); o membro superior esquerdo
não apresentava sinais/sintomas de patologia, mesmo tendo vindo a fazer muito
do trabalho que cabia ao membro afectado. Passaram cerca de dois anos e, lenta
e progressivamente, a paciente começou a exibir determinadas "manifestações
clínicas" (para além da já referida disfunção do ombro): tremor (em
repouso) no membro inferior direito, sobretudo na zona do joelho, rigidez e
perda de mobilidade n/d/o mesmo ombro de sempre (o direito), também começou a
apresentar uma lentificação dos movimentos e das reacções de equilíbrio,
"rigidez" do olhar, já bem depois de ter perdido o sentido do olfacto
(esta perda progressiva foi, durante anos, explicada a partir da condição de
sinusite). Visitas a "médicos de família" no Centro de Saúde geraram
"diagnósticos" como "problemas de coluna" (apesar de as
radiografias realizadas à coluna não exibirem alterações invulgares para a sua
idade ou mesmo gravidade que pudesse explicar as manifestações ocorridas -
julgamento obviamente um tanto subjectivo), entre outros; pelo menos três
médicos "clínicos gerais" acharam que a ausência de "roda
dentada" (e terá uma Condição de ser assim tão absoluta, de apresentar
inequivocamente todas as manifestações do "cardápio", ainda mais numa
fase aparentemente incipiente?) era sinal inambíguo de que não estavam na
presença de um caso de Parkinson. Foi preciso que neurologistas de renome
viessem confirmar o diagnóstico de Parkinson para que a paciente ultrapassasse
a "negação inicial". Medicada, melhorou substancialmente em todas as
"manifestações", mas, ainda assim, possuía/possui alguma rigidez no
hemicorpo direito, sobretudo aquando dos movimentos e esforços (principalmente
os que exigem maior coordenação e/ou equilíbrio), algumas discinésias e tremor;
as manifestações melhoram ou deixam mesmo de estar presentes aquando da fase ON
de medicação. A cognição não tem apresentado alterações substantivas. O
"Conflito Sub-acromial do ombro" conquistou agora uma explicação mais
definitiva, foi fomentado pela rigidez parkinsónica. Refere também dores na
região cervical, sobretudo charneira cérvico-dorsal e, ocasionalmente, dores
lombares e ciatalgia (sem hipostesia ou parestesias) à direita. De acordo com
os exames (e comparando com dados do Exame Subjectivo), e (sempre) interpretando,
as dores cervicais não parecem ter causa discal (importante) mas antes no
processo normal de "desgaste" (agravado pelo/no trabalho) associado a
alterações no alinhamento (inclui "bossa" na área cérvico-dorsal), o
movimento de extensão piora a dor, enquanto que o movimento de flexão
(incluindo retroversão da mandíbula, que alinha parcialmente o muro posterior
da coluna) alivia. A área em questão parece estar sobrecarregada em
"mobilidade", dada a rigidez (observável) da coluna dorsal associada
à rectificação desta (incluindo leve tendência para omoplatas aduzidas, mas sem
retracção evidente da musculatura entre as mesmas, como poderia ser esperado. A
adução das omoplatas pode potenciar a relação acrómio - cabeça do úmero). A
cervical condiciona o funcionamento do ombro e vice-versa. Já ao nível do
quadrante inferior, podemos considerar que a ciatalgia possui origem primária
na região discal lombar (a mobilização segundo Maitland alivia, flexão agrava,
os exames complementares referem a existência de herniação discal),
verificando-se que a mesma dor é agravada na posição de alongamento em flexão
com joelho estendido do membro inferior direito (limitando, assim, o recurso
"terapêutico" à Tensão Neural Adversa). A ciatalgia, quando presente,
não melhora com o alongamento do músculo piramidal. Em termos posturais, possui
rectificação cérvico-dorsal, com dorsal rígida a condicionar mobilidade
acrescida na zona de charneira cérvico-dorsal (como já afirmado) e também na
lombar (condicionando a presença de herniação nessa região, provavelmente
associada a hipermobilidade, sobretudo na área de charneira lombo-sagrada),
tendência para anteversão da mandíbula agravada com expiração máxima realizada
na posição de decúbito dorsal (posição básica e manobra segundo Mézières) - a
rectificação da cervical cria geralmente tensão sobre os tecidos moles da
região -, ombros em anteversão, mas sem retracção evidente das Cadeias
musculares ântero-internas (verificado em decúbito dorsal com abertura do
braço. Por vezes, a retracção da musculatura inter-escapular pode conviver com
a cifose dorsal, a cifose pode até dever-se à insuficiência da musculatura
dorsal tensa/encurtada, não é o caso aqui. Há muitas outras causas para a
cifose, a dinâmica varia muito de "caso" para "caso", um
número elevado de variáveis condiciona uma série de manifestações e/ou
possibilidades, a Ciência "analítica"/"dianóica" tem por
hábito isolar variáveis, limitando assim um objecto de estudo holístico por
natureza, por outro lado, aquele isolamento é pretendido em nome do rigor,
rigorismo esse que os estudos de tipo fenomenológico/hermenêutico/casuístico
podem não conseguir alcançar. Note-se o conjunto assaz elevado de hipóteses que
coloco na explicação de uma qualquer alteração, de algum modo há sempre
explicação, independentemente das inerentes contradições, o homem é
naturalmente contraditório, joga com diferentes pesos e diferentes medidas,
distorce, modifica, adapta, o discurso, a argumentação, mesmo sem disso ter
consciência, o que me leva também a reflectir a relevância do meu paradigma...
o que o torna melhor que os outros? No fundo, nada a não ser a circunstância do
seu enlace), portanto existe possibilidade de retracção do diafragma,
verificável na reacção da cervical, mandíbula e ombros aquando da expiração
forçada, mas contraposta pela anulação da curvatura lombar e ausência de
encurtamento do psoas (o que, demais a mais, pode sugerir que o diafragma está
retraído em determinados pontos, compensatoriamente "livre" noutras
inserções), lordose lombar diminuída (forte tendência para bascular
posteriormente a bacia e eliminar a curvatura lombar), associada a retracção da
região inferior da Cadeia muscular posterior (sobretudo ísquio-tibais
externos); o encurtamento referido contribui obviamente para a "báscula
posterior" da bacia, e esta posição cria uma propensão para agravar os
sinais relativos à herniação lombar, porque há maior quantidade de flexão,
aliás uma tendência contínua para flectir a lombar, podendo afectar/aumentar a
hérnia. A postura da bacia e coluna não parece ser anamnesicamente consequente
à postura/alinhamento do membro inferior (neste caso pode verificar-se: pés
planos, ligeiro valgismo dos joelhos e rotação externa das ancas), se bem que
não parece pertinente, no caso em questão, tentar reconstituir a história da
evolução morfológica e postural da paciente, nunca há um modo absoluto de saber
como tudo foi acontecendo. Aqui é mais relevante entender que, a par de uma
anulação da lordose lombar, estão presentes encurtamentos na secção inferior da
Cadeia muscular posterior, na cérvico-dorsal, no diafragma. O encurtamento na
secção inferior da Cadeia muscular posterior é compensado pelo alongamento
lombar e este é compensado com um encurtamento nos níveis acima. Estes
encurtamentos apresentam as citadas repercussões na função da coluna e membros.
Não existe, aqui, uma apresentação mézièrista mais "característica"
como encurtamento da lombar, diafragma e em rotação interna dos membros, ou a
tendência para um encurtamento da secção inferior da Cadeia muscular posterior
ser compensado com um alongamento de toda a secção superior da mesma Cadeia,
mas uma dinâmica está presente e ela não é só muscular, há que atender à
questão do Equilíbrio neuromuscular, ao mecanismo de Controlo postural; na
paciente, o Equilíbrio global está francamente dependente da acção de ambas as
ancas, ísquio-tibiais externos e tricípetes surais.
Existe,
assim, uma relação estreita entre os caracteres puramente miofasciais e os
neurológicos. E essa relação viciosa pode, inclusive, arrastar graves
consequências com o avançar do tempo. E isso implica uma dinâmica assaz
complexa. Obviamente é impossível representar um conjunto significativo de
relações dialécticas no que respeita ao corpo-mente desta paciente. Mas podemos
dar alguns exemplos. Vejamos o caso da relação entre a rigidez parkinsónica e a
rigidez de carácter mais puramente miofascial. É impossível separar as duas
anteriores. A rigidez parkinsónica propriamente dita aumenta a rigidez muscular
e contribui para o encurtamento, por seu lado, estes aumentam a rigidez
parkinsónica. Se, acaso, não existir um trabalho de alongamento das estruturas
miofasciais, é possível que a rigidez no seu todo aumente e ela levará ao
incremento do encurtamento e este ao incremento da rigidez; uma só sessão de
alongamento do tecido miofascial pode produzir uma diferença enorme, pois pode
ajudar a reduzir a rigidez e a necessidade de administração de medicação para a
mesma; com o tempo, a Fisioterapia de cunho "reeducativo" pode levar
a grandes diferenciações na evolução do próprio Parkinson. E se este evolui
favoravelmente, a parte psicológica também se manterá mais "incólume"
e isso implica que haverá também menos tensão e, portanto, menor rigidez. A
mais pequena variação pode, assim, produzir grandes alterações. Por exemplo, o
trabalho facilitatório no treino de marcha pode produzir alterações no
funcionamento do Sistema Extra-Piramidal e isso pode levar à redução de rigidez
e, por conseguinte, à melhoria do padrão de marcha, se bem que esta
"melhoria" é obviamente subjectiva, sua avaliação dependerá sempre da
visão tanto do terapeuta como do paciente e seus elementos de suporte. A
modificação dos factores neurológicos poderia, também, levar a uma diminuição
da rigidez da banda ílio-tibial e ísquio-tibiais externos à direita, isto
poderia levar à redução da báscula posterior da bacia, o que pode ajudar na
prevenção de mais ciatalgia, e, com esta menos presente, também se reduz a
tensão nas áreas atrás referidas, o que leva igualmente à melhoria do padrão de
marcha, e esta leva à redução da rigidez, etc., etc., poderíamos continuar
eternamente (vide o esquema dos
"Principais Problemas"). Um pequeno toque, um simples movimento ou
alongamento, pode espoletar uma evolução completamente distinta da condição do
paciente, para ela concorrem múltiplos factores em relação dinâmica e
qualitativa complexa; mexendo numa variável, mexe-se com o conjunto do Sistema,
e este é "aberto" e interactivo. Poderíamos, quiçá, representar
relações mais directivas e/ou mais "distantes", mas tudo isto resulta
de uma construção, duma projecção clínica, os elementos influenciam-se
mutuamente e é pouco verosímil esperar uma possível redução
"positiva" desta dialéctica da Condição, a qual inclui
necessariamente a própria dinâmica do terapeuta, sua variância psico-física.
Qualquer esquema representativo das relações possíveis será necessariamente
limitativo, incluirá apenas as variáveis que a subjectividade nomeou e sublimou
enquanto de mor relevância. Logicamente, a tentação de tratar um Sistema com um
método ou paradigma também ele Sistémico é enorme, e quanto mais íntegro o
Sistema e/ou o método, maior a complexidade dialéctica, a probabilidade de
dialéctica relativística e dogmática, e a improbabilidade de redução da coisa a
relações singulares, alvo da medição empírica tradicional.
Numa
primeira fase dos tratamentos, após o trabalho respiratório (com incidência na
expiração, com processo inspiratório passivo, de modo a produzir o máximo
alongamento do diafragma, músculo inspiratório) com estabilização da
cabeça/mandíbula na posição de decúbito dorsal (modo clássico de início de uma
sessão Mézières, com vista a alongar secção superior da Cadeia muscular
posterior), a sessão era iniciada com postura do tipo Mézières com alongamento
da Cadeia muscular posterior acentuadamente na zona dorsal (evitando o
alongamento excessivo da lombar, contra-indicado à herniação); pretendia
alongar globalmente, preparando, assim, todo o trabalho a realizar, e a posição
permite alongar a dorsal de um modo extremamente eficaz, a partir daí poderia
trabalhar todo o quadrante superior (cervical e ombro), seguido do quadrante
inferior; mais tarde, a postura mostrou ser muito "exigente" (tanto para
a cervical, obrigada a uma flexão excessiva, como para a lombar, pela mesma
razão) para a paciente e tivemos de fazer uso de soluções mais analíticas que
permitissem alongar, pelo menos parcialmente, a Cadeia muscular posterior
(chegámos a utilizar a postura de flexão da coluna a partir da posição de
sentada - excelente para o alongamento da dorsal, incluindo os músculos
inter-escapulares -, mas esta postura também veio a revelar-se agressiva para a
lombar, não deixando, apesar de tudo, de ser uma posição excelente para
trabalhar o movimento de flexão lateral da cervical, visto que mobilizamos e
alongamos numa posição de alongamento mais ampla, de resto muitas vezes se
escolherá mobilizar/alongar analiticamente no "interior" de uma
postura determinada). O trabalho lógico seria o de decúbito dorsal, operado de
cima para baixo, incluindo parte respiratória (que afecta o Sistema por
inteiro), e acabando nos membros inferiores; trabalharia cervical, ombro
direito e antebraço homolateral (zonas de rigidez), alongaria, depois, secção
inferior da Cadeia muscular posterior e trabalharia membro inferior direito,
incluindo alongamento do tricípete sural e tendão de Aquiles (zonas de
rigidez). Só depois manipularia coluna lombar na posição de decúbito ventral,
para "compensar" área da hérnia, faria exercícios de mobilidade da
coluna, hipopressivos abdominais, e treino de Equilíbrio. Seguiria um processo
semelhante ao que defendi em «O Anti-fitness ou o manifesto anti-desportivo»
(Alongamento » Mobilidade » Força). No entanto, muitas vezes a Realidade
obriga-nos a alterar a abordagem. Depois de ter feito aquele tipo de
"trabalho", havia coisas a aperfeiçoar; a paciente continuava a
apresentar algumas queixas de ciatalgia; ora as hérnias e as dores neuropáticas
não gostam dos alongamentos do tipo "reeducativo" (pois são
realizados proeminentemente em flexão da coluna lombar, com consequências para
os discos intervertebrais), estava visto que teria de "moderar" a
abordagem, por outro lado, com o tempo, a cervical e o ombro passaram a ser as
áreas alvo da própria paciente, aquelas que ela queria/desejava mais
trabalhadas, delas em bom estado precisava para o exercício da profissão (e
ainda lhe restam alguns anos de actividade profissional...), o que me levou a
inverter a ordem do tratamento, indo, agora, de baixo para cima (o quadrante
superior é preparado "à distância" com o trabalho no quadrante
inferior), e, além disso, era também necessário trabalhar o Equilíbrio logo no
início da sessão (com algumas vantagens neurológicas preparatórias), pois
aquele "treino" criava um nível de tensão tal que seria imprudente
deixá-lo para o fim, abandonando, assim, a paciente à sua tensão novamente
amplificada. Passámos a fazer o trabalho de Equilíbrio logo no início, com
recurso, claro, a várias superfícies desequilibrantes (no trabalho de
equilíbrio unipodal, começo sempre por trabalhar o equilíbrio do lado
contralateral ao afectado, de modo a treinar a transferência de peso para uma
área "remanescente" que "empurra", e só depois trabalho o
equilíbrio do lado direito, neste caso colocando membro esquerdo à frente do
direito, criando mais enfoque deste lado, associando-lhe alongamento do
tricípete sural em pé, e várias actividades funcionais, sobretudo com cervical
e membro superior direito; por vezes é necessário fazer alguma marcha normal e
descontraída a meio dos exercícios para permitir o relaxar da zona lateral e
posterior do membro inferior direito, incluindo o pé, onde se acumulam tensão e
discinésias). Comummente, nesta fase, trabalho também os movimentos da cervical
(cuja execução é fonte de mais "estímulo desequilibrante") - vários
em "quadrante" (por exemplo, flexão/extensão e flexão lateral com a
cabeça rodada para cada um dos lados, ou rotação com a cabeça flectida/estendida;
a flexão lateral e a circundação fornecem um maior estímulo ao treino de
equilíbrio, para além de afectarem mais a cervical inferior, zona que se
pretende mais trabalhada, porque afectada por dor) -, com os olhos abertos e
fechados, com a base de sustentação mais ou menos ampliada (joelhos
ligeiramente flectidos, para diminuir a pressão na coluna), realizo também
trabalho expressivo, movimentos facilitados como em "Feldenkrais" ou
"Bobath" (e que implicam um "esforço" menor, mas maior nível
de consciencialização), misturo tudo com os movimentos da cervical e o trabalho
de equilíbrio, acrescento-lhe treino de coordenação e parte cognitiva, tudo
feito de acordo com a "intuição", sem separações, nomeações
desnecessárias. Posso pedir várias tarefas em simultâneo, com olhos fechados
para exigir mais à proprioceptividade (as tarefas simultâneas podem ou não
permitir a coordenação entre elas, por vezes pede-se a realização simultânea de
duas actividades impossíveis de se coordenar, ampliando a exigência cognitiva),
mas há que não exagerar, geralmente estas actividades aumentam muito a tensão e
discinésias no membro inferior direito, e nós não queremos que aquela tensão se
torne intolerável, para além disso, as actividades provocam também discinésias
na mão direita, geralmente peço que as mãos permaneçam juntas e enlaçadas de
modo a calar aquelas manifestações (pode não passar de um mero preciosismo, mas
os preciosismos são apanágio do perfeccionista, e mesmo não fazendo qualquer
diferença, convém que o terapeuta "acredite"; se o terapeuta
acredita, o paciente também acredita, este - sim - é o verdadeiro e eficaz
efeito "Placebo": a crença partilhada, ancorada na relação
"transferencial" terapeuta-paciente); as tarefas deverão ser
"funcionais", sem resistências, intencionais e descontraídas (muito
particularmente, é essencial manter os ombros soltos, se bem que, por vezes,
podemos treinar actividades com a pessoa "abraçada a si mesma", de
modo a aumentar a exigência para o Equilíbrio), outros pacientes pedirão outro
tipo de abordagem mais "tensa"... A associação entre actividades tem
de ser coerente; se, por exemplo, trabalhar com base de sustentação pequena e
olhos fechados, a exigência para o equilíbrio é maior, e aí há que prevenir
mais o aparecimento das discinésias, se peço muitas actividades, aumenta o
risco de frustrar a paciente (a frustração cria ansiedade e esta aumenta a
tensão e as discinésias, tal pode constituir porta de entrada para uma
regressão, e a mais ínfima destas pode, por efeito cumulativo, ter grandes
implicações em todo o processo, incluindo frustrar familiares e o próprio
terapeuta; é fundamental perceber que, em analogia com o mecanismo ético-moral
convencional, equilíbrio atrai equilíbrio, estabilidade puxa por estabilidade,
"melhorias" produzem renovadas "melhorias", e isto em design sistémico de cascata de
auto-indução de influências), tudo na medida certa, facilmente se ultrapassa o
limite do razoável, a linha que separa este do irrazoável é ténue, e, para
mais, subjectiva, da parte do paciente e do próprio terapeuta
"construtor" do paciente, variando muito segundo diferentes
circunstâncias, poderia referir aqui inúmeras possibilidades ambíguas, a sua
gestão não pode ser aprendida em livros, não pode ser receitada, é preciso
avaliar e ajustar constantemente, o corpo de um momento já não é o corpo do
momento seguinte, a nossa avaliação é multivariada, multifactorial, e a nossa
cabeça não comporta (pelo menos por agora) Algoritmos, um dia o andróide fará o
nosso trabalho com eficácia maior, o que parece ser irreproduzível deixará de o
ser, o que augura ser "Espírito" desvelar-se-á enquanto
"matéria", o Efeito Borboleta será "relativamente"
controlado, o múltiplo será conseguido pelo "artificial", e este
último será "humano", porque igualmente complexo, "consciente"
(?) e multidimensional, deixará de fazer sentido um texto como este em que
pretendo recrutar - sempre frustradamente - diversos elementos de um Sistema. A
sessão continuava, à semelhança das anteriores, a ser feita totalmente em
"ambiente" de colchão, sem recurso a marquesa (podemos também
utilizar a posição de sentado num banco, com alongamento do tricípete sural -
particularmente do solhar, músculo tónico, portanto com maior importância na
manutenção da posição de pé e maior tendência para o encurtamento - com joelhos
flectidos, levando o calcanhar, sempre junto ao chão, para trás da linha do
joelho). Crucial será dizer que o aumento de tensão na banda ílio-tibial à
direita acarreta um risco para o tratamento, dificultando o relaxamento das
estruturas, criando pressão (compensatória) sobre o membro inferior esquerdo,
esta pressão gera dor, bem como a da banda ílio-tibial referida, a dor alimenta
as compensações, para além de interferir tardiamente com o trabalho da
paciente, sobretudo de manhã, aquando o período off da medicação (a preocupação com o trabalho, bem como a
lentidão, cria tensão e esta interfere com o tratamento). Depois do treino de
equilíbrio, a paciente descia adequadamente para o colchão, retardando a flexão
da lombar (por causa da citada hérnia discal), e ficava precisamente "de
gatas", numa posição que permite alongar o tricípete sural (e também a
fáscia plantar, o seu alongamento pode afectar - até neurologicamente - o
conjunto do Sistema, daí ser importante massajar esta área, obviamente com
gestão da dor produzida; muitas vezes se irá massajando a mesma área no decurso
do tratamento), portanto com o peso colocado por cima dos pés, com estes
virados para a área cefálica. Depois de alongada analiticamente a secção
superior da Cadeia muscular posterior (pode ser igualmente usada uma posição de
alongamento lateral do quadrado lombar, com o cuidado de não forçar o membro
superior, sobretudo o direito, onde reside maior tensão) e de realizados, já,
alguns movimentos de flexão/extensão e flexão lateral da lombar (na posição de
gatas, com o cuidado de manter alguma extensão da coluna lombar, de modo a
contrariar a tendência desta para a flexão; o movimento de flexão/extensão deve
anteceder o de flexão lateral, pois a flexão alonga o que é mobilizado em
flexão lateral; no entanto, o perigo de ciatalgia pode levar-nos a ater outro
raciocínio, resultando na realização primeira da flexão lateral com
proeminência para o lado direito - com ou sem auxílio manual - de modo a ter
efeito sobre os discos intervertebrais, reduzindo a área da hérnia, e só depois
efectuando o movimento de flexão/extensão, escusando a flexão excessiva.
Obviamente, muitas das decisões em causa passam por antecipar o resultado de
uma projecção, imaginamos o que poderá estar a acontecer com o corpo e reagimos
em função disso, mas o modo como projectamos o comportamento do Soma depende,
grandemente, do paradigma metodológico a que permanecemos fiéis, e, no exemplo
acima apresentado, o paradigma estrutural/postural aparece em contradição com o
paradigma funcional, isto querendo simplificar o que se não deve. De algum
modo, não existe solução de continuidade entre o metodológico e o epistemológico.
A intervenção demanda sempre um Sentido,
muitas vezes mais "criado" do que realisticamente existente (mas o
"criado" torna-se "real" ao ser real-izado), e o que se
justifica parece sempre legítimo; diferentes paradigmas interpolados numa só
intervenção podem, porventura, implicar diferentes Sentidos ou raciocínios ripostados "contra" o que é, ou
deveria ser, Uno, mas antes isso do que a supremacia dogmática de um só
paradigma, potencialmente alienador de toda uma visão; se bem que sua pureza
"estética" possui efeito denodado sobre a "crença" e esta
influencia, directa e indirectamente, o tratamento, bem como os efeitos do
mesmo, e talvez tudo não vá para além do placebo, da satisfação, no sentido
mais subjectivo, que, em grande medida, é tudo o que interessa, a
"satisfação" do paciente é mais importante do que a do terapeuta,
excrescência fortemente egóica, edificação subjectiva e volúvel) - mantendo
sempre o alongamento da zona sural -, fazíamos o trabalho de decúbito ventral,
a mobilização e exercícios (a mobilização da coluna é antecedida de alongamento
preparatório, queremos mobilidade com menos atrito, era solicitada uma boa
amplitude de extensão da coluna, imediatamente depois de efectuada a
mobilização segundo Maitland - numa posição de prévia extensão da coluna, de
modo a permitir aprimorar ainda mais a amplitude - e alguma manipulação do tipo
McKenzie, esta realizada simultaneamente com tracção da coluna por meio dos
membros inferiores, eventualmente também com movimentos de flexão lateral.
Persiste o desejo de estender uma coluna lombar com tendência para postura de
flexão, a qual alimenta o risco de aparecimento de manifestações decorrentes
das herniações lombares. Depois, os exercícios mais "activos" -
utilizamos, frequentemente, um exercício semelhante ao "de gatas",
mas com apoio nos antebraços, posição que implica maior esforço abdominal, se
bem que força um pouco os ombros, pelo que não pode ser prolongado durante
muito tempo (há também que assegurar que a cervical está alinhada e não
estendida, os membros inferiores devem estar colocados de modo a permitir a
mobilidade lombar) - ajudam a repor a "tensão" na região abdominal,
podemos por exemplo fazer trabalho de mobilidade associado a força do
"centro", algo que requeira "ins/estabilidade" e que ajude
a activar o "core", e podemos acrescer-lhe actividades com o membro
superior com a preocupação de alongar a zona do antebraço sem colocar tensão no
ombro, a "tensão" (contracção) é para a zona antagonista ao
antebraço, de modo a ajudar a inibir a musculatura "palmar",
geralmente muito tensa, local onde ocorre mais frequentemente o fenómeno de
"roda dentada", que, a propósito, mais parece um tremor vibracional e
não uma "roda dentada", e o tremor, muitas vezes apelidado de
"repouso" tem, na verdade, componente intencional, ele aparece ou
aumenta aquando da iniciação/realização do movimento, mas isto é aqui nesta
paciente, o mesmo pode passar-se de modo dissemelhante com outrem), encerrando
assim a parte mais "activa" do tratamento para a paciente, o resto
seria mais "relaxante" para ela, seguindo-se, assim, o trabalho em
decúbito dorsal. Trabalhada a zona lombar, e não querendo acordar a ciatalgia à
direita, é fundamental evitar o alongamento excessivo da secção inferior da
Cadeia muscular posterior, recorro, assim, à tracção manual daquela zona e,
simultaneamente, trabalho o alongamento do tricípete sural de ambos os lados.
Frequentemente, tracciono os membros inferiores e, através deles, mobilizo
lateralmente a coluna - também pode ser feito com flexão lateral activa -,
consigo assim, mais uma vez, mobilidade com menos atrito. A zona lateral do
membro inferior direito precisa muito de ser alongada, é uma área de grande
tensão, parte da ciática é provocada pela tensão que aquela zona transmite à
coluna e à parte neural, portanto, o alongamento tem de ser feito e, no
entanto, tem de ser muito suave, um pouco a mais e está tudo estragado, um
pouco a menos e será insuficiente. Escolho a postura de "Cadeias
cruzadas" de Busquet para conseguir o necessário alongamento lateral, mas,
como sabemos, nunca há só uma área afectada, há sempre duas, porque a
"supostamente não afectada" substitui grandemente a afectada, sendo
assim necessário tratar sempre os dois lados do corpo, e, naturalmente,
começamos pelo lado não afectado. A postura de Busquet é usada no lado
esquerdo, com alongamento do membro superior esquerdo, incluindo punho, mão e
dedos, a zona da Cadeia interna, e toda a zona lateral e posterior do membro
inferior esquerdo; aqui não existe o perigo de ciática (nunca houve ciatalgia à
esquerda, no caso desta paciente), e, antecipando o alongamento que terei de
fazer à direita, resolvo exagerá-lo à esquerda, incluindo na zona da coluna, de
modo a preparar a área para o alongamento do outro lado, diminuindo assim os
riscos deste último. Não esquecer a respiração, com enfoque na expiração
máxima, com o objecto de aprimorar o alongamento. Após o alongamento global à
esquerda, temos o membro superior esquerdo e o membro inferior homolateral
preparados para serem analiticamente alongados e mobilizados (um dia o
Parkinson, patologia progressiva, poderá vir a afectar este hemicorpo, por que
não prepará-lo para o futuro?). À direita o alongamento é mais suave e, por
isso mesmo e não só, mais prolongado, gasto imenso tempo a alongar e mobilizar
tendão de Aquiles, área directamente afectada pelas discinésias e tensão;
aproximando-me da zona lombar, suavizo essa parte da postura de Busquet, se
necessário continuamos a postura com o joelho dobrado, ao invés de esticado,
não queremos acordar a ciática, e, claro, o membro superior direito está também
em posição de alongamento, incluindo punho, mão e dedos, às tantas, arranjo
maneira de manter a postura de modo autónomo e vou criar mais alongamento no
membro superior direito (com cuidado, não queremos agudizar a condição do
ombro), estendendo bem punho, mão e dedos, zona geralmente com muita tensão (e
acrescentando massagem e/ou Contract-Relax, tudo impelindo a expiração).
Finalizada a postura, tenho de me dedicar logo ao membro inferior direito, não
posso levar muito tempo, não quero que passe o grosso do efeito do alongamento
no membro superior, desejo que aquela zona ainda esteja algo
"distendida" de modo a mobilizar mais eficazmente todas as
articulações. No membro inferior, mobilizo joelho, pé e tendão de Aquiles,
massajo e fricciono o mesmo tendão, mobilizo o joelho criando
"espaço" na articulação femorotibial, fricciono profundamente o
piramidal desse mesmo lado (se já não o fiz durante a postura
"cruzada" de Busquet...), já o próprio alongamento global incluía a
realização simultânea de tracção e massagem do membro inferior, as mãos não
param, instintivamente vamos trabalhando tudo, os métodos são todos um só, uma
só técnica, o corpo como um Todo. Vindo cá para cima - com a paciente em
decúbito dorsal e ambos os membros inferiores colocados em 90º de flexão de ancas
e joelhos com banco por baixo (até que o banco seja colocado, é mantida aquela
posição de modo a exigir actividade do "core", mas com o cuidado de
não prolongar muito o exercício, um pouco a mais, o abdominal não aguentará e a
coluna será afectada, com aparecimento provável da ciática, há situações em que
se pede o trabalho de um membro de cada vez, sobretudo daquele que é
contralateral ao membro com ciatalgia; também não queremos flexão excessiva da
anca, para não a forçar, nem flexão excessiva do joelho), ou seja, numa posição
de alongamento da secção superior da Cadeia muscular posterior, postura que
tornará o trabalho na cervical mais proveitoso para a própria cervical e
restante coluna, visto que trabalhamos em "Campo (parcialmente) fechado"
("Champ clos") -, mobilizo o membro superior (fricciono profundamente
o tendão da longa porção do bicípite, utilizo técnicas harmónicas, vibração,
invento à medida do intento), afasto a omoplata do úmero, mobilizo com tracção,
quero aliviar a pressão, diminuir a superfície de contacto, é fundamental mover
sem atrito a área do "conflito", queremos libertar aquela zona, todo
este tratamento grita a palavra "liberdade", é o meu paradigma
principal, limitação minha quiçá, visão restritiva talvez, mas é uma tão
legítima como outra, e certo é que parece resultar, bem... no fundo tudo
resulta, basta acreditar, mas também é preciso que o terapeuta acredite e o
terapeuta acredita mais quando o método se transforma em Dogma, em Ideal, este
é praticado com violência interior, temperança, e voltando ao membro superior,
a mão, o punho, os dedos, mobilizados, aquelas articulações estão muito
familiarizadas com a rigidez - daí que mobilizo também o cotovelo, o punho e
cada articulação dedo a dedo -, e depois vem a cervical, também alongada (antes
de ser massajada, de modo a que a massagem não destrone os efeitos do
alongamento, por exemplo, dos trapézios, sendo este iniciado no lado esquerdo e
só depois efectuado no lado direito, mais afectado com tensão, e, portanto,
deixado para o fim, de modo a fazer com que este alongamento sujeite o do lado
contralateral), massajada, manipulada, mobilizada (em posturas diversas, e
também com os membros superiores fechados, omoplatas abduzidas, posição de
algum alongamento dorsal, havendo, assim, mais alongamento também na cervical,
para além disso trabalhamos expiração profunda com estabilização da mandíbula
(não deixando que esta se desloque, em compensação, mas tendo o cuidado de não
a forçar em demasia, a pressão nesta área pode ter efeitos daninhos sobre todo
o Sistema), com o objecto de alongar diafragma - cadeia inspiratória enquanto
cadeia central que cruza todas as Cadeias musculares - este trabalho pode
também - e deve - ser feito logo no início da posição de decúbito dorsal com
membros ainda estendidos no colchão, o trabalho respiratório prepara o restante
tratamento, no entanto, nem sempre este preciosismo do Dogma mézièrista pode
ser preconizado, pois a paciente fica apreensiva com o processo respiratório
máximo, salvemo-nos de ser demasiado "radicais" ou
"fundamentalistas", características nem sempre moralmente
"negativas", passe-se o absurdo deste "negativo"),
libertada, traccionada (esta tracção, em conjunto com a posição dos membros
inferiores em flexão, permite descomprimir toda a secção superior da Cadeia
muscular posterior, se acaso esta tracção precedesse o trabalho da cervical,
bem como o trabalho do membro superior direito - em relação dinâmica constante
com a cervical - e, quiçá, tudo o que se fez/faria com implicação na lombar,
sobressairiam veras vantagens para a paciente), bem que o neurocirurgião queria
nela pôr a prótese, ah... mas este trabalho tem feito as vezes da prótese, por
vezes parece milagre como uma só sessão por semana compensa tanto esforço,
tensão e disparate repetidos ao longo de toda a semana. Queria poder
pormenorizar ainda mais - um tratamento com esta paciente demora geralmente 90
minutos -, mas é impossível explicar cada molécula de movimento, os gestos do
terapeuta são pensados até ao absurdo, por isso tem de ser ele a saber, a
escolher, a decidir em conjunto com o paciente. Que faria eu de uma prescrição
que lá contivesse duas ou três "ordenações", que faria eu da
Credencial que só permite tratar uma zona do corpo?, existe por aqui todo este
melindre, esta preocupação, mas, volta e meia, há sempre quem diga "o
fisiatra estudou mais anos, tem de saber mais, por algum motivo ele
existe", estudou tantos anos e sabe tão pouco o que as coisas são, estudou
tanto e nada percebe, será que o estudo a mais começa a ter certos efeitos
adversos? Pois aquele corpo é Uno, às tantas, quando mobilizo, o meu corpo está
a dançar, e se o meu corpo dança, o paciente já dança também, faço a postura e
estou eu também em postura, liberto o paciente porque me quero livre também, e,
se eu for livre, não o privarei de igual bênção. E porque sou livre posso
sempre mudar tudo de repente, às tantas muda todo o Sistema, todo o método,
porque algo assim o exigiu, a circunstância criou a demanda, e nós far-nos-emos
diferentes, os mesmos de sempre, a variar, a soltar, a colar, altera ali,
acrescenta acoli, isto cabe numa folha de papel???
in "O homem-Nada. Corpo, dialéctica e relativismo moral" (Edições Mahatma, 2016)
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