quarta-feira, setembro 26, 2012

Biosofia

É o nome da revista onde acabo de publicar um dos meus mais recentes inéditos («A Pós-modernidade ou o regresso ao Espírito»). Trata-se de uma publicação de suma qualidade dedicada ao terreno que considero como o desencadear da "evolução" natural de alguém que assumiu a dupla face "modernista" »»» "Pós-modernista", para aceitar, neste nosso "dealbar da Pós-modernidade", o Renascimento de uma antiga/nova Espiritualidade... Esta "nova" Espiritualidade, aliás mais do que um processo de evolução pós-científica e pós-moderna, é, na realidade, o desiderato de um Uno cultural que propõe o objecto comum de inter-relação das diferentes estruturas religiosas e espirituais, canónicas ou apócrifas, teístas ou não teístas. Trata-se, portanto, do assumir de uma Espiritualidade no sentido sério e não institucional da questão, no formato do Esoterismo, segundo padrões que terão sido esgrimidos de uma forma mais formal e reveladora pela tradição teosófica, e que, em Portugal, tem como representante principal o Centro Lusitano de Unificação Cultural (CLUC), o Organismo que publica a "Biosofia".
Devo dizer que, após tantos anos de estudo da Ciência e sobretudo da Psicologia, Neuropsicologia cognitiva e Filosofia (principalmente no terreno da Ética e da Epistemologia), o que encontro nas primeiras leituras esotéricas (nomeadamente, por meio dos textos presentes em www.biosofia.net ou em www.centrolusitano.org e também através dos livros do CLUC, principalmente aqueles que apresentam a escrita apaixonante e extremamente didáctica do Prof. José Manuel Anacleto) faz-me lembrar a noção de Platão da "reminiscência" ou a ideia de Popper de que só observamos e aprendemos aquilo que desejamos de facto observar e aquilo que de facto já sabemos e desejamos reconhecer no sentido de uma confirmação, pois que tudo na Perspectiva Esotérica parece fazer sentido e até confirmar muito do que já desconfiava e que vem sendo dito por gerações de pensadores.
Encontro, portanto, um Sentido familiar nas perspectivas teosóficas, sentido este que, de algum modo, aparece já preludiado em muitos dos meus artigos, se bem que talvez devesse ter falado de "Espírito" em muitas das vezes que falava de "Marxismo" ou talvez devesse ter falado de "Nova Era" quando me referia ao "Dealbar da Pós-modernidade".
Convido-vos, então, a visitar este "Novo/Velho" mundo e a comparar muitas das coisas que se encontram nele com muitos dos conteúdos do que já tenho dito sobre corpo, indústrias (anestésicas) do corpo, capitalismo e pós-modernismo, tendo em conta sempre que o Esoterismo nada tem a ver com quase tudo o que vulgarmente se pensa dele (devendo ser distinguido de parapsicologias vendilheiras e bruxarias curativas), e mantendo sempre a mente aberta, aceitando os conteúdos esotéricos essencialmente como realidade simbólica.
A revista Biosofia poderá e deverá ser também um meio de mergulhar neste nosso "cosmos" espiritual, estando presente em muitas bancas e também no CLUC. O novo número é extremamente interessante e acaba de ser publicado.
 
Abraço! 

terça-feira, setembro 18, 2012

Homossexualidade e psicanálise: doença ou dogmatismo?

Enquanto fisioterapeuta que sou, estudioso não só de “terapias” e de “indústrias do corpo”, mas igualmente reivindicativo de um estudo já há muito por mim enformado na área da psicologia e da psicanálise, não posso deixar de, todos os dias, me impressionar com o conjunto de disposições assaz “relativistas” respeitantes ao mundo do corpo e das terapêuticas que com este se preocupam. Na verdade, a medicina, a fisioterapia e a psicologia/psicanálise, mais do que matérias dadas a uma pretensa e unidimensional objetividade racional/clínica, relevam para temáticas com grande nível de ambiguidade e um interminável veículo de paradigmas e de dimensões e escalas do olhar.
Pois que não existe somente a Medicina canónica, tal como não existe uma Psicologia ou uma Fisioterapia, mas sim várias Medicinas, várias Psicologias e várias Fisioterapias. E, não obstante o valor científico das ditas profissões/ciências que dominam o panorama do trabalho clássico nestas matérias, a verdade é que a experiência racional, associada a uma certa sensibilidade estética e ética, vem comummente demonstrar que o conhecimento de certas especialidades e/ou escolas minoritárias está mais próximo da Verdade (se é que esta é de algum modo definível…) do que aquilo que a grande maioria dos profissionais advoga e/ou pratica.
O caso da Psicanálise é, de algum modo, paradoxal, pois que, não sendo o modelo dominante de prática diagnóstica em medicina psiquiátrica e até em psicologia clínica, não deixa de constituir uma teoria interpretativa de importância crescente e de reconhecimento social já bem entrosado. Por outro lado, releva referir que, à semelhança do que foi dito relativamente aos “paradigmas clínicos”, também não há uma Psicanálise, mas sim múltiplas psicanálises, modelos diversos de escolas e autores também eles muito diversos… o que já por si nos deveria alertar para o elevado grau de subjetividade que tal modelo de explicação do comportamento poderá empreender.
Não obstante a existência de múltiplos paradigmas de análise clínica (que, apesar da possibilidade de confundir o terapeuta e/ou o doente nas suas decisões, poderiam – ou deveriam – teoricamente facilitar o processo de flexibilização interpretativa e interventiva), é comum os grandes e “minoritários” modelos de intervenção, tal como as grandes escolas de pensamento, possuírem uma certa tendência dogmática, o que não é necessariamente defeito, pois que grandes teorias podem significar grandes Verdades que teimam em se querer afirmar muitas vezes como “boas novas” anti-Sistema, mas que pode ser um defeito se, mesmo depreendendo a aparência axiomática dos princípios e “leis” subjacentes à ‘escola’ em questão, o dogma esbarra com premissas erróneas, que, associadas à recalcitrância da sua defesa intempestiva, resultam numa atividade própria de um “relativismo” de “gurus” ou “vendilheiros”.
Ora, é nestas alturas que a defesa da cientificidade tende a ser adotada (leia-se uma cientificidade do tipo clássica e quantificativa), pois que ela poderá significar um maior número de critérios que possibilitem a objetividade, a medição de resultados terapêuticos e até a prevenção da prática “excessiva” ou interesseira. Por outro lado, reside sempre a problemática da maior ou menor relevância de obter resultados facilmente mensuráveis em matéria de comportamento humano ou bem-estar psico-emocional – qualquer coisa que revela sempre uma subjetividade adstrita a uma matriz que cruza um número quase infinito de fatores e/ou variáveis – o que é, bem sabido, uma das temáticas centrais da polémica que opõe várias escolas de psicoterapia, como a diatribe «Terapia cognitivo-comportamental versus Psicoterapia dinâmica».
Ora, agarrando na temática psicanalítica – e assumindo que as suas diversas “escolas” adotam como dominante a verdade psicossexual, segundo a qual o modelo da identidade sexual é obtido fortemente a partir dos padrões de comportamento e vivência com os pais e a conjugação destes com o sexo biológico descoberto nos primeiros e em si-mesmos – deparamo-nos, de facto, com uma das temáticas mais polémicas das ditas “interpretações clínicas dogmáticas”, a qual se prende – para ser mais específico – com a interpretação psicanalítica da causalidade da Homossexualidade. Mais uma vez se sublinha que esta tem tanto de potencial Verdade dogmática quanto de potencial Falsidade dogmática, pois que, na verdade, a cientificidade clássica das asserções psicanalíticas acerca da Homossexualidade é ainda extremamente débil… o que, obviamente, não recolhe o acordo dos psicanalistas, os quais, defendem o seu dogma como científico, mas de um tipo de cientificidade certamente diferente da “clássica”…
A temática é de extrema importância, até porque a resolução de outra temática dita “fraturante” – a questão da adoção de crianças por parte de casais homossexuais – parece depender fortemente da opinião destes profissionais da “Psicologia”… opinião que, como sabemos (e já não é difícil perceber porquê), está longe da consensualidade.
Ora, eis que sugiro aos leitores a análise do texto “Homossexualidade”, de Jaime Milheiro, da obra «Novos desafios à Bioética» (Porto Editora), referência que considero fundamental e verdadeiramente paradigmática. Tentarei resumir a abordagem do autor.
O psicanalista começa por explicar, de forma resumida, a importância das experiências precoces e das vivências com os pais na formação da identidade sexual, colocando no padrão de relação com os pais (e no padrão de comportamento destes com as crianças) a causalidade da identificação da criança em geral, tal como da identificação sexual em particular, num conjunto de múltiplos fatores: género, escolha, prazer, encontro e idealização. Logo a seguir, cite-se «Se o desenvolvimento se processar em moldes comuns, a identificação global ao progenitor do mesmo sexo acontecerá sem grandes turbulências. Se houver inibição com angústias perturbadoras, podem desenrolar-se dinamismos característicos e consequências. Poderão acontecer fixações em patamares transitórios, pontos de passagem do amadurecimento. A homossexualidade será disso um exemplo.» Sublinhe-se que o autor parece ser proponente da clássica teoria freudiana do desenvolvimento da personalidade, o que, já por si, é discutível e eventualmente criticável. Continuando a citar: «Costumo dizer que isso acontece quando a criança não teve capacidade de “reivindicar” o seu próprio sexo, ao discutir consigo própria a diferença entre os dois. E não terá tido essa capacidade, conferida pela série animal aos seus elementos, porque alguém lha retirou. Porque um clima relacional perturbado e crónico, por excesso ou por defeito, a sufocou. Não lhe terá permitido o exercício da formatação indutiva natural, porque ela se prejudicou nas malhas onde se meteu. Mães grandiosas e possessivas, determinantes de tudo o que a criança será, incluindo a sua identidade e género sexual, terão especial relevo». É uma teoria interpretativa possível, mas não deixa de ter forte carácter hipotético, com múltiplas possibilidades, múltiplos questionamentos possíveis… Reparemos que se o modelo de “mãe possessiva e pai ausente” poderá “criar” filhos homossexuais, pois a dominância da mãe cala a assunção identitária do filho (ou da filha, mas nesta o processo é menos grave, pois tratar-se-ia de um elemento do mesmo sexo), de igual maneira também o modelo de “pai dominante” poderá criar rapazes homossexuais (e, sobretudo, raparigas homossexuais), pois que o domínio do pai evita a assunção identitária do filho…
Eis outra citação de destaque: «Agressividades não elaboradas, fragilidades narcísicas, angústias de separação, medos de destruição da mãe, figura primordial de quem a criança totalmente depende. Identificações maciças com essa mãe nos dois sexos para a manter dentro de si em perspetivas fusionais são de observação corrente, o que acarreta no adulto uma idealização dela quase absoluta, muito visível na maior parte dos homossexuais, masculinos ou femininos, ou, em contrapartida, uma desvalorização reativa do mesmo grau, igualmente quase absoluta.» Mais uma vez esta tendência para dizer que a causa pode ser uma coisa ou o seu contrário, o que até pode ser entendido numa perspetiva de explicação teorética, mas dificilmente pode ser aceitável em algo que se diz “científico”… Claro que também será necessário ter em conta a questão estatística e probabilística. Será que todas as mães dominantes produzem rapazes gays? (Qual o número necessário para considerar a existência de uma relação de causa-efeito?...) Não existirão outros fatores importantes? A fixação edipiana que produz a homossexualidade não deveria também produzir, numa boa parte dos casos, alguma forma de neurose? Não seria de esperar que o homossexual tivesse (quase sempre) alguma perturbação de ansiedade? E se a tivesse, não poderia ser uma consequência da forma como é tratado pela Sociedade? Será que a explicação psicanalítica difere para gays “ativos” versus “passivos”? Os gays passivos terão maior nível de identificação com a mãe? Ou serão só os gays com tiques e maneirismos?... (Enfim… Será que alguma destas questões precisa mesmo de ser respondida?... E se quisermos mesmo responder a estas questões, não teremos que estabelecer primeiro uma série de critérios, de fronteiras e de definições operacionais? Mas não será tal rigor próprio de uma ciência? Será que tal rigor é possível ou simplesmente aceitável?...)
A temática teria, decerto, que ser bem trabalhada, refletida, e de algum modo estudada, sempre tentando sobrepor o discurso racional ao discurso da preferência e do preconceito. Até que é precisamente a ideia de que o bom equilíbrio “Pai – Mãe” é necessário à produção de um ser “normal” que leva a que, muitas vezes, se produza o conhecido preconceito contra a adoção por casais homossexuais… Pergunto eu: e que fazemos com os casais heterossexuais em que existe um desequilíbrio na “supremacia” de um dos elementos? Proibimos a reprodução nos casais matriarcais? Punimos as mães dominantes? Multamo-las quando produzem filhos homossexuais? (Cobramos às mães possessivas o dinheiro gasto no “divã”?) Mas não será já tudo isto um preconceito?... Pois, afinal de contas, a homossexualidade não é uma doença… Ou é? Será que para os psicanalistas de que nos ocupamos a homossexualidade deveria voltar a constar dos manuais de psiquiatria? E será que, se isso acontecesse, alguma coisa mudava na realidade do próprio homossexual? Mesmo que fosse uma “doença”, não seria a homossexualidade uma parte da natureza do indivíduo? Deve uma natureza ser modificada (com base em pressupostos de “anormalidade” versus “normalidade” que podem estar errados)? Deve uma “Estrutura” ser alterada? Pode uma “Estrutura” ser considerada “anormal” (concebendo que existiria um modelo de “normalidade”…)?
Na extensão das perguntas anteriores, resta-nos questionar a fidedignidade das psicoterapias que usamos no tratamento das nossas neuroses… Pois, que confiança posso ter neste tipo de terapias quando o grau de incerteza parece sobrepor-se ao grau de cientificidade? E que fazer perante tantos e tantos casos em que o psicoterapeuta interfere diretamente nas opções e escolhas do doente? Será isto legítimo? Não será perigoso mexer com a vida de outrem? Não será incoerente, por exemplo, um psicoterapeuta ser “paternalista” e protetor relativamente ao doente, quando é a autonomia do paciente que deverá tomar a dianteira do processo terapêutico? Um psicoterapeuta paternalista não atuará ele mesmo como um “pai/mãe” dominante? Não era desse género de Ente que era “suposto” libertar-nos?...
Reparemos que muitas das questões que temos feito só fazem sentido se tivermos como ponto de partida o facto de a homossexualidade ser uma coisa a extirpar… Será que não é toda uma visão social que tem de mudar? Pois que tudo é contexto, tudo é relativo!

Publicado no Site do Jornal 'Expresso'