Partindo do
pressuposto fundamental da Teoria das Cadeias Musculares1, paradigma
de Fisioterapia reeducativa, de que é a “forma que regula a função” e de que a
biomecânica é função das características posturais e de alinhamento articular,
é racional presumir que o alinhamento articular é fator condicionante do
desenvolvimento de patologia degenerativa (por exemplo, segundo a meta-análise
de Tanamas et al.2, o
alinhamento da articulação do joelho em valgo ou em varo, constitui variável
independente para o desenvolvimento de artrose da articulação do joelho). O
facto tem implicações determinantes para a prática da Fisioterapia, com uma
intervenção do tipo “radical” (ou causativa) a ter de incluir o manuseamento
das características de alinhamento articular, sem o qual, na perspetiva de
Coelho3, o movimento articular poderá significar um nível de atrito
aumentado e potencialmente implicativo de processos inflamatórios, e o treino
de força muscular poderá implicar um aumento no conjunto prévio de
desequilíbrios musculares.
Assim sendo, a
lógica da Fisioterapia deverá ser essencialmente global, requerente de um
trabalho, que, inclusivo dos métodos de Reeducação Postural3, 4,
5, sugere o seguinte esquema3: Relaxamento/Alongamento » Mobilidade acessória (Terapia Manual) »
Mobilidade grosseira/funcional » Força (ou Resistência muscular), com o
alongamento miofascial associado às terapias manipulativas a melhorar o
alinhamento postural/articular e a anteceder o exercício dinâmico.
Seguindo a lógica
prévia, Bernard Bricot6 sugere um conjunto de influências posturais
ascendentes com origem no pé: pé varo = joelho varo, rotação externa da anca, inclinação
posterior da bacia e diminuição das curvaturas vertebrais; pé valgo = joelho
valgo, rotação interna da anca, inclinação anterior da bacia e aumento das
curvaturas vertebrais; o que sugere uma intervenção reeducativa com igual
origem no pé, seja a nível miofascial (ex. alongamento da fáscia plantar do pé),
seja a nível neurológico (ex. utilização de palmilhas de integração sensitiva 6).
Por outro lado, a
influência miofascial tende a ser advogada pela Teoria das Cadeias Musculares,
assumindo que o joelho valgo (que é uma deformidade que aproxima as superfícies
externas da articulação, dando a impressão de a rótula se encontrar
internalizada) se associa frequentemente a um encurtamento dos adutores
pubianos (músculos internos da coxa) e/ou da banda íleo-tibial (músculos
externos da coxa) e o joelho varo (contrário ao do descrito no joelho valgo) se
associa frequentemente ao encurtamento da banda íleo-tibial, com a intervenção
a requerer uma prévia correção destes alinhamentos com a potencialidade da reunião
de alongamento simultâneo à correção da “deformidade” por Terapia Manual.
No caso das
curvaturas vertebrais, a Teoria das Cadeias Musculares concebe, por exemplo,
que uma hiperlordose ou aumento da curvatura lombar (possíveis causas:
encurtamento da musculatura lombar e/ou do diafragma e/ou do psoas) tende a estar
associada a uma hiperlordose ou aumento da curvatura cervical, com possíveis
consequências degenerativas para as zonas de transição da coluna (a nível inferior,
pode implicar o desgaste da articulação da anca), com a cifose ou curvatura
dorsal aumentada (e a sugerir um aumento do risco de conflito sub-acromial e/ou
degeneração da articulação do ombro) por mera aparência ou por associação a
outros fatores (como por exemplo o encurtamento das cadeias musculares
ântero-internas, particularmente o músculo pequeno peitoral), o que explica o
tripé de tratamento de Mézières de deslordose da coluna + desrotação dos
membros + expiração (pelo facto de as deformidades significarem, pelo menos
teoricamente, um misto sinérgico de aumento das curvaturas da coluna, rotação
interna dos membros e bloqueio diafragmático em inspiração) 1, 3, 4, 5.
Se bem que diferentes métodos de Reeducação Postural impliquem diferentes
visões interventivas 3, com uma lógica de trabalho mais “ascendente”
ou mais “descendente” 7, há também a possibilidade de um trabalho
feito da periferia para a zona sintomática, com o exemplo de uma problemática cervical
implicar um trabalho prévio no quadrante inferior + deslordose lombar, só
depois seguido da mobilidade dorsal e da intervenção cervical propriamente
dita, ou de uma diminuição das curvaturas vertebrais cervical e lombar a
implicar o treino de posturas de deslordose dorsal.
Apesar de ser
encarado muitas vezes como pré-científico, o modelo reeducativo pode ser visto
como racional, a conceber uma intervenção em Fisioterapia Reumatológica também
ela de uma racionalidade que transpõe a lógica dominantemente observada (que
tende a corresponder sobretudo ao mero tratamento dos sintomas).
Por outro lado, não
deve entender-se, a partir do que fica dito, que se presume que uma intervenção
deve seguir regras prescritas, até porque, mais do que advogar uma intervenção
do tipo “Prática Baseada na Evidência”, prefiro bastante mais uma Prática Baseada
no Raciocínio Clínico, com este último a ser tão moldável quanto a condição
igualmente mutável e continuamente metamórfica da unidade fenomenológica e
irrepetível do doente.
Dentro do mesmo
espírito fenomenológico, devemos também considerar que a idiossincrasia
postural e de alinhamento articular passa por desempenhar o papel de preditivo
tanto da saúde articular quanto do rendimento do atleta, o que, se, de algum
modo, nos leva a pensar que há corpos naturalmente mais “preparados” para uma
prática física com menos restrições, também nos leva a assumir que o trabalho
de alongamento é, sobretudo para os atletas que não possuem corpos tão
“posturalmente preparados”, condicionante de uma prática com menos riscos de
desgaste articular (em última análise, diferentes posturas poderiam significar
diferentes “prescrições” desportivas e/ou de atividade física, o que não
implica que haja atividades normalmente mais ou menos agressivas do que
outras).
Referências
bibliográficas
1. Mézières F.
La révolution en gymnastique orthopédique. Paris: Vuibert, 1949.
2. Tanamas S, Hanna F, Cicuttini F, Wluka A, Berry P,
Urquhart D. Does knee malalignment increase the risk of development and
progression of knee osteoarthritis? A systematic review. Arthritis &
Rheumatism (Arthritis Care & Research) 2009;61;4:459-467.
3. Coelho L. O
anti-fitness ou o manifesto anti-desportivo. Introdução ao conceito de
reeducação postural. Quinta do Conde: Editora Contra-Margem, 2008.
4. Coelho L. Mézières’ method and muscular chains’
theory: From postural re-education’s physiotherapy to anti-fitness concept.
Acta Reumatológica Portuguesa 2010;35:273-274.
5. Nisand M. La méthode Mézières: un concept
révolutionnaire. Paris: Éditions Josette Lyon, 2006.
6. Bricot B. Posturologia
(3ª edição). São Paulo: Ícone Editora, 2004 (edição brasileira).
7. Bienfait M.
Os desequilíbrios estáticos: fisiologia, patologia e tratamento fisioterápico.
São Paulo: Summus editora, 1995.
(Publicado na revista 'Fisio' da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas)
(Publicado na revista 'Fisio' da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas)
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