segunda-feira, junho 06, 2016

{um (ensaio "subjectivo", moderadamente "interpretativo", de) "conto de caso" em "Fisioterapia", "Fisiodinâmica", "Somatodinâmica"...}

Cabeleireira de profissão, a Sra. O.C. (62 anos de idade) - enérgica e trabalhadora incansável, por vezes ansiosa, muito comunicável e assertiva, uma força da natureza, sem problemas de saúde relevantes... -, começou, há cerca de seis anos, a referir queixas dolorosas no ombro direito, sobretudo na área abarcada pelo tendão da longa porção do bicípite. Subsistindo suspeitas de tendinite, a radiografia revela "sinais" implicativos de um Conflito Sub-acromial (provável causa da dor e inflamação). Tratada diariamente (numa Clínica) com recurso à terapia manual, e acrescendo-lhe todo o "trabalho de casa" composto por diversos exercícios de mobilidade (sem carga) para os membros superiores, são necessários meses para que o membro volte a ter funcionalidade comparável à do passado e dor perfeitamente tolerável; no entanto, várias vezes a paciente viria a referir que o "braço direito" nunca mais tinha voltado "a ser como dantes" (uns meses mais tarde, a condição deste braço viria a agravar-se, perdendo, novamente, funcionalidade e prejudicando, assim, a actividade profissional). A condição daquele membro foi considerada "normal", atendendo à profissão e ao volume de trabalho que vinha a desenvolver há vários anos, se bem que, a determinada altura, as dificuldades e o tempo requerido na/de reabilitação levaram a suspeitar da existência de uma condição mais gravosa como ruptura tendinosa e/ou ligamentar (nenhuma ecografia ou ressonância chegou, de facto, a ser realizada); o membro superior esquerdo não apresentava sinais/sintomas de patologia, mesmo tendo vindo a fazer muito do trabalho que cabia ao membro afectado. Passaram cerca de dois anos e, lenta e progressivamente, a paciente começou a exibir determinadas "manifestações clínicas" (para além da já referida disfunção do ombro): tremor (em repouso) no membro inferior direito, sobretudo na zona do joelho, rigidez e perda de mobilidade n/d/o mesmo ombro de sempre (o direito), também começou a apresentar uma lentificação dos movimentos e das reacções de equilíbrio, "rigidez" do olhar, já bem depois de ter perdido o sentido do olfacto (esta perda progressiva foi, durante anos, explicada a partir da condição de sinusite). Visitas a "médicos de família" no Centro de Saúde geraram "diagnósticos" como "problemas de coluna" (apesar de as radiografias realizadas à coluna não exibirem alterações invulgares para a sua idade ou mesmo gravidade que pudesse explicar as manifestações ocorridas - julgamento obviamente um tanto subjectivo), entre outros; pelo menos três médicos "clínicos gerais" acharam que a ausência de "roda dentada" (e terá uma Condição de ser assim tão absoluta, de apresentar inequivocamente todas as manifestações do "cardápio", ainda mais numa fase aparentemente incipiente?) era sinal inambíguo de que não estavam na presença de um caso de Parkinson. Foi preciso que neurologistas de renome viessem confirmar o diagnóstico de Parkinson para que a paciente ultrapassasse a "negação inicial". Medicada, melhorou substancialmente em todas as "manifestações", mas, ainda assim, possuía/possui alguma rigidez no hemicorpo direito, sobretudo aquando dos movimentos e esforços (principalmente os que exigem maior coordenação e/ou equilíbrio), algumas discinésias e tremor; as manifestações melhoram ou deixam mesmo de estar presentes aquando da fase ON de medicação. A cognição não tem apresentado alterações substantivas. O "Conflito Sub-acromial do ombro" conquistou agora uma explicação mais definitiva, foi fomentado pela rigidez parkinsónica. Refere também dores na região cervical, sobretudo charneira cérvico-dorsal e, ocasionalmente, dores lombares e ciatalgia (sem hipostesia ou parestesias) à direita. De acordo com os exames (e comparando com dados do Exame Subjectivo), e (sempre) interpretando, as dores cervicais não parecem ter causa discal (importante) mas antes no processo normal de "desgaste" (agravado pelo/no trabalho) associado a alterações no alinhamento (inclui "bossa" na área cérvico-dorsal), o movimento de extensão piora a dor, enquanto que o movimento de flexão (incluindo retroversão da mandíbula, que alinha parcialmente o muro posterior da coluna) alivia. A área em questão parece estar sobrecarregada em "mobilidade", dada a rigidez (observável) da coluna dorsal associada à rectificação desta (incluindo leve tendência para omoplatas aduzidas, mas sem retracção evidente da musculatura entre as mesmas, como poderia ser esperado. A adução das omoplatas pode potenciar a relação acrómio - cabeça do úmero). A cervical condiciona o funcionamento do ombro e vice-versa. Já ao nível do quadrante inferior, podemos considerar que a ciatalgia possui origem primária na região discal lombar (a mobilização segundo Maitland alivia, flexão agrava, os exames complementares referem a existência de herniação discal), verificando-se que a mesma dor é agravada na posição de alongamento em flexão com joelho estendido do membro inferior direito (limitando, assim, o recurso "terapêutico" à Tensão Neural Adversa). A ciatalgia, quando presente, não melhora com o alongamento do músculo piramidal. Em termos posturais, possui rectificação cérvico-dorsal, com dorsal rígida a condicionar mobilidade acrescida na zona de charneira cérvico-dorsal (como já afirmado) e também na lombar (condicionando a presença de herniação nessa região, provavelmente associada a hipermobilidade, sobretudo na área de charneira lombo-sagrada), tendência para anteversão da mandíbula agravada com expiração máxima realizada na posição de decúbito dorsal (posição básica e manobra segundo Mézières) - a rectificação da cervical cria geralmente tensão sobre os tecidos moles da região -, ombros em anteversão, mas sem retracção evidente das Cadeias musculares ântero-internas (verificado em decúbito dorsal com abertura do braço. Por vezes, a retracção da musculatura inter-escapular pode conviver com a cifose dorsal, a cifose pode até dever-se à insuficiência da musculatura dorsal tensa/encurtada, não é o caso aqui. Há muitas outras causas para a cifose, a dinâmica varia muito de "caso" para "caso", um número elevado de variáveis condiciona uma série de manifestações e/ou possibilidades, a Ciência "analítica"/"dianóica" tem por hábito isolar variáveis, limitando assim um objecto de estudo holístico por natureza, por outro lado, aquele isolamento é pretendido em nome do rigor, rigorismo esse que os estudos de tipo fenomenológico/hermenêutico/casuístico podem não conseguir alcançar. Note-se o conjunto assaz elevado de hipóteses que coloco na explicação de uma qualquer alteração, de algum modo há sempre explicação, independentemente das inerentes contradições, o homem é naturalmente contraditório, joga com diferentes pesos e diferentes medidas, distorce, modifica, adapta, o discurso, a argumentação, mesmo sem disso ter consciência, o que me leva também a reflectir a relevância do meu paradigma... o que o torna melhor que os outros? No fundo, nada a não ser a circunstância do seu enlace), portanto existe possibilidade de retracção do diafragma, verificável na reacção da cervical, mandíbula e ombros aquando da expiração forçada, mas contraposta pela anulação da curvatura lombar e ausência de encurtamento do psoas (o que, demais a mais, pode sugerir que o diafragma está retraído em determinados pontos, compensatoriamente "livre" noutras inserções), lordose lombar diminuída (forte tendência para bascular posteriormente a bacia e eliminar a curvatura lombar), associada a retracção da região inferior da Cadeia muscular posterior (sobretudo ísquio-tibais externos); o encurtamento referido contribui obviamente para a "báscula posterior" da bacia, e esta posição cria uma propensão para agravar os sinais relativos à herniação lombar, porque há maior quantidade de flexão, aliás uma tendência contínua para flectir a lombar, podendo afectar/aumentar a hérnia. A postura da bacia e coluna não parece ser anamnesicamente consequente à postura/alinhamento do membro inferior (neste caso pode verificar-se: pés planos, ligeiro valgismo dos joelhos e rotação externa das ancas), se bem que não parece pertinente, no caso em questão, tentar reconstituir a história da evolução morfológica e postural da paciente, nunca há um modo absoluto de saber como tudo foi acontecendo. Aqui é mais relevante entender que, a par de uma anulação da lordose lombar, estão presentes encurtamentos na secção inferior da Cadeia muscular posterior, na cérvico-dorsal, no diafragma. O encurtamento na secção inferior da Cadeia muscular posterior é compensado pelo alongamento lombar e este é compensado com um encurtamento nos níveis acima. Estes encurtamentos apresentam as citadas repercussões na função da coluna e membros. Não existe, aqui, uma apresentação mézièrista mais "característica" como encurtamento da lombar, diafragma e em rotação interna dos membros, ou a tendência para um encurtamento da secção inferior da Cadeia muscular posterior ser compensado com um alongamento de toda a secção superior da mesma Cadeia, mas uma dinâmica está presente e ela não é só muscular, há que atender à questão do Equilíbrio neuromuscular, ao mecanismo de Controlo postural; na paciente, o Equilíbrio global está francamente dependente da acção de ambas as ancas, ísquio-tibiais externos e tricípetes surais.

Existe, assim, uma relação estreita entre os caracteres puramente miofasciais e os neurológicos. E essa relação viciosa pode, inclusive, arrastar graves consequências com o avançar do tempo. E isso implica uma dinâmica assaz complexa. Obviamente é impossível representar um conjunto significativo de relações dialécticas no que respeita ao corpo-mente desta paciente. Mas podemos dar alguns exemplos. Vejamos o caso da relação entre a rigidez parkinsónica e a rigidez de carácter mais puramente miofascial. É impossível separar as duas anteriores. A rigidez parkinsónica propriamente dita aumenta a rigidez muscular e contribui para o encurtamento, por seu lado, estes aumentam a rigidez parkinsónica. Se, acaso, não existir um trabalho de alongamento das estruturas miofasciais, é possível que a rigidez no seu todo aumente e ela levará ao incremento do encurtamento e este ao incremento da rigidez; uma só sessão de alongamento do tecido miofascial pode produzir uma diferença enorme, pois pode ajudar a reduzir a rigidez e a necessidade de administração de medicação para a mesma; com o tempo, a Fisioterapia de cunho "reeducativo" pode levar a grandes diferenciações na evolução do próprio Parkinson. E se este evolui favoravelmente, a parte psicológica também se manterá mais "incólume" e isso implica que haverá também menos tensão e, portanto, menor rigidez. A mais pequena variação pode, assim, produzir grandes alterações. Por exemplo, o trabalho facilitatório no treino de marcha pode produzir alterações no funcionamento do Sistema Extra-Piramidal e isso pode levar à redução de rigidez e, por conseguinte, à melhoria do padrão de marcha, se bem que esta "melhoria" é obviamente subjectiva, sua avaliação dependerá sempre da visão tanto do terapeuta como do paciente e seus elementos de suporte. A modificação dos factores neurológicos poderia, também, levar a uma diminuição da rigidez da banda ílio-tibial e ísquio-tibiais externos à direita, isto poderia levar à redução da báscula posterior da bacia, o que pode ajudar na prevenção de mais ciatalgia, e, com esta menos presente, também se reduz a tensão nas áreas atrás referidas, o que leva igualmente à melhoria do padrão de marcha, e esta leva à redução da rigidez, etc., etc., poderíamos continuar eternamente (vide o esquema dos "Principais Problemas"). Um pequeno toque, um simples movimento ou alongamento, pode espoletar uma evolução completamente distinta da condição do paciente, para ela concorrem múltiplos factores em relação dinâmica e qualitativa complexa; mexendo numa variável, mexe-se com o conjunto do Sistema, e este é "aberto" e interactivo. Poderíamos, quiçá, representar relações mais directivas e/ou mais "distantes", mas tudo isto resulta de uma construção, duma projecção clínica, os elementos influenciam-se mutuamente e é pouco verosímil esperar uma possível redução "positiva" desta dialéctica da Condição, a qual inclui necessariamente a própria dinâmica do terapeuta, sua variância psico-física. Qualquer esquema representativo das relações possíveis será necessariamente limitativo, incluirá apenas as variáveis que a subjectividade nomeou e sublimou enquanto de mor relevância. Logicamente, a tentação de tratar um Sistema com um método ou paradigma também ele Sistémico é enorme, e quanto mais íntegro o Sistema e/ou o método, maior a complexidade dialéctica, a probabilidade de dialéctica relativística e dogmática, e a improbabilidade de redução da coisa a relações singulares, alvo da medição empírica tradicional.

Numa primeira fase dos tratamentos, após o trabalho respiratório (com incidência na expiração, com processo inspiratório passivo, de modo a produzir o máximo alongamento do diafragma, músculo inspiratório) com estabilização da cabeça/mandíbula na posição de decúbito dorsal (modo clássico de início de uma sessão Mézières, com vista a alongar secção superior da Cadeia muscular posterior), a sessão era iniciada com postura do tipo Mézières com alongamento da Cadeia muscular posterior acentuadamente na zona dorsal (evitando o alongamento excessivo da lombar, contra-indicado à herniação); pretendia alongar globalmente, preparando, assim, todo o trabalho a realizar, e a posição permite alongar a dorsal de um modo extremamente eficaz, a partir daí poderia trabalhar todo o quadrante superior (cervical e ombro), seguido do quadrante inferior; mais tarde, a postura mostrou ser muito "exigente" (tanto para a cervical, obrigada a uma flexão excessiva, como para a lombar, pela mesma razão) para a paciente e tivemos de fazer uso de soluções mais analíticas que permitissem alongar, pelo menos parcialmente, a Cadeia muscular posterior (chegámos a utilizar a postura de flexão da coluna a partir da posição de sentada - excelente para o alongamento da dorsal, incluindo os músculos inter-escapulares -, mas esta postura também veio a revelar-se agressiva para a lombar, não deixando, apesar de tudo, de ser uma posição excelente para trabalhar o movimento de flexão lateral da cervical, visto que mobilizamos e alongamos numa posição de alongamento mais ampla, de resto muitas vezes se escolherá mobilizar/alongar analiticamente no "interior" de uma postura determinada). O trabalho lógico seria o de decúbito dorsal, operado de cima para baixo, incluindo parte respiratória (que afecta o Sistema por inteiro), e acabando nos membros inferiores; trabalharia cervical, ombro direito e antebraço homolateral (zonas de rigidez), alongaria, depois, secção inferior da Cadeia muscular posterior e trabalharia membro inferior direito, incluindo alongamento do tricípete sural e tendão de Aquiles (zonas de rigidez). Só depois manipularia coluna lombar na posição de decúbito ventral, para "compensar" área da hérnia, faria exercícios de mobilidade da coluna, hipopressivos abdominais, e treino de Equilíbrio. Seguiria um processo semelhante ao que defendi em «O Anti-fitness ou o manifesto anti-desportivo» (Alongamento » Mobilidade » Força). No entanto, muitas vezes a Realidade obriga-nos a alterar a abordagem. Depois de ter feito aquele tipo de "trabalho", havia coisas a aperfeiçoar; a paciente continuava a apresentar algumas queixas de ciatalgia; ora as hérnias e as dores neuropáticas não gostam dos alongamentos do tipo "reeducativo" (pois são realizados proeminentemente em flexão da coluna lombar, com consequências para os discos intervertebrais), estava visto que teria de "moderar" a abordagem, por outro lado, com o tempo, a cervical e o ombro passaram a ser as áreas alvo da própria paciente, aquelas que ela queria/desejava mais trabalhadas, delas em bom estado precisava para o exercício da profissão (e ainda lhe restam alguns anos de actividade profissional...), o que me levou a inverter a ordem do tratamento, indo, agora, de baixo para cima (o quadrante superior é preparado "à distância" com o trabalho no quadrante inferior), e, além disso, era também necessário trabalhar o Equilíbrio logo no início da sessão (com algumas vantagens neurológicas preparatórias), pois aquele "treino" criava um nível de tensão tal que seria imprudente deixá-lo para o fim, abandonando, assim, a paciente à sua tensão novamente amplificada. Passámos a fazer o trabalho de Equilíbrio logo no início, com recurso, claro, a várias superfícies desequilibrantes (no trabalho de equilíbrio unipodal, começo sempre por trabalhar o equilíbrio do lado contralateral ao afectado, de modo a treinar a transferência de peso para uma área "remanescente" que "empurra", e só depois trabalho o equilíbrio do lado direito, neste caso colocando membro esquerdo à frente do direito, criando mais enfoque deste lado, associando-lhe alongamento do tricípete sural em pé, e várias actividades funcionais, sobretudo com cervical e membro superior direito; por vezes é necessário fazer alguma marcha normal e descontraída a meio dos exercícios para permitir o relaxar da zona lateral e posterior do membro inferior direito, incluindo o pé, onde se acumulam tensão e discinésias). Comummente, nesta fase, trabalho também os movimentos da cervical (cuja execução é fonte de mais "estímulo desequilibrante") - vários em "quadrante" (por exemplo, flexão/extensão e flexão lateral com a cabeça rodada para cada um dos lados, ou rotação com a cabeça flectida/estendida; a flexão lateral e a circundação fornecem um maior estímulo ao treino de equilíbrio, para além de afectarem mais a cervical inferior, zona que se pretende mais trabalhada, porque afectada por dor) -, com os olhos abertos e fechados, com a base de sustentação mais ou menos ampliada (joelhos ligeiramente flectidos, para diminuir a pressão na coluna), realizo também trabalho expressivo, movimentos facilitados como em "Feldenkrais" ou "Bobath" (e que implicam um "esforço" menor, mas maior nível de consciencialização), misturo tudo com os movimentos da cervical e o trabalho de equilíbrio, acrescento-lhe treino de coordenação e parte cognitiva, tudo feito de acordo com a "intuição", sem separações, nomeações desnecessárias. Posso pedir várias tarefas em simultâneo, com olhos fechados para exigir mais à proprioceptividade (as tarefas simultâneas podem ou não permitir a coordenação entre elas, por vezes pede-se a realização simultânea de duas actividades impossíveis de se coordenar, ampliando a exigência cognitiva), mas há que não exagerar, geralmente estas actividades aumentam muito a tensão e discinésias no membro inferior direito, e nós não queremos que aquela tensão se torne intolerável, para além disso, as actividades provocam também discinésias na mão direita, geralmente peço que as mãos permaneçam juntas e enlaçadas de modo a calar aquelas manifestações (pode não passar de um mero preciosismo, mas os preciosismos são apanágio do perfeccionista, e mesmo não fazendo qualquer diferença, convém que o terapeuta "acredite"; se o terapeuta acredita, o paciente também acredita, este - sim - é o verdadeiro e eficaz efeito "Placebo": a crença partilhada, ancorada na relação "transferencial" terapeuta-paciente); as tarefas deverão ser "funcionais", sem resistências, intencionais e descontraídas (muito particularmente, é essencial manter os ombros soltos, se bem que, por vezes, podemos treinar actividades com a pessoa "abraçada a si mesma", de modo a aumentar a exigência para o Equilíbrio), outros pacientes pedirão outro tipo de abordagem mais "tensa"... A associação entre actividades tem de ser coerente; se, por exemplo, trabalhar com base de sustentação pequena e olhos fechados, a exigência para o equilíbrio é maior, e aí há que prevenir mais o aparecimento das discinésias, se peço muitas actividades, aumenta o risco de frustrar a paciente (a frustração cria ansiedade e esta aumenta a tensão e as discinésias, tal pode constituir porta de entrada para uma regressão, e a mais ínfima destas pode, por efeito cumulativo, ter grandes implicações em todo o processo, incluindo frustrar familiares e o próprio terapeuta; é fundamental perceber que, em analogia com o mecanismo ético-moral convencional, equilíbrio atrai equilíbrio, estabilidade puxa por estabilidade, "melhorias" produzem renovadas "melhorias", e isto em design sistémico de cascata de auto-indução de influências), tudo na medida certa, facilmente se ultrapassa o limite do razoável, a linha que separa este do irrazoável é ténue, e, para mais, subjectiva, da parte do paciente e do próprio terapeuta "construtor" do paciente, variando muito segundo diferentes circunstâncias, poderia referir aqui inúmeras possibilidades ambíguas, a sua gestão não pode ser aprendida em livros, não pode ser receitada, é preciso avaliar e ajustar constantemente, o corpo de um momento já não é o corpo do momento seguinte, a nossa avaliação é multivariada, multifactorial, e a nossa cabeça não comporta (pelo menos por agora) Algoritmos, um dia o andróide fará o nosso trabalho com eficácia maior, o que parece ser irreproduzível deixará de o ser, o que augura ser "Espírito" desvelar-se-á enquanto "matéria", o Efeito Borboleta será "relativamente" controlado, o múltiplo será conseguido pelo "artificial", e este último será "humano", porque igualmente complexo, "consciente" (?) e multidimensional, deixará de fazer sentido um texto como este em que pretendo recrutar - sempre frustradamente - diversos elementos de um Sistema. A sessão continuava, à semelhança das anteriores, a ser feita totalmente em "ambiente" de colchão, sem recurso a marquesa (podemos também utilizar a posição de sentado num banco, com alongamento do tricípete sural - particularmente do solhar, músculo tónico, portanto com maior importância na manutenção da posição de pé e maior tendência para o encurtamento - com joelhos flectidos, levando o calcanhar, sempre junto ao chão, para trás da linha do joelho). Crucial será dizer que o aumento de tensão na banda ílio-tibial à direita acarreta um risco para o tratamento, dificultando o relaxamento das estruturas, criando pressão (compensatória) sobre o membro inferior esquerdo, esta pressão gera dor, bem como a da banda ílio-tibial referida, a dor alimenta as compensações, para além de interferir tardiamente com o trabalho da paciente, sobretudo de manhã, aquando o período off da medicação (a preocupação com o trabalho, bem como a lentidão, cria tensão e esta interfere com o tratamento). Depois do treino de equilíbrio, a paciente descia adequadamente para o colchão, retardando a flexão da lombar (por causa da citada hérnia discal), e ficava precisamente "de gatas", numa posição que permite alongar o tricípete sural (e também a fáscia plantar, o seu alongamento pode afectar - até neurologicamente - o conjunto do Sistema, daí ser importante massajar esta área, obviamente com gestão da dor produzida; muitas vezes se irá massajando a mesma área no decurso do tratamento), portanto com o peso colocado por cima dos pés, com estes virados para a área cefálica. Depois de alongada analiticamente a secção superior da Cadeia muscular posterior (pode ser igualmente usada uma posição de alongamento lateral do quadrado lombar, com o cuidado de não forçar o membro superior, sobretudo o direito, onde reside maior tensão) e de realizados, já, alguns movimentos de flexão/extensão e flexão lateral da lombar (na posição de gatas, com o cuidado de manter alguma extensão da coluna lombar, de modo a contrariar a tendência desta para a flexão; o movimento de flexão/extensão deve anteceder o de flexão lateral, pois a flexão alonga o que é mobilizado em flexão lateral; no entanto, o perigo de ciatalgia pode levar-nos a ater outro raciocínio, resultando na realização primeira da flexão lateral com proeminência para o lado direito - com ou sem auxílio manual - de modo a ter efeito sobre os discos intervertebrais, reduzindo a área da hérnia, e só depois efectuando o movimento de flexão/extensão, escusando a flexão excessiva. Obviamente, muitas das decisões em causa passam por antecipar o resultado de uma projecção, imaginamos o que poderá estar a acontecer com o corpo e reagimos em função disso, mas o modo como projectamos o comportamento do Soma depende, grandemente, do paradigma metodológico a que permanecemos fiéis, e, no exemplo acima apresentado, o paradigma estrutural/postural aparece em contradição com o paradigma funcional, isto querendo simplificar o que se não deve. De algum modo, não existe solução de continuidade entre o metodológico e o epistemológico. A intervenção demanda sempre um Sentido, muitas vezes mais "criado" do que realisticamente existente (mas o "criado" torna-se "real" ao ser real-izado), e o que se justifica parece sempre legítimo; diferentes paradigmas interpolados numa só intervenção podem, porventura, implicar diferentes Sentidos ou raciocínios ripostados "contra" o que é, ou deveria ser, Uno, mas antes isso do que a supremacia dogmática de um só paradigma, potencialmente alienador de toda uma visão; se bem que sua pureza "estética" possui efeito denodado sobre a "crença" e esta influencia, directa e indirectamente, o tratamento, bem como os efeitos do mesmo, e talvez tudo não vá para além do placebo, da satisfação, no sentido mais subjectivo, que, em grande medida, é tudo o que interessa, a "satisfação" do paciente é mais importante do que a do terapeuta, excrescência fortemente egóica, edificação subjectiva e volúvel) - mantendo sempre o alongamento da zona sural -, fazíamos o trabalho de decúbito ventral, a mobilização e exercícios (a mobilização da coluna é antecedida de alongamento preparatório, queremos mobilidade com menos atrito, era solicitada uma boa amplitude de extensão da coluna, imediatamente depois de efectuada a mobilização segundo Maitland - numa posição de prévia extensão da coluna, de modo a permitir aprimorar ainda mais a amplitude - e alguma manipulação do tipo McKenzie, esta realizada simultaneamente com tracção da coluna por meio dos membros inferiores, eventualmente também com movimentos de flexão lateral. Persiste o desejo de estender uma coluna lombar com tendência para postura de flexão, a qual alimenta o risco de aparecimento de manifestações decorrentes das herniações lombares. Depois, os exercícios mais "activos" - utilizamos, frequentemente, um exercício semelhante ao "de gatas", mas com apoio nos antebraços, posição que implica maior esforço abdominal, se bem que força um pouco os ombros, pelo que não pode ser prolongado durante muito tempo (há também que assegurar que a cervical está alinhada e não estendida, os membros inferiores devem estar colocados de modo a permitir a mobilidade lombar) - ajudam a repor a "tensão" na região abdominal, podemos por exemplo fazer trabalho de mobilidade associado a força do "centro", algo que requeira "ins/estabilidade" e que ajude a activar o "core", e podemos acrescer-lhe actividades com o membro superior com a preocupação de alongar a zona do antebraço sem colocar tensão no ombro, a "tensão" (contracção) é para a zona antagonista ao antebraço, de modo a ajudar a inibir a musculatura "palmar", geralmente muito tensa, local onde ocorre mais frequentemente o fenómeno de "roda dentada", que, a propósito, mais parece um tremor vibracional e não uma "roda dentada", e o tremor, muitas vezes apelidado de "repouso" tem, na verdade, componente intencional, ele aparece ou aumenta aquando da iniciação/realização do movimento, mas isto é aqui nesta paciente, o mesmo pode passar-se de modo dissemelhante com outrem), encerrando assim a parte mais "activa" do tratamento para a paciente, o resto seria mais "relaxante" para ela, seguindo-se, assim, o trabalho em decúbito dorsal. Trabalhada a zona lombar, e não querendo acordar a ciatalgia à direita, é fundamental evitar o alongamento excessivo da secção inferior da Cadeia muscular posterior, recorro, assim, à tracção manual daquela zona e, simultaneamente, trabalho o alongamento do tricípete sural de ambos os lados. Frequentemente, tracciono os membros inferiores e, através deles, mobilizo lateralmente a coluna - também pode ser feito com flexão lateral activa -, consigo assim, mais uma vez, mobilidade com menos atrito. A zona lateral do membro inferior direito precisa muito de ser alongada, é uma área de grande tensão, parte da ciática é provocada pela tensão que aquela zona transmite à coluna e à parte neural, portanto, o alongamento tem de ser feito e, no entanto, tem de ser muito suave, um pouco a mais e está tudo estragado, um pouco a menos e será insuficiente. Escolho a postura de "Cadeias cruzadas" de Busquet para conseguir o necessário alongamento lateral, mas, como sabemos, nunca há só uma área afectada, há sempre duas, porque a "supostamente não afectada" substitui grandemente a afectada, sendo assim necessário tratar sempre os dois lados do corpo, e, naturalmente, começamos pelo lado não afectado. A postura de Busquet é usada no lado esquerdo, com alongamento do membro superior esquerdo, incluindo punho, mão e dedos, a zona da Cadeia interna, e toda a zona lateral e posterior do membro inferior esquerdo; aqui não existe o perigo de ciática (nunca houve ciatalgia à esquerda, no caso desta paciente), e, antecipando o alongamento que terei de fazer à direita, resolvo exagerá-lo à esquerda, incluindo na zona da coluna, de modo a preparar a área para o alongamento do outro lado, diminuindo assim os riscos deste último. Não esquecer a respiração, com enfoque na expiração máxima, com o objecto de aprimorar o alongamento. Após o alongamento global à esquerda, temos o membro superior esquerdo e o membro inferior homolateral preparados para serem analiticamente alongados e mobilizados (um dia o Parkinson, patologia progressiva, poderá vir a afectar este hemicorpo, por que não prepará-lo para o futuro?). À direita o alongamento é mais suave e, por isso mesmo e não só, mais prolongado, gasto imenso tempo a alongar e mobilizar tendão de Aquiles, área directamente afectada pelas discinésias e tensão; aproximando-me da zona lombar, suavizo essa parte da postura de Busquet, se necessário continuamos a postura com o joelho dobrado, ao invés de esticado, não queremos acordar a ciática, e, claro, o membro superior direito está também em posição de alongamento, incluindo punho, mão e dedos, às tantas, arranjo maneira de manter a postura de modo autónomo e vou criar mais alongamento no membro superior direito (com cuidado, não queremos agudizar a condição do ombro), estendendo bem punho, mão e dedos, zona geralmente com muita tensão (e acrescentando massagem e/ou Contract-Relax, tudo impelindo a expiração). Finalizada a postura, tenho de me dedicar logo ao membro inferior direito, não posso levar muito tempo, não quero que passe o grosso do efeito do alongamento no membro superior, desejo que aquela zona ainda esteja algo "distendida" de modo a mobilizar mais eficazmente todas as articulações. No membro inferior, mobilizo joelho, pé e tendão de Aquiles, massajo e fricciono o mesmo tendão, mobilizo o joelho criando "espaço" na articulação femorotibial, fricciono profundamente o piramidal desse mesmo lado (se já não o fiz durante a postura "cruzada" de Busquet...), já o próprio alongamento global incluía a realização simultânea de tracção e massagem do membro inferior, as mãos não param, instintivamente vamos trabalhando tudo, os métodos são todos um só, uma só técnica, o corpo como um Todo. Vindo cá para cima - com a paciente em decúbito dorsal e ambos os membros inferiores colocados em 90º de flexão de ancas e joelhos com banco por baixo (até que o banco seja colocado, é mantida aquela posição de modo a exigir actividade do "core", mas com o cuidado de não prolongar muito o exercício, um pouco a mais, o abdominal não aguentará e a coluna será afectada, com aparecimento provável da ciática, há situações em que se pede o trabalho de um membro de cada vez, sobretudo daquele que é contralateral ao membro com ciatalgia; também não queremos flexão excessiva da anca, para não a forçar, nem flexão excessiva do joelho), ou seja, numa posição de alongamento da secção superior da Cadeia muscular posterior, postura que tornará o trabalho na cervical mais proveitoso para a própria cervical e restante coluna, visto que trabalhamos em "Campo (parcialmente) fechado" ("Champ clos") -, mobilizo o membro superior (fricciono profundamente o tendão da longa porção do bicípite, utilizo técnicas harmónicas, vibração, invento à medida do intento), afasto a omoplata do úmero, mobilizo com tracção, quero aliviar a pressão, diminuir a superfície de contacto, é fundamental mover sem atrito a área do "conflito", queremos libertar aquela zona, todo este tratamento grita a palavra "liberdade", é o meu paradigma principal, limitação minha quiçá, visão restritiva talvez, mas é uma tão legítima como outra, e certo é que parece resultar, bem... no fundo tudo resulta, basta acreditar, mas também é preciso que o terapeuta acredite e o terapeuta acredita mais quando o método se transforma em Dogma, em Ideal, este é praticado com violência interior, temperança, e voltando ao membro superior, a mão, o punho, os dedos, mobilizados, aquelas articulações estão muito familiarizadas com a rigidez - daí que mobilizo também o cotovelo, o punho e cada articulação dedo a dedo -, e depois vem a cervical, também alongada (antes de ser massajada, de modo a que a massagem não destrone os efeitos do alongamento, por exemplo, dos trapézios, sendo este iniciado no lado esquerdo e só depois efectuado no lado direito, mais afectado com tensão, e, portanto, deixado para o fim, de modo a fazer com que este alongamento sujeite o do lado contralateral), massajada, manipulada, mobilizada (em posturas diversas, e também com os membros superiores fechados, omoplatas abduzidas, posição de algum alongamento dorsal, havendo, assim, mais alongamento também na cervical, para além disso trabalhamos expiração profunda com estabilização da mandíbula (não deixando que esta se desloque, em compensação, mas tendo o cuidado de não a forçar em demasia, a pressão nesta área pode ter efeitos daninhos sobre todo o Sistema), com o objecto de alongar diafragma - cadeia inspiratória enquanto cadeia central que cruza todas as Cadeias musculares - este trabalho pode também - e deve - ser feito logo no início da posição de decúbito dorsal com membros ainda estendidos no colchão, o trabalho respiratório prepara o restante tratamento, no entanto, nem sempre este preciosismo do Dogma mézièrista pode ser preconizado, pois a paciente fica apreensiva com o processo respiratório máximo, salvemo-nos de ser demasiado "radicais" ou "fundamentalistas", características nem sempre moralmente "negativas", passe-se o absurdo deste "negativo"), libertada, traccionada (esta tracção, em conjunto com a posição dos membros inferiores em flexão, permite descomprimir toda a secção superior da Cadeia muscular posterior, se acaso esta tracção precedesse o trabalho da cervical, bem como o trabalho do membro superior direito - em relação dinâmica constante com a cervical - e, quiçá, tudo o que se fez/faria com implicação na lombar, sobressairiam veras vantagens para a paciente), bem que o neurocirurgião queria nela pôr a prótese, ah... mas este trabalho tem feito as vezes da prótese, por vezes parece milagre como uma só sessão por semana compensa tanto esforço, tensão e disparate repetidos ao longo de toda a semana. Queria poder pormenorizar ainda mais - um tratamento com esta paciente demora geralmente 90 minutos -, mas é impossível explicar cada molécula de movimento, os gestos do terapeuta são pensados até ao absurdo, por isso tem de ser ele a saber, a escolher, a decidir em conjunto com o paciente. Que faria eu de uma prescrição que lá contivesse duas ou três "ordenações", que faria eu da Credencial que só permite tratar uma zona do corpo?, existe por aqui todo este melindre, esta preocupação, mas, volta e meia, há sempre quem diga "o fisiatra estudou mais anos, tem de saber mais, por algum motivo ele existe", estudou tantos anos e sabe tão pouco o que as coisas são, estudou tanto e nada percebe, será que o estudo a mais começa a ter certos efeitos adversos? Pois aquele corpo é Uno, às tantas, quando mobilizo, o meu corpo está a dançar, e se o meu corpo dança, o paciente já dança também, faço a postura e estou eu também em postura, liberto o paciente porque me quero livre também, e, se eu for livre, não o privarei de igual bênção. E porque sou livre posso sempre mudar tudo de repente, às tantas muda todo o Sistema, todo o método, porque algo assim o exigiu, a circunstância criou a demanda, e nós far-nos-emos diferentes, os mesmos de sempre, a variar, a soltar, a colar, altera ali, acrescenta acoli, isto cabe numa folha de papel???

in "O homem-Nada. Corpo, dialéctica e relativismo moral" (Edições Mahatma, 2016)

sexta-feira, maio 13, 2016

«O homem-Nada. Corpo, dialéctica e relativismo moral»

O novo livro, já disponível através de edicoesmahatma@mail.com e nas livrarias Bertrand...