O termo “antiginástica” roça os limites da curiosidade. Afinal de contas, é bem sabido que o exercício físico é aconselhado por tudo e por todos como uma espécie de panaceia para os problemas que afectam a saúde esquelética do ser humano. E parece não haver dúvidas que o exercício, o treino, a “ginástica”, possuem todos as suas virtudes no esboçar de um corpo condicionado, assaz treinado para reerguer uma “torre de Babel”; sim, o corpo condicionado igualiza o conceito de perfeição, de beleza intransigente, de vivência mais que telúrica do agir concreto... E é este mesmo corpo “perfeito” que, enquanto objecto de consumo que é, é treinado e potencializado até uma máxima de “capacidade” e de auto-servilismo, num paradigma de “forma” completamente contrário ao modelo de trabalho de Bertherat, a grande criadora do conceito e método da “antiginástica”.
Nas últimas décadas, o fitness tem acentuado cabalmente a sua influência na sociedade e no mercado global de consumo. Pode-se, inclusivamente, dizer que, graças às práticas do fitness, o corpo se transformou num perfeito objecto de mercado, uma nova indústria cultural (T. Adorno). Gostaria de, neste momento, citar Jean Baudrillard (“A sociedade de consumo”), que diz, a propósito do corpo como “o mais belo objecto de consumo”, que “a redescoberta [do corpo], após uma era milenária de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, a sua omnipresença na publicidade, a moda e na cultura das massas – o culto higiénico, dietético e terapêutico com que se rodeia a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam, o Mito do Prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objecto de salvação.”
Assim sendo, a indústria do “bem estar”, que granja tantas vezes os limites do “cientificamente aceitável”, e a indústria do fitness – juntas e separadamente – têm vendido uma ideia de corpo enquanto objecto de autonomia libertária relativamente ao monocordismo do mundo contemporâneo, assim como têm produzido um conceito de “corpo condicionado” enquanto condição obrigatória à total imunização à patologia. Que pena que estejam constantemente a converter o corpo num objecto de “culto”, quando seria mais previdente tentar ler as suas verdadeiras necessidades... Embora se baseiem em rigorosas leis da “fisiologia do esforço”, e apesar de tantos estudos avultarem os benefícios cardiovasculares do exercício, não há ainda evidência suficiente que permita ver o fitness como resposta às necessidades do corpo esquelético. Significa isto que a quase totalidade de desportos existentes, assim como as mais propaladas actividades de fitness, não se encontram adequados às exigências de um “corpo frágil”, que é aquele que genuinamente vestimos; o fitness alimenta a ideia de saúde, mas os esforços que desencadeia ao nível do corpo desautorizam as mais basilares leis do funcionamento postural global.
Tentemos explicitar... O método Mézières, o qual revolucionou o campo da medicina e ginástica ortopédica em França a partir dos anos 40, veio criar a noção, actualmente cientificamente comprovada, de que as deformidades posturais se devem a excessos musculares e não a fraquezas musculares, ou seja, as alterações posturais ou estruturais do corpo têm origem no excesso de força de determinados músculos, os quais têm tendência para desenhar uma cadeia na zona posterior do corpo (cadeia muscular posterior). Ora, vários estudos dos anos 90 do século passado demonstraram que a assunção de autores como Mézières e discípulos (Bertherat, Souchard, Busquet, Peyrot, Nisand), segundo a qual todos os esforços musculares contribuem para a deformidade, está absoluta e inegavelmente correcta; significa isto que a saúde estrutural do nosso sistema músculo-esquelético depende sobretudo de actividades que favoreçam o alongamento e o relaxamento, e não de actividades que favoreçam a força e a resistência muscular.
Os dados apresentados, e subsistidos por diversos estudos bem recentes, levam a concluir que a realização da maioria dos desportos ou actividades de fitness existentes poderá acarretar a tendência inequívoca para a deformidade postural. Isto, só por si, já justifica uma certa atitude relativamente a tantos e tantos desportos efectuados (conceito de anti-fitness), os quais, quase todos, valorizam a realização de esforços intrépidos. Em particular, não pode deixar de se condenar o médico que encaminha o utente que sofre de dores lombares para um personal trainer de musculação, ou o professor de Yoga que força a extensão da coluna de um utente com escoliose, desconhecendo que tal postura é absolutamente contra-indicada à condição existente. E estes são apenas dois exemplos bem paradigmáticos. E exemplos não faltam!... Será necessário citar o impacto muscular acrescido de tantas actividades físicas, associado àqueles esforços que estão ligados às “lesões por esforço repetido”?... Por exemplo, quem se atreve a considerar a ginástica acrobática ou os trampolins como um desporto saudável, mesmo para quem não sofre da coluna (mas passará, decerto, a sofrer...)? Quem se atreve a negligenciar os recentes estudos que associam a presença de deformidades à realização de desportos como o voleibol, o basquetebol e outros de carácter assimétrico? E quem se atreve a negar que o desporto de alta competição constitui um artefacto só eventualmente explicável por um excelente profissional de saúde mental?...
Deve, portanto, ser dito que, mesmo os melhores instrutores de fitness, mesmo aqueles que concebem o melhor modelo de saúde e segurança para o utente, todos eles se movem por teorias da prática física que remontam a anos muito anteriores aos da revolução mézièrista anteriormente mencionada. Daí que a actividade de fitness passe por ser condenável per si, mesmo que tenhamos em conta instrutores de alta qualidade.
Ora, é este o conceito de anti-fitness que, de forma primacial, norteia o método da antiginástica de Thérèse Bertherat. Este é, de facto, um método grupal que privilegia a realização de alongamentos globais, o relaxamento muscular, o alinhamento postural constante, a libertação fascial, a (re)construção postural. À semelhança do mais serôdio método “Corpo e Consciência” de Courchinoux, a antiginástica valoriza a consciencialização corporal, com base nos princípios do método Mézières. É, no fundo, a forma como o método e as posturas de Mézières podem ser adaptadas a uma prática grupal, adequadamente respeitadora dos princípios mézièristas, ou seja, é a forma como um novo método de ginástica/fitness (ou será antiginástica/anti-fitness?) pode surgir a partir das leis de trabalho de Mézières, as quais configuram a “grande teoria das Cadeias musculares”.
A obra inicial de Bertherat “Le corps a ses raisons” explana muitos dos princípios enunciados, sendo a única das obras da autora traduzida para português nacional (a obra pode ser encontrada em alfarrabistas com o horrível título “Dê saúde ao seu corpo. A saúde pela antiginástica”). A segunda obra de Bertherat (“Courrier du corps”) refere-se a outros métodos mais ou menos assimiláveis pelos princípios de Mézières. A terceira obra (“Les raisons du corps – garder et regarder la forme”) é a mais lírica de todas as que a autora escreveu. E a obra “Le repaire du tigre” é a que mais se aproxima dos conteúdos do texto presente. Nela, a autora aponta os tantos erros, as tamanhas deformidades que as práticas físicas contemporâneas alimentam, alertando para o facto de todo o esforço alimentar os “vícios do tigre que temos por trás do corpo”.
Aliás, o conceito de “forma” para Bertherat é muito diferente do conceito de “forma física” para o fitness. Para Bertherat e os proponentes da Reeducação Postural, “forma” não significa músculos potentes e elegância feminina; “forma” significa “postura” e “postura” significa um corpo respeitado nas suas forças e inibido das suas tensões... um corpo com história, um corpo com “forma”...
Nas últimas décadas, o fitness tem acentuado cabalmente a sua influência na sociedade e no mercado global de consumo. Pode-se, inclusivamente, dizer que, graças às práticas do fitness, o corpo se transformou num perfeito objecto de mercado, uma nova indústria cultural (T. Adorno). Gostaria de, neste momento, citar Jean Baudrillard (“A sociedade de consumo”), que diz, a propósito do corpo como “o mais belo objecto de consumo”, que “a redescoberta [do corpo], após uma era milenária de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, a sua omnipresença na publicidade, a moda e na cultura das massas – o culto higiénico, dietético e terapêutico com que se rodeia a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam, o Mito do Prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objecto de salvação.”
Assim sendo, a indústria do “bem estar”, que granja tantas vezes os limites do “cientificamente aceitável”, e a indústria do fitness – juntas e separadamente – têm vendido uma ideia de corpo enquanto objecto de autonomia libertária relativamente ao monocordismo do mundo contemporâneo, assim como têm produzido um conceito de “corpo condicionado” enquanto condição obrigatória à total imunização à patologia. Que pena que estejam constantemente a converter o corpo num objecto de “culto”, quando seria mais previdente tentar ler as suas verdadeiras necessidades... Embora se baseiem em rigorosas leis da “fisiologia do esforço”, e apesar de tantos estudos avultarem os benefícios cardiovasculares do exercício, não há ainda evidência suficiente que permita ver o fitness como resposta às necessidades do corpo esquelético. Significa isto que a quase totalidade de desportos existentes, assim como as mais propaladas actividades de fitness, não se encontram adequados às exigências de um “corpo frágil”, que é aquele que genuinamente vestimos; o fitness alimenta a ideia de saúde, mas os esforços que desencadeia ao nível do corpo desautorizam as mais basilares leis do funcionamento postural global.
Tentemos explicitar... O método Mézières, o qual revolucionou o campo da medicina e ginástica ortopédica em França a partir dos anos 40, veio criar a noção, actualmente cientificamente comprovada, de que as deformidades posturais se devem a excessos musculares e não a fraquezas musculares, ou seja, as alterações posturais ou estruturais do corpo têm origem no excesso de força de determinados músculos, os quais têm tendência para desenhar uma cadeia na zona posterior do corpo (cadeia muscular posterior). Ora, vários estudos dos anos 90 do século passado demonstraram que a assunção de autores como Mézières e discípulos (Bertherat, Souchard, Busquet, Peyrot, Nisand), segundo a qual todos os esforços musculares contribuem para a deformidade, está absoluta e inegavelmente correcta; significa isto que a saúde estrutural do nosso sistema músculo-esquelético depende sobretudo de actividades que favoreçam o alongamento e o relaxamento, e não de actividades que favoreçam a força e a resistência muscular.
Os dados apresentados, e subsistidos por diversos estudos bem recentes, levam a concluir que a realização da maioria dos desportos ou actividades de fitness existentes poderá acarretar a tendência inequívoca para a deformidade postural. Isto, só por si, já justifica uma certa atitude relativamente a tantos e tantos desportos efectuados (conceito de anti-fitness), os quais, quase todos, valorizam a realização de esforços intrépidos. Em particular, não pode deixar de se condenar o médico que encaminha o utente que sofre de dores lombares para um personal trainer de musculação, ou o professor de Yoga que força a extensão da coluna de um utente com escoliose, desconhecendo que tal postura é absolutamente contra-indicada à condição existente. E estes são apenas dois exemplos bem paradigmáticos. E exemplos não faltam!... Será necessário citar o impacto muscular acrescido de tantas actividades físicas, associado àqueles esforços que estão ligados às “lesões por esforço repetido”?... Por exemplo, quem se atreve a considerar a ginástica acrobática ou os trampolins como um desporto saudável, mesmo para quem não sofre da coluna (mas passará, decerto, a sofrer...)? Quem se atreve a negligenciar os recentes estudos que associam a presença de deformidades à realização de desportos como o voleibol, o basquetebol e outros de carácter assimétrico? E quem se atreve a negar que o desporto de alta competição constitui um artefacto só eventualmente explicável por um excelente profissional de saúde mental?...
Deve, portanto, ser dito que, mesmo os melhores instrutores de fitness, mesmo aqueles que concebem o melhor modelo de saúde e segurança para o utente, todos eles se movem por teorias da prática física que remontam a anos muito anteriores aos da revolução mézièrista anteriormente mencionada. Daí que a actividade de fitness passe por ser condenável per si, mesmo que tenhamos em conta instrutores de alta qualidade.
Ora, é este o conceito de anti-fitness que, de forma primacial, norteia o método da antiginástica de Thérèse Bertherat. Este é, de facto, um método grupal que privilegia a realização de alongamentos globais, o relaxamento muscular, o alinhamento postural constante, a libertação fascial, a (re)construção postural. À semelhança do mais serôdio método “Corpo e Consciência” de Courchinoux, a antiginástica valoriza a consciencialização corporal, com base nos princípios do método Mézières. É, no fundo, a forma como o método e as posturas de Mézières podem ser adaptadas a uma prática grupal, adequadamente respeitadora dos princípios mézièristas, ou seja, é a forma como um novo método de ginástica/fitness (ou será antiginástica/anti-fitness?) pode surgir a partir das leis de trabalho de Mézières, as quais configuram a “grande teoria das Cadeias musculares”.
A obra inicial de Bertherat “Le corps a ses raisons” explana muitos dos princípios enunciados, sendo a única das obras da autora traduzida para português nacional (a obra pode ser encontrada em alfarrabistas com o horrível título “Dê saúde ao seu corpo. A saúde pela antiginástica”). A segunda obra de Bertherat (“Courrier du corps”) refere-se a outros métodos mais ou menos assimiláveis pelos princípios de Mézières. A terceira obra (“Les raisons du corps – garder et regarder la forme”) é a mais lírica de todas as que a autora escreveu. E a obra “Le repaire du tigre” é a que mais se aproxima dos conteúdos do texto presente. Nela, a autora aponta os tantos erros, as tamanhas deformidades que as práticas físicas contemporâneas alimentam, alertando para o facto de todo o esforço alimentar os “vícios do tigre que temos por trás do corpo”.
Aliás, o conceito de “forma” para Bertherat é muito diferente do conceito de “forma física” para o fitness. Para Bertherat e os proponentes da Reeducação Postural, “forma” não significa músculos potentes e elegância feminina; “forma” significa “postura” e “postura” significa um corpo respeitado nas suas forças e inibido das suas tensões... um corpo com história, um corpo com “forma”...
6 comentários:
Todos os livros de Therese bertherat sao traduzidos para o portugues e editado pela Martins Fontes.
o site : www.antiginastica.com
De fato o terceiro livro de Bertherat é o mais lirico...mas se chama les Saisons du corps ( As estaçoes do corpo ) e é bastante ligado a medicina chineza alem de lirico....gostei muito do texto Parabens! como profissional de antiginastica a 5 anos e praticante a 17, concordo com suas ideias e acho tambem que O corpo adestrado a vencer , e sedutor para vender parece seguir um instinto selvagem de reproduçao/preservaçao transvestido de crenças simbolicas...visite o site e experimente a antiginastica.voces vao entender na pele!!!!!!
" Denego (...) a existência do livre arbítrio (...). Navego na dúvida...". Como é possível duvidar sem livre arbítrio?
Análise simplista, no mínimo. Apontar os males físicos como resultado das atividades desenvolvidas pela indústria do fitness (que sem dúvida possui erros, como por exemplo a reafirmação objética do corpo) e a ''solução'' desses males sendo os alongamentos globais... Não creio ser a melhor abordagem para trazer mais seriedade à questão.
O interessante aqui é principalmente a ideia de todo, do corpo e mente não separados mas formadores de uma totalidade. Simples, no caso é analise acima, pois a partir dessa chave de pensamento em que os musculos são cruciais para "SERMOS" nós mesmos, entendemos quão complexo e dificl é viver, por exemplo, numa metrópole como São Paulo, onde o stress do cotidiano caótico impregna não somente nossa mente, mas afeta tudo,o complexo corpo-mente, que não são separados! Grato pela indicação do site!
O professional de fitness de hoje e completamente diferente do instructor de Musculacao/fisico culturismo de outrora
os seus conhecimentos sao diversos e integram analise postural,flexibilidade,lesoes,metodos fisioterapeuticos,relaxamento,medicacao etc...
Acho completamente errado julgar um medico que refere um paciente a um personal trainer.
Aqui em Londres, ambos trabalham juntos e o mundo, nao baseia se em lesoes e lordoses
existe inactividade e doencas do foro cardiovascular.
A forca e um elemento fundamental na luta contra o envelhecimento
Filosofias existem em grande quantidade na decadente franca.
Perdoem a falta de acentos do teclado Ingles
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