«No Princípio
[Arché] era o Verbo [Logos].» E o Logos, que, numa escala de olhar permutável,
se perspetiva no livro de instruções do Demiurgo, passou a reiterar o comando tiranizado
dos homens. Dupla tirania: os homens estão condenados a serem o que são, os
homens estão condenados a serem livres; os homens são jograis de uma
subjetividade que lhes foi imposta, os homens são jograis da ilusão de que essa
subjetividade nasce de si-mesmos e é controlado por si-mesmos; os homens são
determinados e estão determinados a serem livres, ou a pensarem que o são.
Dupla determinação: determinação eidética e determinação subjetiva;
determinação de facto e determinação para a ilusão da liberdade. A determinação
é uma condição necessária da matéria, mas como cada ser se traveste do seu próprio jogo de fatalidade, o que resulta é
um tumulto, uma batalha de linguagens e de modelos, que leva a matéria
determinada a ter o aspeto de um caos de acontecimentos jamais suscetíveis de
determinação. Daí que o determinismo demiúrgico passe a transmutar-se num
cenário de múltiplas possibilidades, com todas estas a assumirem uma forma de
relativismo, que morre na perspetiva de um controle automatizado e
superinteligente do conjunto quase imenso, mas não infinito, de
potencialidades. O humano concreto só pode ambicionar o escalar de uma pirâmide
de consciência, mas não pode, mesmo assim, ambicionar a liberdade, somente a
ilusão dessa liberdade, para que, escalando no patamar da consciência, possa ir
aumentando a sua sensação de uma falsa liberdade, falsa porque se sente uma
coisa que não o é e só pode sê-lo no abandono do corpo, falsa porque o abandono
do corpo, o tornar-se Deus, é igualmente ilusório, e advém da quimera
esotérica, que é a ilusão de que há, no fim, uma maneira de sermos livres,
quando o esforço para tal é já por si condicionado, de um condicionamento que
advém da insegurança, de uma falha narcísica que não pode jamais ser preenchida.
Não obstante,
escrevo nesta sempre certa certeza de que o passado tornou este ato de escrita necessário
e obrigatório, tal como o pensamento que se enrola de se tentar libertar da
mesma grilheta que o leva a se tentar libertar.
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