domingo, fevereiro 10, 2013

Desabafo niilista

«No Princípio [Arché] era o Verbo [Logos].» E o Logos, que, numa escala de olhar permutável, se perspetiva no livro de instruções do Demiurgo, passou a reiterar o comando tiranizado dos homens. Dupla tirania: os homens estão condenados a serem o que são, os homens estão condenados a serem livres; os homens são jograis de uma subjetividade que lhes foi imposta, os homens são jograis da ilusão de que essa subjetividade nasce de si-mesmos e é controlado por si-mesmos; os homens são determinados e estão determinados a serem livres, ou a pensarem que o são. Dupla determinação: determinação eidética e determinação subjetiva; determinação de facto e determinação para a ilusão da liberdade. A determinação é uma condição necessária da matéria, mas como cada ser se traveste do seu próprio jogo de fatalidade, o que resulta é um tumulto, uma batalha de linguagens e de modelos, que leva a matéria determinada a ter o aspeto de um caos de acontecimentos jamais suscetíveis de determinação. Daí que o determinismo demiúrgico passe a transmutar-se num cenário de múltiplas possibilidades, com todas estas a assumirem uma forma de relativismo, que morre na perspetiva de um controle automatizado e superinteligente do conjunto quase imenso, mas não infinito, de potencialidades. O humano concreto só pode ambicionar o escalar de uma pirâmide de consciência, mas não pode, mesmo assim, ambicionar a liberdade, somente a ilusão dessa liberdade, para que, escalando no patamar da consciência, possa ir aumentando a sua sensação de uma falsa liberdade, falsa porque se sente uma coisa que não o é e só pode sê-lo no abandono do corpo, falsa porque o abandono do corpo, o tornar-se Deus, é igualmente ilusório, e advém da quimera esotérica, que é a ilusão de que há, no fim, uma maneira de sermos livres, quando o esforço para tal é já por si condicionado, de um condicionamento que advém da insegurança, de uma falha narcísica que não pode jamais ser preenchida.
Não obstante, escrevo nesta sempre certa certeza de que o passado tornou este ato de escrita necessário e obrigatório, tal como o pensamento que se enrola de se tentar libertar da mesma grilheta que o leva a se tentar libertar.

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