Ainda no outro dia lia sobre o florescimento da filosofia existencialista na Europa, em particular na França de meados do século XX. Existencialistas houve muitos, fosse no campo da filosofia propriamente dita, fosse no campo da literatura. A sua filosofia, assim como os métodos de intervenção psicoterapêutica centrados na "terapia centrada na Pessoa", advoga, em termos genéricos, que "a existência precede a essência", o que é o mesmo que dizer que as condições e périplos da existência acabam por desenhar as características mais estáveis da personalidade humana.
De forma análoga, e levando os respectivos "termos" para o campo da Saúde, podemos dizer que é a função que faz o órgão, ou seja, que é o treino ou a actividade funcional que permite conceber determinada estrutura corporal. Mas será essa a perspectiva da Reeducação Postural? Pois é certo que o nosso paradigma de "intervenção postural" tende a mexer, o mais directamente possível, com as condições que ditam a idiossincrasia estrutural. Ou seja, a Reeducação Postural tende a "acreditar" que "a estrutura determina a função" (ex. a postura e o alinhamento articular determinam as condições e eixos do movimento), e que a primeira pode ser trabalhada sem passar pela segunda.
A questão fundamental é se é ou não possível que o trabalho funcional acarrete uma mudança nos requisitos posturais, visto que a ordem inversa é de tal forma evidente que dispensa grandes "demonstrações". A actividade desportiva mexe, efectivamente, com o paradigma Função. E acredita que pode influenciar a qualidade de trabalho organísmico por meio dessa mesma modificação funcional. E todos sabemos, e nem é preciso ir buscar os milhares de estudos existentes, que a função treina a função, ou que o treino funcional acarreta modificações nas funções corpóreas. A questão não é tanto se isto é ou não verdade. A questão passa é pela legitimidade do treino funcional, visto que há a mínima possibilidade de determinadas formas de treino funcional (ex. treino de força por meio de pesos) acarretarem, não obstante os benefícios a curto prazo, malefícios a nível estrutural (o que significa um conjunto de malefícios no longo prazo)...
Nesta conversa existe, efectivamente, uma desigualdade de visão empírica, pois os estudos com controlo de variáveis específicas, realizados no respeitante a um curto prazo de tempo, são incomensuravelmente mais numerosos que aqueles que respeitam à Estrutura. Isto deve-se não só ao facto - já pressuposto - de que os últimos demoram muito mais tempo que os primeiros (dificultando, portanto, a sua realização, por motivos diversos), mas sim também ao facto de as variáveis estruturais serem quase sempre mais complexas e difíceis de avaliar/medir que as variáveis funcionais.
Daí, por todas estas e outras razões, é claro como água que paradigmas de intervenção estrutural têm de se socorrer mais da Teoria e do Conceito, baseado nimiamente em postulados ou axiomas, enquanto que os paradigmas de intervenção funcional podem defender-se mais com a "argumentação científica". Daí, por tudo isto, é, realmente, mais fácil provar que "a função faz o órgão" do que "o órgão faz a função". Mas, pergunto eu: não é absolutamente óbvio que a Estrutura determina a função? Que necessidade temos de provar, por exemplo, que o céu é azul, quando todos vemos, apesar de uma certa diferenciação psicologista interindividual, a mesma cor lá em cima?... Realmente há axiomas, e esses são tão reais que qualquer hipótese de subjectivismo/relativismo argumentativo não sobrevive à mera contemplação dita "sensata".
A própria medicina é, na sua grande amplitude, fundamentalmente baseada em axiomas, os quais são determinados pelo mero empirismo relacionado com a observação inquestionável de determinada realidade anátomo-funcional. E essa mesma axiomática médica tem permitido salvar a vida a tanta gente e melhorar a qualidade de vida de tantos transeuntes... Deixemo-nos, portanto, de falácias! Deixemo-nos de excesso de argumentação hipercientífica! Pois há "realidade" para além da visão redutora da ciência. Se tivermos também em conta que a investigação científica possui múltiplas fragilidades (incluindo tudo aquilo que pode ser visto como fraude), então já está na hora de se começar a relativizar essa história dos "estudos". Um estudo não passa de um estudo e somente os mais incautos (porque incultos) se deixam levar pela "falácia científica", acreditando na sua (inverosímil) inexorabilidade.
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