domingo, setembro 20, 2009

Saúde, políticas e economias

Numa altura em que o discurso político aparece francamente mediatizado, começo a interessar-me bastante pela filosofia política, território desconhecido de vários dos políticos "profissionais". E, no âmbito do dicurso político vigente, volto a preocupar-me com a questão da Fisioterapia e da forma como a mesma é mais ou menos valorizada pelo Serviço Nacional de Saúde. Posso dizer, desde já, que, na clínica onde trabalho, o CCR, a grande maioria dos doentes provém do Serviço Nacional de Saúde. Daí que as políticas referentes ao mesmo tenham franca importância para a minha actividade profissional. Aliás, poderei dizer que, se o Serviço Nacional de Saúde deixasse de existir para a Fisioterapia, cerca de duas dezenas de trabalhadores iriam certamente para o desemprego, eu incluído. Daí que, a determinada altura, dou por mim a esquecer o meu lado humanista, e começo a preocupar-me cada vez mais em agradar aos doentes que vêm dos subsistemas privados. Não que seja propriamente a favor da privatização compulsiva dos serviços de saúde... Mas sou a favor da manutenção do meu emprego! Portanto, a politização e a economização das vidas dos fisioterapeutas portugueses corresponde a um processo amplamente irreversível. Claro que muito poderia ser dito sobre a qualidade do SNS, sobre a utilização de um número infinito de credenciais, sobre a qualidade dos fisioterapeutas que trabalham em clínicas apinhadas de doentes... Mas, indubitavelmente, o futuro passa pela objectivação da qualidade do SNS, no seio do qual profissionais e serviços têm de ser repensados e reformulados, com vista à clarificação do Sistema e das suas potencialidades.
No próximo domingo será escolhido novo Governo. Confesso que estou cansado de ouvir sempre as mesmas palavras propaladas pelos mesmos políticos. A esquerda radical é viciada nas políticas de nacionalização, e a direita está obcecada com as privatizações... como sempre foi e continuará a ser. O país não sobreviveria a tal radicalismo. Daí que, sobrando o Centro, não posso deixar de concordar que Sócrates é o único homem capaz de moldar a imagem de uma forma que só um político talentoso consegue moldar. E, quanto mais avançam com as conversas das "escutas" e com outras obsessões do Jornal Público, jornal que, de dia para dia, caminha para a perdição, mais próximo me sinto do Eng. Sócrates. Quem me dera que o Governo deixasse de insistir na poupança dos recursos de saúde... Se existir um franco investimento na Fisioterapia, tenho a certeza que certas coisas podem mudar. E aí talvez possamos vir a conquistar novos públicos e novas facções... muito para além dos aparentemente "inúteis" idosos...

quarta-feira, setembro 09, 2009

O mundo das psicoterapias: essa grande cabala

(Texto escrito num espírito de descodificação da Realidade, com implicações para todo o mundo que temos vindo a explorar... dos paradigmas e do binómio Global vs. Analítico...).
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O texto que me proponho desenvolver é escrito por uma dupla identidade: eu, enquanto ex-doente de psicoterapia e eu, enquanto profissional de saúde, nomeadamente fisioterapeuta. Proponho uma reflexão urgente relativamente ao mundo das terapias ditas psicológicas, principalmente as de cariz psicodinâmico, as quais se têm multiplicado e globalizado neste nosso mundo crescentemente neurótico. E irei apresentar a minha defesa de que este mesmo recurso – a psicoterapia – baseia-se numa perigosa sofística, alicerçando a sua intervenção num modelo essencialmente acientífico e globalmente antitético.
Desde sempre que apresentei certos sintomas neuróticos que, mais tarde, e apesar da grande complexidade de qualquer acto de diagnóstico médico, iriam ser identificados como uma perturbação obsessivo-compulsiva. Eu mesmo, enquanto estudante de Fisioterapia fascinado pelas cadeiras curriculares de psicologia e psicopatologia, viria lentamente a aperceber-me do meu diagnóstico, segundo os padrões do manual de diagnóstico das perturbações mentais DSM-IV. Numa altura em que sofria de grandes obsessões, no formato de pensamentos ruminativos constantes e bastante pregnantes, resolvi recorrer a um psiquiatra, que, na altura, desconhecia ser igualmente psicanalista. Logo na primeira sessão que tive com este profissional, dei de caras com alguém que tinha uma poderosa gíria psicodinâmica e valorizava muito os aspectos relativos aos meus pais e à minha namorada (da altura). E foi nessa mesma primeira sessão que o mesmo profissional sugeriu que tanto a minha relação com a minha mãe como a relação com a minha namorada eram relações de conflito edipiano, dadas a um complexo de castração, do qual sofria. Tudo isso seria o barco no qual navegaria nos próximos tempos... As minhas obsessões estariam ligadas a um conflito existente entre a ansiedade de castração e a ansiedade de separação.
Não posso negar que acabei por ser contagiado por todo este manancial teorético de psicanálise e psicodinâmica. De tal forma que li incontáveis livros sobre o assunto e cheguei a fazer um ano de curso de Psicologia, assim como estudos pós-graduados na mesma área. Ora, foi nessa mesma altura, em que acumulei certos conhecimentos sobre psicologia e psicoterapia, que me apercebi que a psicanálise era apenas uma entre vários tipos de psicoterapias, havendo também terapias de segunda geração (como a terapia cognitivo-comportamental) e terapias de terceira geração.
Importa referir que, entre tantas e tantas sessões de psicoterapia analítica, as minhas obsessões nunca melhoraram significativamente. Mas, um pouco porque o psicanalista possuía um certo carácter persuasivo, lá fui continuando a fazer a minha terapia semanal (na verdade, continuei durante anos a fio). E nunca, em todo o processo o terapeuta valorizou a administração de certos medicamentos, nem mesmo quando tinha crises de obsessões e pânicos que me levavam a reflectir na solução suicida. Lembro-me que, em determinada altura, resolvi procurar uma terapeuta cognitivo-comportamental, a qual possuía portanto uma orientação psicoterapêutica diferente da psicanálise. Segundo ela, não sofria de qualquer complexo de castração, mas tinha um Eu patológico que tinha de ser “descartado” por meio da racionalização e do stop-thinking. No momento em que contei tal coisa ao meu psicanalista ele zangou-se e colocou-me entre a espada e a parede: ou ele (que não fazia separação entre o Eu normal e o Eu patológico) ou a psicóloga cognitivo-comportamental.
Fui eu mesmo que, sozinho, através das minhas pesquisas à Medline, descobri que havia medicamentos, como a clomipramina, que podiam ser mais adaptáveis à minha perturbação. Sugeri-o ao psiquiatra/psicanalista, o qual, apesar de ter passado a medicação, disse sempre que as minhas obsessões só poderiam desaparecer quando o meu conflito edipiano tivesse sido resolvido.
Houve alturas em que visitei outros psicólogos, alguns até me “venderam” as terapias de terceira geração. Mas todos os psicoterapeutas que visitava impunham-me o seu modelo, a sua arte como única e suma na resolução da minha vida. Não houve ninguém, a não ser um outro psiquiatra que viria a descobrir, que valorizasse a minha própria autonomia e o conjunto das verdades que perfazem a minha vida e a minha identidade.
À custa das teorias do meu psicanalista, fiz anos de terapia, muitas vezes sem estar medicado (pois a psicanálise seria a verdadeira panaceia!...), apesar dos queixumes dos meus pensamentos obsessivos. Somente com a administração da clomipramina acabei por libertar-me da grande percentagem dos meus sintomas, coisa com que o psicanalista não concordava de todo.
Ao final de anos de psicoterapias, concluo que não houve praticamente um momento em que a minha liberdade tivesse sido respeitada. Pois, afinal de contas, nunca pedi que a minha vida fosse mudada, somente não queria ter os sintomas neuróticos. Os medicamentos permitem-me isso e não questionam as minhas relações pessoais. É talvez necessário dizer que, entre muitas outras coisas, o psicanalista era contra a minha relação com certas pessoas, era contra certos gostos meus, para além de considerar a homossexualidade uma bizarria, as mulheres inferiores à realidade masculina, e o mundo dos fármacos como uma conspiração das indústrias.
Pergunto-me: no meio de tantas teorias, no meio de tantos paradigmas de trabalho psicoterapêutico, onde reside a objectividade, onde reside a cientificidade que justifique os doentes gastarem rios de dinheiro com a psicoterapia? Acredito que, muitas vezes, as pessoas melhoram meramente porque estabeleceram relações fusionais “protectivas” com os terapeutas (coisa que seria precisamente o lado a combater, na lógica da psicanálise), não devido à própria terapia.
Enquanto fisioterapeuta que sou, também reconheço a existência de paradigmas e modelos de intervenção no seio da Fisioterapia, mas reconheço ainda mais que a grande escolha do modelo a seguir reside nos resultados que são obtidos junto do doente. E para além disso, tentamos, na Fisioterapia, seguir, tratamentos que estejam adequadamente traduzidos numa linguagem científica e popperianamente “falsificável”.
Como fisioterapeuta de reeducação postural que sou não deixo (contudo) de questionar aqueles terapeutas que prometem corrigir grandes deformidades, e todos aqueles que desvalorizam a utilização de terapias centradas nos sintomas. É que, pela minha experiência, compreendo cada vez mais que a mudança estrutural, seja corpórea ou seja personalística, não ocorre de um dia para o outro, se é que chega mesmo a ocorrer verdadeiramente.
O controlo que certos profissionais de saúde assumem relativamente aos seus doentes ou “analisandos” é totalmente inaceitável, sendo absolutamente antitético contrariar o princípio bioético da autonomia, o qual aparece consagrado nos cânones basilares da Organização Mundial de Saúde. Aliás, já em tempos, um autor, Michel Foucault, viria a reflectir as relações entre o profissional de saúde e o doente como relações de poder, tendo dado uma nova interpretação – historicista – dos confins da “loucura” e daquele movimento que viria a ser conhecido como “anti-psiquiatria”.
Considero que a actuação do meu psicanalista, ao denegar a importância dos medicamentos para o tratamento da minha “neurose obsessiva”, foi uma forma de negligência. Assim como a tentativa de certos psicanalistas de tornarem um homossexual heterossexual, ou a tentativa de certos psicoterapeutas de intervencionarem na vida pessoal dos doentes, constitui uma forma de interferência inaceitável. Mais tarde, um outro psiquiatra viria a corroborar esta minha visão, não entendendo a atitude fanática de certos terapeutas alérgicos a uma visão mais sincrética, sintética e/ou ecléctica.
Considero, portanto, que por advogarem tantas “verdades” não científicas, e pelo grau de interferência que consubstanciam na vida dos doentes, o mundo das psicoterapias ancora numa forma de perigoso relativismo, colocando os próprios doentes em risco. Aliás, já na primeira metade do século XX, Karl Popper viria a criticar severamente a existência de certas pseudo-ciências, como a psicanálise ou a psicologia pessoal de Adler, alegando que, por tudo explicarem e por não definirem um objecto de testabilidade, certas psicoterapias roçavam os limites do desenvolvimento pré-científico, não respeitando os critérios da constituição de uma ciência adequadamente falsificável. Por outro lado, mediante certas “desculpas” de que as ciências humanas não podem ser vistas segundo os modelos das ciências exactas, e de que a personalidade humana não pode nunca ser entendida de uma forma totalmente científica – segundo o modelo de ciência moderna – tem sido permitida a emergência de um certo relativismo, actualmente mecanizado pelo pós-modernismo, o qual consubstancia o “estudo de caso” e o método idiográfico enquanto métodos “científicos”, quando, no fundo, permitem o mesmo grau de “seriedade” que vemos na astrologia ou nos livros de auto-ajuda.
A assunção de metodologias “pós-modernas” e a emergência da respeitabilidade histórica atribuída à psicanálise têm permitido um certo exercício de poder por parte dos psicanalistas, os quais se comportam como “donos da (sua) Verdade”, interferindo e manietando as vidas dos doentes de formas potencialmente danosas e eventualmente fatais. Para mim, já não faz sentido o modelo do “expert”, que exerce um certo domínio sobre o doente, fazendo interpretações “livres” dos seus comportamentos, e toldando certas decisões que só ao doente dizem respeito. O profissional de saúde, médico ou terapeuta, não é o verdadeiro decisor no processo clínico do doente. O doente é que é o verdadeiro decisor da sua saúde. Daí o conceito de “empowerment”! Cabe ao profissional de saúde aconselhar e orientar, com respeito absoluto e inegável pelo livre arbítrio do doente/cliente. Penso que os psicoterapeutas não respeitam, na sua generalidade, essa mesma liberdade individual, que um certo existencialismo sartriano tantas vezes defendeu.
Fica o meu manifesto e a urgência de atribuir aos doentes os instrumentos da sua livre perfectibilidade.