Decorridos cerca de dois meses após a primeira greve dos enfermeiros do ano corrente, eis que uma nova greve dos mesmos profissionais se realiza, desta vez por vários dias consecutivos. Tentemos, de uma forma justa, apontar alguns aspectos positivos, assim como negativos, relativos a esta importante manifestação de profissionais de saúde não médicos.
Penso que é inegável, e ninguém tem dúvidas disso, que os diversos profissionais de saúde não médicos possuem uma importância crescentemente relevante para os diversos tipos de cuidados. De igual maneira, a formação destes profissionais é também crescentemente – senão exponencialmente – mais estrídula, à semelhança do seu grau de responsabilidade e de proficuidade laboral. Na realidade, os diversos profissionais de saúde (falo enquanto fisioterapeuta que sou) sabem que tanto a exigência da formação como a exigência da própria actividade laboral são cada vez maiores, questionando-nos muitas vezes se tanto esforço valerá mesmo a pena... E a tal facto poderemos decerto acrescentar que é certo que muitos médicos, ao contrário do que pode ser pensado, se dedicam mais tempo a papeis e burocracias do que aos próprios doentes (com muitas óbvias excepções...).
Os argumentos apresentados, acrescentados à necessária credibilização das várias profissões de saúde não médicas – incluindo tecnologias de saúde e também profissões menos reconhecidas no âmbito legal –, tornada justa por uma formação de licenciatura do mais alto grau de exigência, tornam as greves dos enfermeiros justas, assim como coerentes.
Por outro lado, todos nós, profissionais de saúde não médicos, sabemos que é apanágio do nosso “inconsciente colectivo” o desejo de uma autonomia, senão de um poder, que nos igualize, de certo modo, ao Sr. Dr. E, na nossa sociedade, não faltam terapeutas e profissionais de medicinas não convencionais que se auto-intitulam de Senhor Doutor ou Senhor Professor. Ora, a realidade é que a natureza da actividade de enfermeiro tem, apesar da inegável qualidade técnico-científica matricial, pouco a ver com uma actividade que se possa apelidar de “intelectual” (numa gíria dita marxista). Os enfermeiros têm feito tudo para que as suas actividades se “intelectualizem”. Até os compreendo!... Mas, na realidade, ao evitarem lavar rabinhos aos idosos e mudar as fraldas aos incontinentes, os enfermeiros começaram, há muito, a escavar a sua própria sepultura; o novo paradigma da actividade de enfermeiro está a fazer com que esta profissão seja substituída por outros profissionais de menor formação. Ora, acredito que as novas exigências remuneratórias dos enfermeiros, apesar de aparentemente justas, constituirão mais um factor de destruição da imagem do enfermeiro enquanto profissional de apoio directo ao paciente. Um enfermeiro encarecido torna-se menos necessário. E – mais – um enfermeiro intelectualizado tende a fugir cada vez mais às tarefas de enfermagem, para se aproximar cada vez mais das tarefas de gestão e de controlo.
Acredito que os enfermeiros devam ser respeitados de outras maneiras que não o aumento salarial directo. Este só poderá fazer com que os enfermeiros se tornem mais “dispensáveis”, para além de dificultar a entrada de novos enfermeiros nos serviços, e de poder ter consequências deletérias para os custos do Serviço Nacional de Saúde.
Considero a actual remuneração dos enfermeiros justa (aliás, os profissionais das tecnologias de saúde, igualmente licenciados, recebem menos que os enfermeiros). E considero que, perante o clima económico emergente do nosso país, nem os enfermeiros, nem quaisquer outros profissionais de saúde devam, neste momento, efectuar greves do tipo da realizada.
No seu tempo, mediante a facilitação e flexibilização do horário de trabalho, da promoção e financiamento das formações profissionais, avançadas e pós-graduadas e da premiação da assiduidade, os enfermeiros poderão e deverão vir a conhecer outras formas de serem mais justamente pagos pelo seu (real) trabalho. Ou seja, acredito que tanto os enfermeiros, como os diversos profissionais de saúde médicos ou não médicos, devem ser pagos em função de um processo de “promoção”, o qual poderia funcionar segundo um esquema avaliativo semelhante àquele que está a ser pensado para os professores. Ou seja, centremos os ganhos mais na produtividade e tratamento com vista à humanização, e menos nas formações académicas de base.