Os profissionais de saúde, nos raros momentos em que discutem os modelos de saúde e doença, e dos paradigmas de intervenção médica versus bio-psico-social (por que se regem), nem se apercebem de que estão, na realidade, a perpassar pelo seio mais íntimo de uma certa tradição filosófica denominada pós-modernismo; nomeadamente, falamos da tradição desse controverso filósofo que foi Michel Foucault (1926-1984).
Pois é certo que, ao longo de anos, o modelo de intervenção médica foi denunciando um conjunto de práticas, ora pré-científicas, ora científicas, que abjuravam o domínio do doente relativamente à sua própria máquina carnal e biomecânica... E foi Foucault quem contribuiu para o estudo dessa redução do “concreto” ao “histórico” e ao “social”...
Continuando, ainda actualmente, na mesma sociedade onde se discute o valor da autonomia, assaz reencontrada com um modelo de saúde veiculado pela presunção da liberdade mais basilar do ser humano e conformado às novas exigências de uma bioética emergente e de um suposto modelo holístico inclusivo de uma coerência profissional transdisciplinar, se verificam diariamente situações em que a decisão do doente é forçosamente “igualada” à decisão do médico ou outro profissional de saúde.
Inicialmente, em várias das suas obras, como “A história da loucura na idade clássica” (1961) ou “A história da sexualidade” (1976 e 1984), Foucault traça, enquanto verdadeiro historicista, um retrato das diferentes formas como o corpo, na sua dimensão sexual, e na sua dimensão patológica, era visto e concebido, assim como manuseado e tratado. A visão de Foucault, enquanto verdadeira visão historicista, concebe a história do corpo e da patologia enquanto conjunto de artefactos, modelados não por um quadro específico de valores relativamente estanques e invariantes, mas por um quadro de valores e práticas assaz cambiantes dos diferentes contextos temporais e socioculturais.
Mas, como já vimos, as diferentes “epistemis” não se resumem a um “modelo” histórico-social, sendo que, independentemente do tempo a que aludimos, as relações profissional de saúde – doente podem, de facto, ser perspectivadas numa ontologia diferente desse suposto “racionalista” raciocínio médico. Não é – e não o vemos todos os dias – real que a medicina que é diariamente praticada depende enormemente duma mera questão de relações (de poder) que se estabelecem entre o médico e o doente? Quantas vezes o diagnóstico médico não depende unicamente da perspectiva e necessidades de um profissional que trata o doente como um objecto de pertença, ignorando que o doente-utente-cidadão é um fim em si?...
Relativamente à “interpretação da patologia” e das já citadas “relações de poder”, Foucault começou por analisar sobretudo a forma como foi interpretado o fenómeno da doença mental e, bastante mais tarde, acabou a falar do “poder psiquiátrico”, e da forma como, em certo tempo, a institucionalização e a patologização serviam as pretensões de um certo poder.
Enquanto fisioterapeuta que sou, reconheço a relevância que o estudo de Foucault tem para a compreensão de qualquer profissão de saúde, tanto no domínio sociológico, como no domínio clínico. Quantos desses enfermeiros e fisioterapeutas licenciados – ou mesmo médicos catedráticos – saberão discutir a filosofia de Foucault?...
1 comentário:
Gostei bastante da tua reflexão!
Tal como tu, sou fisioterapeuta e trabalho com Pilates em classes e individualmente. Óbvio que há distintos pareceres. O que mais destaco relativamente a este tipo de trabalho é que o individual é mais perfeccionista e objectivo, enquanto que o trabalho em classes pode ser mais motivador e dinâmico.
Concordo com a perspectiva do fitness "versus" ou "mais" fisioterapia. Eu optaria por associar fisioterapia às modalidades de baixo impacto.
Temos que nos voltar para a evolução, prevenindo a regressão do ser humano enquanto ser bípede.
Continua com estas publicações!!!
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