segunda-feira, dezembro 13, 2010

O fim da economia e o primeiro homem

No último texto que aqui publiquei, criei uma associação, que de qualquer modo não deixa margem para grandes dúvidas, entre a ciência económica e o neoliberalismo. Mesmo sem ser grande apoiante do capitalismo liberal, reconheço que a ciência de Adam Smith, David Ricardo ou Thomas Malthus se revê com precisão verdadeiramente falsificável (e verosimilhança de metodologia) no neoliberalismo da escola de Chicago; o mesmo que, segundo o autor de “O caminho para a servidão” (Hayek, 1944), esboça o verdadeiro caminho para a democracia. É, de resto, maioritariamente aceite, segundo uma certa ciência clássica e utilitarista, que a ciência económica consubstancia o caminho necessário da teoria política, visão tornada flagrantemente reiterada por tudo e por todos, principalmente desde que uma certa eloquência anticomunista considerou o socialismo morto com a queda da União Soviética nos anos 80 do século passado.
É certo que o socialismo tem mais a ver com política do que com economia. E também é certo que, mais do que um caminho que pretende o desenvolvimento económico-financeiro, o socialismo tem sobretudo a aspiração a uma forma de Bem que poucos compreendem. De certo modo, o socialismo tem pouco a ver com ciência económica, mas é precisamente aí que reside o grande erro atitudinal relativamente à teoria socialista: é que, apesar do trabalho de Marx, principalmente em “O Capital”, incluir uma poderosa análise económica, segundo (como sabemos) os padrões hegelianos do materialismo histórico, o socialismo é mais uma teoria da consciencialização histórica e da revolução do bem-estar global do que uma teoria que se pretende científica. Claro que o próprio Marx pretendia que o socialismo era “científico”, mas, segundo o que já temos dito aqui sobre a temática epistemológica, e à visão de uma filosofia contemporânea do pragmatismo, o socialismo só poderá ser considerado científico se enquadrado na dimensão de uma ciência “pós-moderna”.
Um pouco mais próximo de uma visão científica tradicional, mas sem possuir o mesmo grau de rigor metodológico que o neoliberalismo, o capitalismo keynesiano enquadra-se numa espécie de meio-termo entre o Socialismo e o Capitalismo (daí a relevância do termo “economia mista”, cujas “diatribes” históricas são analisadas por Paul Mattick na obra “Marx and Keynes”, 1955). Mas desenganem-se os socialistas, pois Keynes era um conservador e era um verdadeiro capitalista. O seu “socialismo” não deixa de ser um “socialismo de mercado”. Aliás, como pode ser lido nas obras de Tony Judt (principalmente no recente “Tratado sobre os nossos actuais descontentamentos”, 2010, Edições 70), o próprio conceito de Estado-providência foi criado por conservadores. E diga-se em boa verdade que tanto o keynesianismo como a teoria da “social-democracia” (que, como sabemos, propugna a importância do Estado-providência) surgem historicamente ligados a uma reacção às crises provocadas pela banca e pelos excessos dos grandes grupos económicos afectos ao neoliberalismo mais radical.
Sabemos que a crise actual tem propiciado reacções de todos os tipos. Os neoliberais dizem que o mercado tem capacidade de auto-regulação. Os comunistas dizem que afinal a utopia socialista nunca esteve tão perto. E os proponentes da social-democracia continuam a achar que a crise actual não é uma crise do Estado-providência. (E, na verdade, a meu ver, não é mesmo uma crise do Estado-providência, pois o défice - e a falta de recursos - advém mais dos excessos de Governos incompetentes e corruptos do que propriamente da própria “falência” do Estado-providência, requerendo-se, portanto, uma maior competência na gestão e na liderança, incluindo a consumação de um Orçamento que não seja feito ao jeito dos grandes interesses económicos).
Falemos do socialismo radical ou do socialismo de mercado, contrariando um certo tipo de desenvolvimento económico-financeiro radicado na teoria do “livre-arbítrio” e numa certa propensão de animalidade egotista e competitiva, a esquerda continua a ser o único lado que consubstancia o ser humano como falível e objecto de um certo determinismo epigenético e sócio-cultural (é aqui que reside o erro da “meritocracia” neoliberal, pois esta esquece que as capacidades de cada um reproduzem as desigualdades sociais previamente existentes; de certo modo o neoliberalismo pressupõe a perpetuação das mesmas desigualdades que enformam a sociedade de classes).
Mesmo não constituindo uma ciência no sentido tradicional, e estando mais próximo da teoria política do que da ciência económica propriamente dita (subentendendo uma “epistemis-processos” a destronar uma “epistemis-produto”), o advento do socialismo é determinante no sentido ético e humanístico, detendo como mensagem principal que “os meios são mais importantes que os fins”. Se isto dá ao socialismo o estatuto de uma “sociologia pós-moderna” (passe-se o potencial pleonasmo!...) pouco rigorosa e muito criticável, então prefiro correr o risco de me aglutinar com a realidade real, dando a primazia ao ser humano na sua globalidade psicossocial e trans-histórica.

Sem comentários: