O final do séc. XVIII e o início do séc. XIX reconhecem-se, sabidamente, no nascimento daquilo que, no plano do tempo corrente, apelidamos de «modernidade», referência «conceptual» que localiza o nascimento do capitalismo liberal e a afirmação da burguesia, num contexto de industrialização massiva crescente. Esta industrialização expansiva é acompanhada, no sentido duplamente causal e consequente, da afirmação incomparável da ciência, radicando esta não só na componente técnica determinante, mas também na assunção de um novo modelo (epistemológico) de prática científica - positivista, determinista e mecanicista -, o qual, correspondente ao modelo de ciência «clássica» que tradicionalmente concebemos como «ciências físicas/naturais/exactas», ainda vigora dominantemente no presente.
No contexto «modernista», a ciência perde a sua função de descrição «ingénua» da realidade e passa a mover-se progressivamente em função da mera criação e aprimoração de tecnologias, as quais são postas ao serviço do novo modelo económico (capitalista) que, com base no paradigma positivista recentemente afirmado, se vai reconhecendo como «científico». Para além disso, um novo espírito «público» de «comportamento egoísta» desperta como consequência lógica da recente valorização do «livre-arbítrio» social e económico. Obviamente é impossível separar a «nova ciência» e o «novo espírito» da percepção, por parte dos cidadãos, de novas necessidades comerciais e financeiras interpretadas alienadamente como indispensáveis.
O surgimento deste novo espírito de egoísmo/individualismo não deixa, no entanto, de ser conceptualmente objectado pela filosofia de homens que podemos considerar como precursores do «pós-modernismo», modelo que propõe contrariar o modernismo capitalista e o paradigma científico positivista já descritos. Alguns desses homens são referidos na importante obra do filósofo Jürgen Habermas, «O discurso filosófico da modernidade» (1985), sendo de destacar Hegel, Marx e outros hegelianos como vários filósofos (pós)marxistas ou até alguns existencialistas, e também Nietzsche, Heidegger, Derrida, Bataille e Foucault.
Entre eles, Marx é, talvez, curiosamente, o menos significante na construção do espírito «pós-moderno», visto o seu «Socialismo científico» ser interpretado pelo próprio como «materialista», paralelo ao modelo clássico positivista, apesar de um pouco menos mecanicista que este último. Por outro lado, a filosofia (pós)marxista que «prolonga» a teoria marxiana, sobretudo a da escola de Frankfurt, possui uma significância capital.
Homens como Herbert Marcuse, Max Horkheimer e Theodor Adorno, e o próprio Habermas (todos eles filósofos que abarcam sobretudo a segunda metade do séc. XX), contribuem para a concepção do domínio afirmativo do paradigma «pós-moderno», na medida em que, reconhecendo a ciência no seu papel de produtora das tecnologias que sustentam a indústria e substituem a mão de obra («conluio» ou «conspiração» que pode inclusive levar a que certas necessidades políticas protagonizem as prioridades da investigação e a orientação das expectativas dos cientistas), realçam um lado mais subjectivo e menos isento da actividade científica.
Essa dimensão «subjectivista» da ciência constitui um dos grandes motes do pós-modernismo, não sendo, portanto, de espantar que o novo paradigma epistemológico, que visa um conhecimento da realidade mais «compreensivo» e menos «positivo»/«determinista», possua, tal como o Socialismo, uma visão pragmática com enfoque na construção de uma (nova) sociedade regida por Valores.
Publicado no jornal 'Avante!', 12/05/2011
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