Relativamente ao atentado à
"liberdade de Imprensa" em Paris, houve quem criasse o (Princípio do)
contraditório relativamente às reacções de solidariedade para com o Jornal
"Charlie Hebdo", coisa que inflamou novas reacções, agora para com
estes mesmos "relativizadores" da (origem da) dor por tantos
partilhada. Por ser igualmente um relativizador (se bem que não um dos autores
referidos atrás), gostaria de esboçar rapidamente o conteúdo possível desse
mesmo "contraditório".
A liberdade, móvel ilusório do ser humano, é um Princípio norteador de
todas as nossas acções e, dentro dela, a liberdade de Opinião tem sido encarada
como Valor inquestionável e inquebrantável. Ainda assim, obviamente que toda a
liberdade se pretende "responsável" e, do mesmo modo como aceitamos
aprioristicamente o Valor da Liberdade, aceitamos também o Valor apriorístico
da Responsabilidade para com as opiniões, próprias e alheias, incluindo as
consequências do azedume que as opiniões pessoais possam fazer criar no outro. De
igual modo, a Liberdade de Imprensa convoca comummente um conjunto de
Princípios de "bom-senso", sem os quais o mais inadmissível seria
igualmente valorizado e publicado. Por vezes, o objecto de uma crítica faz
recrutar em nós, autores (e é como autor que escrevo esta opinião), a
necessidade de criar alguma dissidência, de provocar o riso ou o
"grito" nos que considerarmos moral ou paradigmaticamente
anquilosados. E é essa necessidade "criadora" que leva muitas vezes a
escrever ou a "desenhar" qualquer coisa que, pelo conteúdo, se pode
considerar como estando "no fio da navalha" entre o aceitável e o
inconsequente. E é aí que regressa a questão da responsabilidade. É que o
exercício da liberdade de opinião implica a capacidade de assumir um risco.
Resta saber, claro, se as consequências se justificam perante a liberdade
preconizada...
Obviamente, para todos nós que
aceitamos o Valor prévio da Liberdade de Opinião, é praticamente inaceitável
que os conteúdos publicados pelo "Charlie Hebdo" possam ou devam
justificar a consequência por todos conhecida. No entanto, é provável que o
grau de ofensa dos conteúdos do citado jornal seja bem maior para estes
islâmicos extremistas, para os quais esta resposta "terrorista" é
certamente justificada (passe-se a questão da relatividade, na verdade
infantilidade, do binómio "bem" vs.
"mal"). Para eles será tão "normal" esta resposta como para
"nós" (supostamente, os ocidentais) é "normal" chorar o
mesmo acto (e para outros "nós" é "normal" fazer o mesmo
aos islâmicos, sendo que muitos já reagem com o intuito de tomarem o Todo pela
parte, com a intenção "bem humana" de vingarem o terror, recriando
novo terror, e descendo assim ao nível dos que se pretendem do lado do
"mal").
Penso que alguns dos que
"culpam" os autores dos Cartoons do ocorrido não estão a sugerir nada
para além do que eu próprio sugiro (?). Não acredito que os estejam
verdadeiramente a culpar, mesmo assumindo que lhes imputam o "desrespeito"
pela religião alheia. Não acredito que os acusem do ocorrido, mas tão-somente
de eventual "mau-gosto" (decerto eu, que, num dos meus livros, acuso
Deus, bem como o seu filho, de possuir uma insuficiência fálica, também devo
ter algum "mau gosto"...). Ninguém coloca em questão a existência de
uma Escala de Valores. Ninguém achará decerto razoável que o exercício de uma
liberdade, mesmo que com potencial "desrespeito", possa ter como
consequência algo que seja mais "destrutivo" do que a acção original.
Do mesmo modo, eu, que comummente digo e pratico heresias, provavelmente não
faria as coisas de outro modo, não deixaria de escrever, e fá-lo-ia com a
consciência das reacções. E, obviamente, não esperaria ser ferido ou morto por
tal coisa, porque o acto de uma liberdade opinativa e dissidente não tem, aos meus/nossos
olhos, a mesma carga pejorativa que tem um acto de morte ou terrorismo; verdade
que, aparentemente, não o é para alguns islâmicos mais extremistas, para os
quais a ofensa dos seus Dogmas é imperdoável. E os seus dogmas são axiais e
inquebrantáveis, como o nosso Dogma da Liberdade de Imprensa e de Opinião.