Sim, é um facto! Chegámos ao ponto mais negro da nossa profissão. Na clínica Moifisa, onde trabalhou uma grande amiga minha e excelente fisioterapeuta durante uns anos, despediu a sua fisioterapeuta quando a coisa "não estava a render" (parece que tratar dez doentes à hora não era suficiente) e, agora, colocaram uma nova fisioterapeuta a cinco euros à hora. Era mesmo eu que iria trabalhar por tal quantia... Por cinco euros à hora, prefiro lavar escadas (aliás, receberia mais do que isso...)! Não há dúvidas de que os fisioterapeutas são os principais culpados de todos estes acontecimentos. Mais do que o fisiatra da respectiva clínica, o qual paga esta riqueza à funcionária, a culpa maior é mesmo da própria profissional que desceu ao ponto a que desceu. E parece que no Norte andam a entregar currículos nos quais o terapeuta refere que quer trabalhar e que não se importa de receber menos do que o terapeuta que lá trabalha... Não há mesmo dúvidas nenhumas: os fisioterapeutas são mesmo leais e moralmente íntegros! Já nem a Vergonha é suficiente... A propósito... ouvi dizer que cinco euros à hora é também o que um terapeuta ganha na Global Fisio. E é isto o que pagam numa empresa gerida pelo Sr. Dr. Luís Marques, fisioterapeuta de grande "dote ético" o qual advoga que, na sua empresa, "ser bom não é suficiente" (sic). Sim senhor! Se acrescentarmos à nossa profissão os "ricos" fisioterapeutas que aparecem nos concursos de televisão a fazerem "lindas figuras" culturais (como o que ontem apareceu no concurso "Sabe mais do que um miúdo de dez anos?" - aliás, concurso já por si estúpido e estupidificante), então posso dizer que a nossa profissão atingiu o Nirvana da excelência...
sábado, outubro 27, 2007
quinta-feira, outubro 11, 2007
O mobbing ou o assédio moral no trabalho
«Nas sociedades do nosso mundo ocidental altamente industrializado, o posto de trabalho constitui o último campo de batalha em que uma pessoa pode matar a outra sem nenhum risco de chegar às barras de um tribunal» (Heinz Leymann)
Grassa por esse mundo fora um conjunto copioso de formas diversas de agressão, do tipo psicológica e/ou moral, sendo que os mesmos fenómenos não têm sido suficientemente atendidos na sua importância na sociedade contemporânea. Mas é bem verdade que existe nas instituições modernas, em particular nas organizações portuguesas, o registo de um fenómeno social a que Hirigoyen deu o nome de “assédio moral”. Ora, é certo que o “assédio moral” tem sido traduzido por um conjunto de artefactos de “terrorismo psicológico”, constantes em diversos contextos, conhecidos por bullying nas organizações escolares e por mobbing nas organizações laborais. Se é certo que ambos os fenómenos são comuns, é preciso atender a que existe uma desigualdade no tipo de estudo dos mesmos, sendo que, se o bullying está particularmente visado por uma certa “tendência modal de estudos”, o mobbing continua a constituir uma temática praticamente “não estudada” em Portugal.
O termo mobbing foi introduzido na literatura, nos anos 80, por Heinz Leymann, psicólogo de origem alemã a viver na Suécia, para descrever formas severas de assédio nas organizações. Para Leymann, o mobbing consiste em actuações hostis frequentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente a mesma pessoa (a “vítima”). Segundo ele, o mobbing tem origem num conflito que degenera. Analisa-o como uma forma particularmente grave de stresse psicossocial.
O mobbing consiste, portanto, numa forma de agressão ou terrorismo, de natureza psicológica e/ou psicossocial, que é realizada no contexto de trabalho, por parte da entidade patronal (referente ao denominado “assédio vertical descendente”, segundo Hirigoyen), por colegas (“assédio horizontal”, segundo Hirigoyen) ou por um subordinado (“assédio ascendente”, segundo Hirigoyen).
É de referir as investigações clássicas de Leymann na Suécia e de Hirigoyen na França. Leymann estabeleceu que 3,5% dos assalariados suecos eram vítimas de assédio, tendo também estimado que 15% dos suicídios eram devidos a mobbing. O autor, o qual divulgou os seus dados na obra “Mobbing, la persécution au travail” (1996, Seuil), introduziu a seguinte definição conceptual de mobbing: “acções repetidas e repreensíveis, ou nitidamente negativas, dirigidas contra os empregados de uma maneira ofensiva e que podem conduzir ao seu afastamento da comunidade local de trabalho.” Já Hirigoyen divulgou os dados de um grande inquérito realizado em França na obra “Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux” (1998, Syros) (traduzido para português para “O assédio moral no trabalho. Como distinguir a verdade”, Edições Pergaminho): 29% de casos entre os 36 e os 45 anos, 43% entre os 46 e os 55 anos, e 19% após os 56 anos; 70% de mulheres vítimas para 30% de homens vítimas; em 58% dos casos, o assédio provinha da hierarquia; na maioria dos casos, o fenómeno originou a “baixa compulsiva”, tendo acabado em afastamento do local de trabalho (36% dos casos) ou despedimento (20%). Os grandes sectores de assédio moral são a “gestão, contabilidade, funções administrativas” (26%), a “saúde” (9%) e o “ensino” (9%).
O mobbing (Leymann) ou “assédio moral no trabalho” (Hirigoyen) é, portanto, um fenómeno de grande expressividade e não choca se for afirmado que o mesmo é bastante comum em Portugal, em particular nas grandes empresas e no contexto da saúde. Enquanto fisioterapeuta que sou, tenho assistido a muitas manifestações de mobbing na minha vida laboral, tanto no respeitante a terapeutas como no respeitante a enfermeiros, por parte de médicos e superiores hierárquicos.
Não posso esquecer o meu percurso de somente quatro meses de trabalho no Hospital Cuf Infante Santo. No serviço de Fisioterapia do respectivo hospital, as terapeutas coordenadoras sujeitavam os terapeutas trabalhadores a um tratamento verdadeiramente “patológico”, sendo que éramos vítimas de um trato animalesco, para além da total ausência de regras de deontologia profissional. Os doentes vinham para os terapeutas, passando pelas “chefes”, extremamente indispostos, tal era o tratamento recebido. Mas não tinham melhor tratamento por parte dos “súbditos”, pois estes viviam num constante ambiente de stresse e humilhação. Vi muitas vezes a minha “chefe” a desautorizar profissionais à frente dos doentes, em assuntos de carácter não laboral mas sim de ordem técnico-científica. Mais tarde, quando me insurgi contra o controlo provocado por uma terapeuta “mais velha”, fui chamado à atenção; nessa “chamada” foi-me dito que, enquanto profissional mais novo, devia respeito aos mais velhos, sendo que estes últimos “tinham mais direitos, por estarem há mais tempo na instituição”. Fui desconsiderado, tendo sido inclusive objecto da “mentira” e da “afronta”. O trato a que tive “direito” teve repercussões psíquicas tardias, tendo inevitavelmente atingido a minha auto-estima.
A vergonha e a humilhação a que tantos profissionais são sujeitos levam a que exista uma sensação de “perda do sentido”, e até mesmo à desvitalização psíquica, à “dissonância cognitiva” (Festinger), à angústia momentânea e à depressão crónica. O “assédio moral” no trabalho predomina no mercado português, atingindo muito particularmente os jovens licenciados, os mesmos que tanto lutaram nas Universidades para acabarem os seus cursos e agora labutam no “caminho da pedra” (na realidade laboral tão distante da realidade teorética que se apregoa nos cursos superiores...), no contexto do trabalho precário e num ambiente em que predomina a obrigatoriedade da “negação do Eu” identitário (Arno Gruen), transformados em “meros trabalhadores substituíveis” sem importância moral e fragrância científica.
O “assédio moral no trabalho” atinge tantos trabalhadores!... Mas a resposta dos mesmos labuta em silêncio. Temos, claro, a resposta mais global do subdesenvolvimento das empresas nacionais, nas quais qualquer tentativa de se ser “o melhor”, de se “ser criativo”, acaba por esbarrar na inveja e no tratamento aversivo.
Grassa por esse mundo fora um conjunto copioso de formas diversas de agressão, do tipo psicológica e/ou moral, sendo que os mesmos fenómenos não têm sido suficientemente atendidos na sua importância na sociedade contemporânea. Mas é bem verdade que existe nas instituições modernas, em particular nas organizações portuguesas, o registo de um fenómeno social a que Hirigoyen deu o nome de “assédio moral”. Ora, é certo que o “assédio moral” tem sido traduzido por um conjunto de artefactos de “terrorismo psicológico”, constantes em diversos contextos, conhecidos por bullying nas organizações escolares e por mobbing nas organizações laborais. Se é certo que ambos os fenómenos são comuns, é preciso atender a que existe uma desigualdade no tipo de estudo dos mesmos, sendo que, se o bullying está particularmente visado por uma certa “tendência modal de estudos”, o mobbing continua a constituir uma temática praticamente “não estudada” em Portugal.
O termo mobbing foi introduzido na literatura, nos anos 80, por Heinz Leymann, psicólogo de origem alemã a viver na Suécia, para descrever formas severas de assédio nas organizações. Para Leymann, o mobbing consiste em actuações hostis frequentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente a mesma pessoa (a “vítima”). Segundo ele, o mobbing tem origem num conflito que degenera. Analisa-o como uma forma particularmente grave de stresse psicossocial.
O mobbing consiste, portanto, numa forma de agressão ou terrorismo, de natureza psicológica e/ou psicossocial, que é realizada no contexto de trabalho, por parte da entidade patronal (referente ao denominado “assédio vertical descendente”, segundo Hirigoyen), por colegas (“assédio horizontal”, segundo Hirigoyen) ou por um subordinado (“assédio ascendente”, segundo Hirigoyen).
É de referir as investigações clássicas de Leymann na Suécia e de Hirigoyen na França. Leymann estabeleceu que 3,5% dos assalariados suecos eram vítimas de assédio, tendo também estimado que 15% dos suicídios eram devidos a mobbing. O autor, o qual divulgou os seus dados na obra “Mobbing, la persécution au travail” (1996, Seuil), introduziu a seguinte definição conceptual de mobbing: “acções repetidas e repreensíveis, ou nitidamente negativas, dirigidas contra os empregados de uma maneira ofensiva e que podem conduzir ao seu afastamento da comunidade local de trabalho.” Já Hirigoyen divulgou os dados de um grande inquérito realizado em França na obra “Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux” (1998, Syros) (traduzido para português para “O assédio moral no trabalho. Como distinguir a verdade”, Edições Pergaminho): 29% de casos entre os 36 e os 45 anos, 43% entre os 46 e os 55 anos, e 19% após os 56 anos; 70% de mulheres vítimas para 30% de homens vítimas; em 58% dos casos, o assédio provinha da hierarquia; na maioria dos casos, o fenómeno originou a “baixa compulsiva”, tendo acabado em afastamento do local de trabalho (36% dos casos) ou despedimento (20%). Os grandes sectores de assédio moral são a “gestão, contabilidade, funções administrativas” (26%), a “saúde” (9%) e o “ensino” (9%).
O mobbing (Leymann) ou “assédio moral no trabalho” (Hirigoyen) é, portanto, um fenómeno de grande expressividade e não choca se for afirmado que o mesmo é bastante comum em Portugal, em particular nas grandes empresas e no contexto da saúde. Enquanto fisioterapeuta que sou, tenho assistido a muitas manifestações de mobbing na minha vida laboral, tanto no respeitante a terapeutas como no respeitante a enfermeiros, por parte de médicos e superiores hierárquicos.
Não posso esquecer o meu percurso de somente quatro meses de trabalho no Hospital Cuf Infante Santo. No serviço de Fisioterapia do respectivo hospital, as terapeutas coordenadoras sujeitavam os terapeutas trabalhadores a um tratamento verdadeiramente “patológico”, sendo que éramos vítimas de um trato animalesco, para além da total ausência de regras de deontologia profissional. Os doentes vinham para os terapeutas, passando pelas “chefes”, extremamente indispostos, tal era o tratamento recebido. Mas não tinham melhor tratamento por parte dos “súbditos”, pois estes viviam num constante ambiente de stresse e humilhação. Vi muitas vezes a minha “chefe” a desautorizar profissionais à frente dos doentes, em assuntos de carácter não laboral mas sim de ordem técnico-científica. Mais tarde, quando me insurgi contra o controlo provocado por uma terapeuta “mais velha”, fui chamado à atenção; nessa “chamada” foi-me dito que, enquanto profissional mais novo, devia respeito aos mais velhos, sendo que estes últimos “tinham mais direitos, por estarem há mais tempo na instituição”. Fui desconsiderado, tendo sido inclusive objecto da “mentira” e da “afronta”. O trato a que tive “direito” teve repercussões psíquicas tardias, tendo inevitavelmente atingido a minha auto-estima.
A vergonha e a humilhação a que tantos profissionais são sujeitos levam a que exista uma sensação de “perda do sentido”, e até mesmo à desvitalização psíquica, à “dissonância cognitiva” (Festinger), à angústia momentânea e à depressão crónica. O “assédio moral” no trabalho predomina no mercado português, atingindo muito particularmente os jovens licenciados, os mesmos que tanto lutaram nas Universidades para acabarem os seus cursos e agora labutam no “caminho da pedra” (na realidade laboral tão distante da realidade teorética que se apregoa nos cursos superiores...), no contexto do trabalho precário e num ambiente em que predomina a obrigatoriedade da “negação do Eu” identitário (Arno Gruen), transformados em “meros trabalhadores substituíveis” sem importância moral e fragrância científica.
O “assédio moral no trabalho” atinge tantos trabalhadores!... Mas a resposta dos mesmos labuta em silêncio. Temos, claro, a resposta mais global do subdesenvolvimento das empresas nacionais, nas quais qualquer tentativa de se ser “o melhor”, de se “ser criativo”, acaba por esbarrar na inveja e no tratamento aversivo.
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Publicado parcialmente no 'Jornal de Negócios', dia 08 de Setembro de 2008
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