(Artigo de revisão e introdução à Reeducação Postural adaptado aos médicos de clínica geral e de "Medicina Física e de Reabilitação" e a outros profissionais de saúde)
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A dor raquidiana ou raquialgia constitui um dos mais proeminentes problemas de saúde pública e ocupacional do mundo moderno e industrializado (1), especificamente mais frequente nas sociedades urbanas (2, 3).
A raquialgia pode ser categorizada em específica, se a mesma deriva de um quadro etiológico bem definido, ou inespecífica, se associada a uma súmula de diversas variáveis biomorfológicas e psicossociais, as quais devem ser compreendidas sobretudo como factores de risco e não causais. O profissional de saúde médico tende a interpretar as dores da coluna sempre à face de um quadro clínico especificado, enquanto que o profissional de saúde não médico, como o fisioterapeuta, tende a valorizar fundamentalmente o quadro funcional da síndroma dolorosa, teoreticamente enfatizando a natureza multifactorial da raquialgia.
Assim sendo, pode ser dito que existe uma forma diferente de categorizar a dor por parte dos médicos em relação a outros profissionais de saúde. Mas ainda assim, no respeitante às metodologias de prevenção e tratamento da raquialgia, ou seja no respeitante à intervenção face à dor raquidiana, a distinção conceptual entre médicos e não médicos deixa de existir, acontecendo que em todos eles labora um conjunto elevadíssimo de mitos relativos à forma como devem ser manipulados os estados de dor e as idiossincrasias posturais mais singulares.
Se estabelecermos a “postura” como a verdadeira “personalidade” do corpo, então, devemos ter em conta a necessidade de realização de um trabalho de reeducação postural com ordem a reequilibrar o estado de um corpus desorganizado; pois, é certo que as alterações posturais são reequilibráveis, mesmo que as deformidades vigentes sejam do tipo estrutural.
É pena que tantos médicos e terapeutas desconheçam a teoria das “cadeias musculares” (4), segundo a qual o corpo aparece desenhado com um conjunto elevado de músculos posturais com uma tendência hipertónica insofismável. O corpo é constituído, portanto, por conjuntos de músculos com tendência para o encurtamento, os quais devem ser globalmente alongados, mas nunca fortalecidos.
Neste sentido, é importante fazer os profissionais entenderem que o treino de força da musculatura extensora jamais poderá ajudar no trabalho de reeducação postural. As lordoses e as escolioses são, por excelência, o resultado dessas retracções posteriores. Como tal, o tradicional fortalecimento da musculatura lombar constitui um erro de tratamento insuportavelmente prescrito pelos mais variados médicos e praticado pelos mais variados terapeutas, quando, no fundo, só os métodos baseados no alongamento da musculatura tónica – o principal é o método francês de Mézières (4-7) e todos aqueles que constituem uma evolução mais ou menos plagiada deste (Antiginástica de Bertherat (5), método das Cadeias Musculares e Articulares de Godelieve Denys-Struyf (8), morfoanálise de Peyrot, Reeducação Postural Global e Stretching Global Activo de Souchard (9-12), Corpo e Consciência de Courchinoux, e a Reconstrução Postural de Nisand (13-20)) – e no fortalecimento da musculatura abdominal profunda (o método Pilates é o mais paradigmático) poderão ajudar na reeducação da postura e alívio sintomático a longo prazo. Acrescido a isto, não podemos deixar de valorizar o papel da posturologia (21) da sofrologia (22) e da psicomotricidade (23).
Em Portugal, os fisioterapeutas desconhecem o método Mézières, utilizando mais a Reeducação Postural Global de Souchard. O método Mézières foi criado em 1947 pela fisioterapeuta francesa Françoise Mézières.
A descoberta de um conjunto novo de leis fisiológicas que o método Mézières viria dar relevo enceta por uma história que cada mézièrista conhece bem.
A própria Mézières conta: “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947, nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba ‘cifose’, nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas.” (4)
Nesta época, a ginástica postural clássica era realizada com base nas leis fisiológicas que reforçam o papel do fortalecimento muscular, “ginástica” discípula dos princípios suecos de Per Henrik Ling (1766-1839). E foi esse mesmo tipo de trabalho que foi feito inicialmente com a doente. Mézières refere: “Nós tentámos, naturalmente, os exercícios de ‘endireitamento’ e o trabalho dos músculos dorsais com vista a fortalecer os extensores do dorso, mas a rigidez era tal que nada era possível realizar. Deitando, então, a nossa doente, no chão, em decúbito dorsal, nós realizámos a flexão dos ombros e vimos, para nosso espanto, produzir-se uma enorme lordose lombar. Para não acrescentar um mal à cifose já presente, nós realizámos a báscula posterior da bacia e, para nosso novo espanto, vimos a hiperlordose lombar esquivar-se e deslocar-se para a nuca.” (4)
Depois de repetida várias vezes a experiência, Mézières e os colegas acabaram por admitir uma verdade que viria a ser anunciada como uma nova lei: que “todo o encurtamento parcial da musculatura posterior leva a um encurtamento de todo o conjunto desta musculatura”, o que corresponde à noção de cadeia muscular, onde “toda a modificação de comprimento no sentido do alongamento ou no sentido do encurtamento de parte da musculatura tem repercussão sobre todo o conjunto”.
Françoise Mézières acrescenta: “Tanto que como o alongamento da musculatura lombar se traduzia pelo encurtamento da curvatura cervical, a lei é que o alongamento de um qualquer músculo posterior leva ao encurtamento do conjunto da musculatura posterior” (4). É o que costumamos chamar de noção de compensação.
Entrámos, efectivamente, num conjunto de noções variadas que inicialmente Mézières não dominava completamente. A fisioterapeuta resumia, efectivamente, as suas observações em duas partes: (1º) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo e (2º) ela é sempre forte de mais, curta de mais, potente de mais. E, para os proponentes de Mézières, o princípio preliminar de que todas as deformações têm origem num encurtamento da musculatura posterior (incluindo a cifose) manteve-se incólume até à data.
Deve, também ser acrescentado que a própria Françoise Mézières terá cedo percebido que existia uma sinergia importante entre a musculatura posterior e o diafragma e os músculos rotadores internos (cadeia ântero-interna).
Assim sendo, a desmontagem dos princípios far-se-ia na forma de um tripé de intervenção, com vista à harmonia muscular ou bela forma: deslordose, expiração e desrotação.
Importante será referir que Mézières e os mézièristas sempre escreveram para os especialistas da área, e sempre num tom de ressalva tecnicista. Daí que muitos dos princípios de Mézières não tenham sido adequadamente traduzidos para uma linguagem mais globalizada e acessível. Os seus princípios ficaram efectivamente reservados a um conjunto particular de médicos e terapeutas. Para além disso, a natureza teorética e axiomática de certos princípios viria a ser afirmada de forma muitas vezes pouco científica e mal categorizada, o que fez com que muitas das bases teoréticas mais tarde laboriosamente elucidadas por Souchard (9, 10, 11) tivessem permanecido mal explicadas até que o anterior autor as tivesse enunciado.
A história dos métodos de reeducação postural pode ser resumida como sendo a história de um método de alongamento estrutural global que tende progressivamente a ser cada vez mais activo, autónomo e de natureza neuro-músculo-esquelética (abarcando progressiva e conteudisticamente um conjunto cada vez maior de cadeias musculares, tanto a nível posterior como a nível anterior). Nunca parte da tensão, do fortalecimento. Até mesmo o método Pilates, muitas vezes caracterizado como um método de fortalecimento, não é verdadeiramente um método de força muscular; é sim um método de estabilização vertebral com base no trabalho de solicitação da musculatura abdominal profunda.
O trabalho de fortalecimento da musculatura extensora ao nível dorsal em doentes com hipercifoses a este nível só poderá resultar em duas coisas: em nada de relevante, pois é impossível lutar contra uma retracção dominante com outra retracção oponente (e.g., 11, 12), ou num novo desequilíbrio.
O que é de certeza errado realizar, e que é efectivamente efectuado compulsivamente pela classe médica, é encaminhar os jovens para desportos como a natação. Este desporto, considerado por tantos uma panaceia para o tratamento de raquialgias, pode ajudar a aliviar os sintomas, mas jamais poderá constituir uma fonte fiável de reeducação da postura, pois, para além de estar ausente o factor gravidade e de ser impossível a realização dos alongamentos, a natação é destra na criação de diafragmas bloqueados em inspiração (o ponto de partida para as grandes deformidades posturais e.g., 4, 7, 12).
Infelizmente, muitas outras actividades com pontos em comum com os métodos de reeducação postural, como o Yoga, são também contra-indicadas para o trabalho postural, pelo excesso de posturas em hiperlordose (24). O Yoga não está efectivamente adaptado a pessoas com problemas de saúde músculo-esquelética.
Por outro lado, desportos como a musculação ou outros de activação muscular assimétrica podem ser considerados como a porta de entrada para a criação de uma série de desequilíbrios posturais. A musculação constitui um trabalho de “tensão”, lordosante, para além de sujeitar o corpo a um sistema de forças exageradas. Mas ainda assim, muitos médicos de família encaminham os seus “doentes de coluna” para os ginásios de fitness.
Começa, no entanto, a surgir uma luz ao fundo do túnel, pois já são vários os sítios onde se realiza trabalho de alongamento como base em ginástica postural adaptada a pessoas com patologia. Só falta mesmo consciencializar os profissionais de primeiro contacto para este facto, pois o que as pessoas com condições reumatológicas irão fazer face ao seu problema depende em muito daquilo que o seu médico aconselhar.
Referências bibliográficas
(1) Allan D, Waddell G. An historical perspective on low back pain and disability. Acta Orthop Scand Suppl 1989; 234: 1-23.
(2) Zanni G, Wick J. Low back pain: eliminating myths and elucidating realities. J Am Pharm Assoc 2003; 43 (3): 357-362.
(3) Coelho L, Almeida V, Oliveira R. Lombalgia nos adolescentes: identificação de factores de risco psicossociais. Estudo epidemiológico na região da grande Lisboa. Rev Port Saúde Pub 2005; 23 (1): 81-90.
(4) Mézières F. Révolution en gymnastique orthopédique – Causes et traitement des déviations vertébrales et algies d’origine musculaire. Paris; 1965.
(5) Bertherat T. Le corps a ses raisons. Paris: Éditions du Seuil; 1976.
(6) Denys-Struyf G. Le manual du mézièriste. Paris: Éditions Frison-Roche; 1995.
(7) Nisand M, Geimar S. La Méthode Mézières, un concept révolutionnaire. Mal de dos et déformations ne sont plus une fatalité. Lyon: Collection Santé Minute Les éditions Josette; 2005.
(8) Denys-Struyf G. Les chaînes musculaires et articulaires: la méthode G.D.S. Maloine, 1995.
(9) Souchard Ph-E. Le champs clos – Bases de la Rééducation Posturale Globale. Paris: Essai; 1998.
(10) Souchard Ph-E. Les scolioses – Traitement kinésithérapique et orthopédique. Paris: Masson; 2001.
(11) Souchard Ph-E. Le stretching global actif. Paris: Éditions Désiris; 1996.
(12) Grau N. Le stretching global actif au service du geste sportif. Paris: Le Pousoë; 2002.
(13) Nisand M. Le traitement des algies vertébrales par la Reconstruction Posturale. La lettre du médecin rééducateur 1997; 42. Publication périodique de l'ANMSR (Association Nationale des Médecins spécialistes en Rééducation).
(14) Nisand M. Formation continue: Premier stage de Reconstruction Posturale à Genève. Le Magazine 1997; 97.
(15) Nisand M. La Reconstruction Posturale: une physiothérapie normative de la forme. Mains Libres, la revue Romande de physiothérapie 1997.
(16) Jesel M. Reconstruction Posturale. Concept; traitement des dysmorphismes et des algies du tronc et des membres. Kinésithérapie Scientifique 1999; 387.
(17) Jesel M, Callens C, Nisand M. Rééducation fonctionnelle dans les cervicalgies communes selon la méthode de reconstruction posturale: concept et aspect technique. Kinésithérapie Scientifique 2001; 417.
(18) Nisand M, Callens C, Jesel M. À propos de certains dysmorphismes du pied: identification et correction par la Reconstruction Posturale®. KINÉSITHÉRAPIE, les annales 2002; 10: 37-42.
(19) Callens C. Entre le tout renforcement et le tout étirement, existe-t-il une autre voie ?.11ème Symposium Roman de Physiothérapie les 5 et 6 novembre 2004: "Les Chaînes Déchaînées" Lausanne-Suisse. Mains Libres, la revue Romande de Physiothérapie novembre 2004.
(20) Nisand M. La Reconstruction Posturale®, déviance ou évolution? 11ème Symposium Roman de Physiothérapie les 5 et 6 novembre 2004 : "Les Chaînes Déchaînées" Lausanne-Suisse. Mains Libres, la revue Romande de Physiothérapie novembre 2004.
(21) Collège International d'Études de la Statique, France.
(22) Caycedo A. L’aventure de la sophrologie. Paris: Ed. Retz; 1979.
(23) Vítor da Fonseca. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Lisboa: Âncora editora; 2001.
(24) Myers TW. Anatomy trains – Myofascial meridians for manual and movement therapists. England: Elsevier Health Sciences, 2001.
A raquialgia pode ser categorizada em específica, se a mesma deriva de um quadro etiológico bem definido, ou inespecífica, se associada a uma súmula de diversas variáveis biomorfológicas e psicossociais, as quais devem ser compreendidas sobretudo como factores de risco e não causais. O profissional de saúde médico tende a interpretar as dores da coluna sempre à face de um quadro clínico especificado, enquanto que o profissional de saúde não médico, como o fisioterapeuta, tende a valorizar fundamentalmente o quadro funcional da síndroma dolorosa, teoreticamente enfatizando a natureza multifactorial da raquialgia.
Assim sendo, pode ser dito que existe uma forma diferente de categorizar a dor por parte dos médicos em relação a outros profissionais de saúde. Mas ainda assim, no respeitante às metodologias de prevenção e tratamento da raquialgia, ou seja no respeitante à intervenção face à dor raquidiana, a distinção conceptual entre médicos e não médicos deixa de existir, acontecendo que em todos eles labora um conjunto elevadíssimo de mitos relativos à forma como devem ser manipulados os estados de dor e as idiossincrasias posturais mais singulares.
Se estabelecermos a “postura” como a verdadeira “personalidade” do corpo, então, devemos ter em conta a necessidade de realização de um trabalho de reeducação postural com ordem a reequilibrar o estado de um corpus desorganizado; pois, é certo que as alterações posturais são reequilibráveis, mesmo que as deformidades vigentes sejam do tipo estrutural.
É pena que tantos médicos e terapeutas desconheçam a teoria das “cadeias musculares” (4), segundo a qual o corpo aparece desenhado com um conjunto elevado de músculos posturais com uma tendência hipertónica insofismável. O corpo é constituído, portanto, por conjuntos de músculos com tendência para o encurtamento, os quais devem ser globalmente alongados, mas nunca fortalecidos.
Neste sentido, é importante fazer os profissionais entenderem que o treino de força da musculatura extensora jamais poderá ajudar no trabalho de reeducação postural. As lordoses e as escolioses são, por excelência, o resultado dessas retracções posteriores. Como tal, o tradicional fortalecimento da musculatura lombar constitui um erro de tratamento insuportavelmente prescrito pelos mais variados médicos e praticado pelos mais variados terapeutas, quando, no fundo, só os métodos baseados no alongamento da musculatura tónica – o principal é o método francês de Mézières (4-7) e todos aqueles que constituem uma evolução mais ou menos plagiada deste (Antiginástica de Bertherat (5), método das Cadeias Musculares e Articulares de Godelieve Denys-Struyf (8), morfoanálise de Peyrot, Reeducação Postural Global e Stretching Global Activo de Souchard (9-12), Corpo e Consciência de Courchinoux, e a Reconstrução Postural de Nisand (13-20)) – e no fortalecimento da musculatura abdominal profunda (o método Pilates é o mais paradigmático) poderão ajudar na reeducação da postura e alívio sintomático a longo prazo. Acrescido a isto, não podemos deixar de valorizar o papel da posturologia (21) da sofrologia (22) e da psicomotricidade (23).
Em Portugal, os fisioterapeutas desconhecem o método Mézières, utilizando mais a Reeducação Postural Global de Souchard. O método Mézières foi criado em 1947 pela fisioterapeuta francesa Françoise Mézières.
A descoberta de um conjunto novo de leis fisiológicas que o método Mézières viria dar relevo enceta por uma história que cada mézièrista conhece bem.
A própria Mézières conta: “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947, nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba ‘cifose’, nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas.” (4)
Nesta época, a ginástica postural clássica era realizada com base nas leis fisiológicas que reforçam o papel do fortalecimento muscular, “ginástica” discípula dos princípios suecos de Per Henrik Ling (1766-1839). E foi esse mesmo tipo de trabalho que foi feito inicialmente com a doente. Mézières refere: “Nós tentámos, naturalmente, os exercícios de ‘endireitamento’ e o trabalho dos músculos dorsais com vista a fortalecer os extensores do dorso, mas a rigidez era tal que nada era possível realizar. Deitando, então, a nossa doente, no chão, em decúbito dorsal, nós realizámos a flexão dos ombros e vimos, para nosso espanto, produzir-se uma enorme lordose lombar. Para não acrescentar um mal à cifose já presente, nós realizámos a báscula posterior da bacia e, para nosso novo espanto, vimos a hiperlordose lombar esquivar-se e deslocar-se para a nuca.” (4)
Depois de repetida várias vezes a experiência, Mézières e os colegas acabaram por admitir uma verdade que viria a ser anunciada como uma nova lei: que “todo o encurtamento parcial da musculatura posterior leva a um encurtamento de todo o conjunto desta musculatura”, o que corresponde à noção de cadeia muscular, onde “toda a modificação de comprimento no sentido do alongamento ou no sentido do encurtamento de parte da musculatura tem repercussão sobre todo o conjunto”.
Françoise Mézières acrescenta: “Tanto que como o alongamento da musculatura lombar se traduzia pelo encurtamento da curvatura cervical, a lei é que o alongamento de um qualquer músculo posterior leva ao encurtamento do conjunto da musculatura posterior” (4). É o que costumamos chamar de noção de compensação.
Entrámos, efectivamente, num conjunto de noções variadas que inicialmente Mézières não dominava completamente. A fisioterapeuta resumia, efectivamente, as suas observações em duas partes: (1º) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo e (2º) ela é sempre forte de mais, curta de mais, potente de mais. E, para os proponentes de Mézières, o princípio preliminar de que todas as deformações têm origem num encurtamento da musculatura posterior (incluindo a cifose) manteve-se incólume até à data.
Deve, também ser acrescentado que a própria Françoise Mézières terá cedo percebido que existia uma sinergia importante entre a musculatura posterior e o diafragma e os músculos rotadores internos (cadeia ântero-interna).
Assim sendo, a desmontagem dos princípios far-se-ia na forma de um tripé de intervenção, com vista à harmonia muscular ou bela forma: deslordose, expiração e desrotação.
Importante será referir que Mézières e os mézièristas sempre escreveram para os especialistas da área, e sempre num tom de ressalva tecnicista. Daí que muitos dos princípios de Mézières não tenham sido adequadamente traduzidos para uma linguagem mais globalizada e acessível. Os seus princípios ficaram efectivamente reservados a um conjunto particular de médicos e terapeutas. Para além disso, a natureza teorética e axiomática de certos princípios viria a ser afirmada de forma muitas vezes pouco científica e mal categorizada, o que fez com que muitas das bases teoréticas mais tarde laboriosamente elucidadas por Souchard (9, 10, 11) tivessem permanecido mal explicadas até que o anterior autor as tivesse enunciado.
A história dos métodos de reeducação postural pode ser resumida como sendo a história de um método de alongamento estrutural global que tende progressivamente a ser cada vez mais activo, autónomo e de natureza neuro-músculo-esquelética (abarcando progressiva e conteudisticamente um conjunto cada vez maior de cadeias musculares, tanto a nível posterior como a nível anterior). Nunca parte da tensão, do fortalecimento. Até mesmo o método Pilates, muitas vezes caracterizado como um método de fortalecimento, não é verdadeiramente um método de força muscular; é sim um método de estabilização vertebral com base no trabalho de solicitação da musculatura abdominal profunda.
O trabalho de fortalecimento da musculatura extensora ao nível dorsal em doentes com hipercifoses a este nível só poderá resultar em duas coisas: em nada de relevante, pois é impossível lutar contra uma retracção dominante com outra retracção oponente (e.g., 11, 12), ou num novo desequilíbrio.
O que é de certeza errado realizar, e que é efectivamente efectuado compulsivamente pela classe médica, é encaminhar os jovens para desportos como a natação. Este desporto, considerado por tantos uma panaceia para o tratamento de raquialgias, pode ajudar a aliviar os sintomas, mas jamais poderá constituir uma fonte fiável de reeducação da postura, pois, para além de estar ausente o factor gravidade e de ser impossível a realização dos alongamentos, a natação é destra na criação de diafragmas bloqueados em inspiração (o ponto de partida para as grandes deformidades posturais e.g., 4, 7, 12).
Infelizmente, muitas outras actividades com pontos em comum com os métodos de reeducação postural, como o Yoga, são também contra-indicadas para o trabalho postural, pelo excesso de posturas em hiperlordose (24). O Yoga não está efectivamente adaptado a pessoas com problemas de saúde músculo-esquelética.
Por outro lado, desportos como a musculação ou outros de activação muscular assimétrica podem ser considerados como a porta de entrada para a criação de uma série de desequilíbrios posturais. A musculação constitui um trabalho de “tensão”, lordosante, para além de sujeitar o corpo a um sistema de forças exageradas. Mas ainda assim, muitos médicos de família encaminham os seus “doentes de coluna” para os ginásios de fitness.
Começa, no entanto, a surgir uma luz ao fundo do túnel, pois já são vários os sítios onde se realiza trabalho de alongamento como base em ginástica postural adaptada a pessoas com patologia. Só falta mesmo consciencializar os profissionais de primeiro contacto para este facto, pois o que as pessoas com condições reumatológicas irão fazer face ao seu problema depende em muito daquilo que o seu médico aconselhar.
Referências bibliográficas
(1) Allan D, Waddell G. An historical perspective on low back pain and disability. Acta Orthop Scand Suppl 1989; 234: 1-23.
(2) Zanni G, Wick J. Low back pain: eliminating myths and elucidating realities. J Am Pharm Assoc 2003; 43 (3): 357-362.
(3) Coelho L, Almeida V, Oliveira R. Lombalgia nos adolescentes: identificação de factores de risco psicossociais. Estudo epidemiológico na região da grande Lisboa. Rev Port Saúde Pub 2005; 23 (1): 81-90.
(4) Mézières F. Révolution en gymnastique orthopédique – Causes et traitement des déviations vertébrales et algies d’origine musculaire. Paris; 1965.
(5) Bertherat T. Le corps a ses raisons. Paris: Éditions du Seuil; 1976.
(6) Denys-Struyf G. Le manual du mézièriste. Paris: Éditions Frison-Roche; 1995.
(7) Nisand M, Geimar S. La Méthode Mézières, un concept révolutionnaire. Mal de dos et déformations ne sont plus une fatalité. Lyon: Collection Santé Minute Les éditions Josette; 2005.
(8) Denys-Struyf G. Les chaînes musculaires et articulaires: la méthode G.D.S. Maloine, 1995.
(9) Souchard Ph-E. Le champs clos – Bases de la Rééducation Posturale Globale. Paris: Essai; 1998.
(10) Souchard Ph-E. Les scolioses – Traitement kinésithérapique et orthopédique. Paris: Masson; 2001.
(11) Souchard Ph-E. Le stretching global actif. Paris: Éditions Désiris; 1996.
(12) Grau N. Le stretching global actif au service du geste sportif. Paris: Le Pousoë; 2002.
(13) Nisand M. Le traitement des algies vertébrales par la Reconstruction Posturale. La lettre du médecin rééducateur 1997; 42. Publication périodique de l'ANMSR (Association Nationale des Médecins spécialistes en Rééducation).
(14) Nisand M. Formation continue: Premier stage de Reconstruction Posturale à Genève. Le Magazine 1997; 97.
(15) Nisand M. La Reconstruction Posturale: une physiothérapie normative de la forme. Mains Libres, la revue Romande de physiothérapie 1997.
(16) Jesel M. Reconstruction Posturale. Concept; traitement des dysmorphismes et des algies du tronc et des membres. Kinésithérapie Scientifique 1999; 387.
(17) Jesel M, Callens C, Nisand M. Rééducation fonctionnelle dans les cervicalgies communes selon la méthode de reconstruction posturale: concept et aspect technique. Kinésithérapie Scientifique 2001; 417.
(18) Nisand M, Callens C, Jesel M. À propos de certains dysmorphismes du pied: identification et correction par la Reconstruction Posturale®. KINÉSITHÉRAPIE, les annales 2002; 10: 37-42.
(19) Callens C. Entre le tout renforcement et le tout étirement, existe-t-il une autre voie ?.11ème Symposium Roman de Physiothérapie les 5 et 6 novembre 2004: "Les Chaînes Déchaînées" Lausanne-Suisse. Mains Libres, la revue Romande de Physiothérapie novembre 2004.
(20) Nisand M. La Reconstruction Posturale®, déviance ou évolution? 11ème Symposium Roman de Physiothérapie les 5 et 6 novembre 2004 : "Les Chaînes Déchaînées" Lausanne-Suisse. Mains Libres, la revue Romande de Physiothérapie novembre 2004.
(21) Collège International d'Études de la Statique, France.
(22) Caycedo A. L’aventure de la sophrologie. Paris: Ed. Retz; 1979.
(23) Vítor da Fonseca. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Lisboa: Âncora editora; 2001.
(24) Myers TW. Anatomy trains – Myofascial meridians for manual and movement therapists. England: Elsevier Health Sciences, 2001.
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Publicada uma versão simplificada deste artigo na 'Medicina e Saúde' de Outubro de 2008
2 comentários:
PS. Este artigo contém, na parte das referências bibliográficas, algumas das principais referências relativa aos métodos Mézières e Reconstrução Postural. É possível aceder a grande parte destas "referências", mas apenas em francês. Estou a tratar de que algumas delas venham a ser traduzidas e, a médio prazo, irei publicá-las (provavelmente neste blog ou em site a construir).
Thank you for sharing your thoughts. I truly appreciate your efforts
and I will be waiting for your next write ups thank you once again.
My site > Eparis
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