sábado, junho 14, 2008

Françoise Mézières: uma introdução

O presente texto pretende introduzir, de forma plenamente sumária, a vida e obra de Françoise Mézières. É, em grande parte, baseado no site da Wikipédia. O mesmo texto constitui somente uma introdução à pessoa de Mézières. Vou, entretanto, a partir das minhas crescentes pesquisas, tentando completar os dados apresentados.
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A mulher
Posta à porta de sua casa familiar com a idade de 16 anos por um pai autoritário, a jovem Mézières teve de assumir sozinha as responsabilidades da sua vida. Paralelamente a muitos trabalhos, tenta, com sucesso, a prática da esgrima e da equitação. Verdadeira autodidacta, é quase por um acaso que ela empreende estudos na área da Fisioterapia (Kinésithérapie), trabalhando ao mesmo tempo à noite para pagar os seus estudos.
Fruto da segunda Grande Guerra e do surto de poliomielite que a seguiu, a profissão de Fisioterapeuta encontrava-se em grande desenvolvimento. A óptica desta “Fisioterapia” encontrava-se centrada sobre o trabalho de recuperação da força muscular. Os grandes feridos de guerra, muitos paralisados, não podiam ser tratados de muitas outras maneiras.
Esta opção terapêutica – a do fortalecimento muscular – transforma-se em dogma fisioterapêutico, em pensamento único. Todas as dores, todas as disfunções são atribuídas a uma hipotética falta de força; todas as deformações são causadas pela provável inaptidão para se opor à nefasta força da gravidade.
Portanto, os tratamentos fisioterapêuticos consistem somente em reforçar. As diferentes escolas existentes diferenciam-se somente pela forma como utilizam a musculação e o uso da força.
Françoise Mézières fez os seus estudos na Ecole Française d’Orthopédie et de Massage na Rua Cujas em Paris, sob a direcção de Boris Dolto. Obtém o seu diploma na véspera da evacuação de Paris na frente de avanço das tropas alemãs. Estuda técnicas da época, em especial a “ginástica correctiva”, centrada exclusivamente no “reforço muscular”.

Nascimento de um método
Depois de terminada a Guerra, a escola da Rua Cujas volta a funcionar enquanto tal e Mézières vai ensinar na mesma. Na Primavera de 1947, logo depois de ter terminado o seu livro “La gymnastique statique”, faz aquele que chamará o seu princípio de “observação”:
"Lorsqu'un fastueux matin de printemps 1947, nous vîmes entrer dans notre cabinet une patiente présentant une superbe "cyphose", nous étions bien loin de nous douter que notre profession et le sort de légion de malades allaient être changés. Il s'agissait d'un sujet longiligne, très grande et maigre. Un corset de cuir et fer avait causé, non l'enraiement attendu des progrès, décidément inexorables, de son mal, mais des ecchymoses sur les hanches et autour des épaules, et encore sept vertèbres étaient à vif ainsi que l'angle inférieur des omoplates. Mais la malade ne s'en plaignait pas et elle venait parce qu'elle ne pouvait plus lever les bras ni travailler. Nous essayâmes, naturellement, les exercices de " redressement " et le travail des dorsaux en vue de fortifier les " extenseurs " du dos, mais la raideur était telle que rien n'était possible. Étendant alors notre malade à terre, en décubitus dorsal, nous appuyâmes sur les épaules et nous vîmes, à notre stupéfaction, se produire une énorme lordose lombaire alors que, examinée debout, la malade ne présentait absolument qu'une cyphose dorsale. Pour éviter d'ajouter un mal à celui qui existait déjà, nous basculâmes le bassin en arrière en amenant les genoux sur l'abdomen et, à notre nouvelle stupeur, nous vîmes l'hyperlordose lombaire ainsi effacée se reporter à la nuque, la tête se renversant en arrière sans qu'il fût possible de ramener le menton près du cou.
La porte sur la vérité était, devant nous, grande ouverte mais nous refusions de nous y engager et, doutant de nos yeux, nous renouvelâmes plusieurs fois l'expérience et, finalement, devant une consœur.
…Notre observation princeps était si inattendue, les faits constatés si surprenants pour un praticien pétri de théories orthodoxes, si admiratif envers ses maîtres qu'il tenait, jusque-là, pour de vrais savants, qu'il n'en voulut pas croire ses yeux. Mais l'insolente vérité était si évidente qu'il chercha alors, désespérément, à y voir une exception qui aurait confirmé la sacro-sainte règle. Il fallut se résigner au sacrilège et reconsidérer les bases de l'orthodoxie. Restait à dégager les lois de cette physiologie absolument méconnue, en découvrir les mécanismes. Alors succédèrent aux affres de l'apostasie les délices de l'hérésie. C'est en effet une ineffable joie que de vérifier à chaque instant, et de mille façons, le bien-fondé d'une théorie, telle qu'elle explique lumineusement les causes de tous les dysmorphismes et sur quoi peut être édifiée une technique à coup sûr curative."
Este “Princípio de observação” encontra-se publicado no artigo “L´homéopathie française”. [O que significa que a sua primeira obra “La gymnastique statique” ainda não incluía o seu “princípio de observação”, era anterior à descoberta do método.]
Nos anos que se seguem, verifica que o seu “princípio de observação” possui valor científico, ou seja, que se reproduz inevitavelmente nas mesmas condições de experimentação. Em 1949 publica “La révolution en gymnastique orthopédique”, um artigo fundador que recebe um acolhimento pobre, para não dizer francamente hostil, por parte do mundo médico francês. Entretanto, deixa a Rua Cujas e instala-se como trabalhadora liberal para pôr os seus princípios em prática e continuar a sua investigação. [O que significa, portanto, que o “método Mézières” não se desenvolveu num ambiente académico, mas sim num ambiente clínico.] Só em 1984 é que Mézières irá escrever as seis leis que explicam os princípios da sua observação inicial. Ora, na obra “Originalité de la méthode Mézières” (1984) expõe as leis vigentes. Première loi: Les nombreux muscles postérieurs se comportent comme un seul et même muscle (Une chaîne musculaire se définira comme étant un ensemble de muscles polyarticulaires et de même direction, qui se succèdent en s’enjambant comme les tuiles d’u toit); Deuxième loi: Les muscles des chaînes sont trop toniques et trop courts (il n’y a donc rien qu’il faille renforcer); Troisième loi: Toute action localisée, aussi bien élongation que raccourcissement, provoque instantanément le raccourcissement de l’ensemble du système; Quatrième loi: Toute opposition à ce raccourcissement provoque instantanément des latérofléxions et des rotations du rachis et des membres (lógica das compensações); Cinquième loi: La rotation des membres due à l’hypertonie des chaînes s’effectue toujours en dedans; Sixième loi: Toute élongation, détorsion, douleur, tout effort implique instantanément le blocage respiratoire en inspiration.
Portanto, Mézières elabora oficialmente um método que parece ser mais eficaz que todos os anteriores baseados no fortalecimento muscular.

Desenvolvimento
À falta de melhor, Mézières dá o seu nome ao método nascente. O mundo médico acolhe as suas descobertas com pouco entusiasmo, quando não lhe testemunha uma honesta hostilidade. [O que se entende pelo facto de as leis do seu método se basearem em assunções contra-intuitivas – mas nunca anti-científicas – o que demonstra a falta de capacidade que alguns têm para compreender a capacidade da ciência e das grandes “epistemis” de constituírem teorias “aparentemente” pouco lógicas.] O sistema Mézières seria demasiado “diferente” para ser aceite pelo sistema médico conservador? Esta mulher seria demasiado atípica e demasiado pouco diplomática? A rejeição que Mézières sofria constituía, pelo menos aos olhos da actualidade, a “travessia no deserto”. Ao mesmo tempo, os doentes vêm de muito longe para ser tratados pela Madame Mézières e muitos fisioterapeutas começam a incomodá-la de modo a que a mesma organize o ensino do método. O que realizará, quase de má vontade, no Pântano Poitevin primeiro, em Gers seguidamente.
Os anos 70 são marcados por um golpe de trovão: a saída do livro de Thérèse Bertherat “Le corps a ses raisons”, o qual inclui um capítulo inteiro dedicado a Mézières e ao seu método. O livro conheceu um sucesso enorme, tendo vendido milhões de exemplares em todo o mundo. Devido ao sucesso da obra, Mézières torna-se uma celebridade, contra a sua vontade. [Aqui, importa dizer que, provavelmente, se não fosse pela obra de Bertherat, Mézières e o seu método nunca tinham sido conhecidos. O que teria sido um “doce” para Souchard e muitos outros plagiadores do seu método, os quais fazem tudo para “tapar” as raízes históricas do método. A própria Françoise Mézières concebeu um método “sério”, nos confins de um ambiente "reduzido" e técnico. A obra de Bertherat, essa estava feita para o Grande Público, o que justifica, em conjunto com a natureza contra-intuitiva da obra, o seu sucesso.]
Mézières é condecorada com a Legião de honra, vai à rádio e à televisão. A sua obra é plagiada e desnaturada. Muitos consideram o seu método como mais um entre muitas outras técnicas de Fisioterapia. Mézières defende-se com fúria: se a sua teoria é exacta, consiste precisamente na negação da fisioterapia convencional e da doutrina clássica. As escolas fantasistas, arvorando o nome de Mézières como um viático, abundam. Têm mais às vezes o sentido do “marketing” do que do real talento. Tudo isto fará parte da amargura do fim da sua vida. Mézières nunca aceitou os terríveis plágios e sub-interpretações que a sua obra sofreu. Lutou contra tudo isto até ao fim da sua vida, nunca tendo parado de ensinar, nunca tendo deixado o “campo livre”. Ainda assistiu ao nascimento do método GDS, RPG, “Cadeias musculares” de Busquet, entre outros. Morreu na escola Noisy-sur no dia 17 de Outubro de 1991, sem ter formado uma só escola, um só grupo ou uma só associação com o seu nome. No ano seguinte, viria a nascer o método “Reconstruction Posturale” de Nisand; este homem publicou, em 2005, a obra “La méthode Mézières, un concept révolutionnaire”, a única obra (quase) inteiramente dedicada à vida e obra de Mézières.

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