sábado, janeiro 02, 2010

Karl Popper: a evolução da ciência por “tentativa e erro”

Não há, no domínio espectral da filosofia da ciência e da teoria do conhecimento, nome maior do que o de Karl Popper (1902-1994). Este homem, com formação de físico, não é tanto um grande homem da ciência, mas um grande homem da metodologia científica que é actualmente utilizada.
Penso que, contudo, ainda se ensina nos liceus que a ciência se inicia com a observação. E que, a partir desta, são colocadas hipóteses, as quais, depois de testadas pela experimentação, são confirmadas ou infirmadas. É esta a visão de ciência da escola analítica, a qual Popper inclui no conjunto dos teóricos essencialistas. E é ainda esta forma de fazer ciência que é ensinada em muitas universidades, pois foi assim que supostamente evoluiu a ciência – estejamos a falar dos cálculos sobre a posição dos planetas de Ptolomeu, do uso da balança por Lavoisier ou da matematização do campo electromagnético de Maxwell.
Mas, na realidade, para Popper, toda a observação supostamente iniciadora do processo científico tem por base um certo apriorismo – algo que dirige o sentido e o objecto da observação, assim como o seu campo de acção – nomeadamente, um conjunto de propensões (gerador de problemas), que são, nada mais nada menos, que uma tendência para olhar para algo de uma forma fenomenologicamente heurística. Assim sendo, não foi a queda da maçã que levou Newton a pensar na lei da queda dos objectos. Foi antes tudo aquilo que é constitutivo da mente de Newton que fez com que este homem reparasse na queda dos objectos e questionasse os princípios subjacentes a esse processo pela primeiríssima vez (e antes de qualquer outro cientista).
Ora, se toda a ciência se inicia por um sistema de propensões, também não é verdade que a ciência evolua por um mero processo de acumulação de confirmações de hipóteses (ao contrário do que era propugnado pelos neo-positivistas e do que é defendido por muitos cientistas actuais). Na visão de Popper, o esforço do cientista deve ir antes para a tentativa de falsificação de conjecturas. E a teoria ou hipótese existente sairá fortalecida – e nunca categoricamente comprovada (a questão dos cines brancos versus cisnes pretos...) – se sobreviver ao maior número possível de tentativas de refutação. O critério de “falsificabilidade” é, portanto, o grande mediador de uma evolução da ciência feita por “tentativa e erro”, à semelhança do próprio processo natural evolutivo (num sentido necessariamente darwinista).
O processo subjacente foi muitas vezes descrito por Popper pela fórmula P1 » TT » DC » P2. Utilizando as palavras de Popper: “Suponhamos que começamos com um problema P1. Passamos, em seguida, à formulação de uma solução tentativa para o problema – uma solução conjectural ou hipotética, uma teoria tentativa, TT. Esta é, por sua vez, submetida à discussão crítica, DC, à luz das provas, caso estas se encontrem disponíveis. Surgem, como resultante, novos problemas.” É preciso acrescentar que P2 é comummente maior que P1, ou seja, o conjunto do processo leva a que resultem mais problemas no fim do que no início do ciclo. Importante é também dizer que, mais do que factos, o que resulta do modelo popperiano é uma nova teoria, necessariamente mais consistente que a teoria inicialmente proposta. Daí que, para Popper, apesar de existir supostamente uma Realidade única e inolvidável (“realismo” que partilha com os neo-positivistas), essa mesma Verdade não é nunca verdadeiramente alcançada... somente virtualmente alcançável. Daí que nunca se diga que “todos os cines são brancos”, pois pode sempre acontecer que um dia apareçam cisnes pretos (como, de facto, aconteceu).
A ciência é, portanto, segundo Popper, dedutiva (e não indutiva) e, subjacente ao seu “racionalismo crítico”, está a constante necessidade de colocar em dúvida certas certezas. De facto, como tantas vezes é exemplificado por Popper, as “certezas” de Newton vieram a ser fortemente contestadas por Einstein.
A existência de uma evolução da ciência por um processo de refutação constante de hipóteses leva a considerar o critério de “falsificabilidade” como algo que diferencia o científico do pseudo-científico. Por exemplo, certas “ciências”, como a psicanálise ou o marxismo, não são verdadeiras ciências segundo o critério do racionalismo crítico popperiano. Por outro lado, esse mesmo critério permitirá a Popper possuir um argumento que enalteça a ideia de que a ciência evolui racionalmente, a desmando das teorizações historicistas, que Popper tantas vezes adversou.
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Publicado no "As Artes Entre As Letras", 07 de Abril de 2010

1 comentário:

ana claudia disse...

Não li nada de Popper, e me interesso se houver de sua parte sugestão a respeito, contudo irei procurar.
Creio que toda a vida se inicia e continua por um sistema de propensões, e sai fortalecida, bem vivida, quando não a vemos de forma pre-estabelecida, confirmada, reiterada, mas num processo contínuo de questionamento e absorção. Em relação à fisioterapia, mergulhemos, todos nós, na observação apurada, na experimentação, na reflexão inesgotável, e em ideias que se trasformem.
Parabéns pelo texto, Ana.