quinta-feira, fevereiro 11, 2010

A homossexualidade é uma doença?

A homossexualidade está indiscutivelmente na moda. Aliás, muitos temas aparentemente insalubres, socialmente irrelevantes (?), parecem entrar definitivamente nos escaparates da mediania... Mas, na realidade, a homossexualidade não é um tema assim tão alcalino, pelo menos para mim. Lembro-me bem do momento em que entrei para a nova escola, quando passei para o 5º ano de escolaridade. Era incontável o número de colegas que, por qualquer razão por mim desapercebida, me chamavam de “menina” ou de “florzinha”. Agora, o tipo de assédio de que fui vítima já possui nome. Chama-se “bullying”... outro assunto igualmente na moda; não, não se trata de discriminação, pois, na realidade, não sou homossexual, mesmo que fosse visto como tal. Daí não poder ser mais uma das vítimas de uma sociedade injusta, a qual passa a ter uma razão para se manifestar... Por outro lado, visto que fui muitas vezes tratado como “maricas” (reparo agora que o termo em questão nem é aceite pelo dicionário do Word...), sinto-me bastante íntimo desta minoria, que, aparentemente, é cada vez mais uma maioria!
Não pareço ter dúvidas sobre as minhas preferências sexuais. O meu psicanalista também não parecia ter dúvidas, visto que, para ele, “a homossexualidade é uma bizarria” e que no seu entender, eu jamais viria a ser “paneleiro” (outro termo não aceite pelo dicionário do Word), entendendo tal (termo) como “os homens que atacam os genitais de outros homens”.
Para via das dúvidas (relativamente à forma como os psicanalistas vêem a questão da homossexualidade) abro o manual “Novos desafios à bioética” (Porto Editora) no capítulo intitulado “Homossexualidade”, escrito por Jaime Milheiro. Passo a citar algumas partes que poderia considerar icónicas: “A homossexualidade é uma questão pessoal. É uma questão psicológica, subjectiva. Como qualquer outra propensão sexual, vem de dentro, não se implanta por fora”. Mais à frente lemos: “Na criança, as vivências com os pais proporcionam identificações e conjugam-se com o sexo biológico descoberto neles e em si” [...] “Se o desenvolvimento se processar em moldes comuns, a identificação global ao progenitor do mesmo sexo acontecerá sem grandes turbulências. Se houver inibição com angústias perturbadoras, podem desenrolar-se dinamismos característicos e consequências. Poderão acontecer fixações em patamares transitórios, pontos de passagem do amadurecimento. A homossexualidade será disso um exemplo.” Gostaria, entretanto, de dizer que estas mesmas frases, aparecem escritas numa versão de 2001. Claro que qualquer semelhança com as teorias pseudo-científicas de um Freud envelhecido é pura coincidência. E calculo que também seja coincidência qualquer confusão que se possa criar entre “psicanálise” e pós-modernismo acientífico.
Mas gostaria ainda mais de citar a parte em que o Ex. Mo Dr. Jaime Milheiro expõe a explicação messiânica da homossexualidade: “agressividades não elaboradas, fragilidades narcísicas, angústias de separação, medos de destruição da mãe, figura primordial de quem a criança totalmente depende. Identificações maciças com essa mãe nos dois sexos para a manter dentro de si em perspectivas fusionais são de observação corrente, o que acarreta no adulto uma idealização dela quase absoluta, muito visível na maior parte dos homossexuais, masculinos ou femininos, ou, em contrapartida, uma desvalorização reactiva do mesmo grau, igualmente quase absoluta.” Gosto desta parte em que o psicanalista diz que o homossexual possui uma forte identificação com a figura materna, mas também pode ser o completo oposto; é, claramente, uma verdadeira demonstração de ciência falsificável...
Sendo assim, percebo porque é que o meu ex-psicanalista nunca me permitiu a possibilidade da homossexualidade. Afinal de contas, estes profissionais, quase sempre psicólogos ou psiquiatras de grande poder clínico, acabam por possuir um grande controlo dos seus pacientes... Daí a considerar que estes mesmos “profissionais científicos” possam ajuizar acerca da capacidade que um casal homossexual tem ou não para adoptar e educar uma criança vai uma distância ainda maior... Sobre isto o mesmo Jaime Milheiro diz: “a pretensa adopção de crianças por homossexuais (...) é uma falta de consideração pela criança, um desrespeito pelo seu destino, completamente de rejeitar.”
Vemos, portanto, que, na perspectiva dos psicanalistas, talvez a saída da condição homossexual do manual de perturbações mentais DSM-IV não devesse ter sido realizada.
Não que nada disto me aqueça ou arrefeça! Pois não sou homossexual! Vivi como tal, mas não o sou, pois nunca me foi permitida tal possibilidade. A minha família morreria de desgosto, o psicanalista chamar-me-ia de “doente”!
Mas, sendo ou não sendo, visto que vivi sempre na sombra de um estereótipo, e bem vi – e senti na pele – como tal assenta bem na minha “estabilidade emocional”, digo apenas que bem haja todo aquele que não estigmatiza, todo aquele que não vive de macular a felicidade e o livre-arbítrio de todos os outros.
As actuais discussões sobre o “casamento homossexual” e sobre a possibilidade de estes casais poderem ou não adoptar crianças são muito mais do que uma questão da moda. Essas discussões representam toda uma temática central da sociedade: que é a de ser “diferente”. E a nossa obrigação para com os “diferentes”, a nossa obrigação para com o “Estrangeiro” (como é bom lembrar Camus...) é bem real. Visto que, ao longo de séculos, a sociedade pouco mais fez do que perseguir e punir severamente a diferença, cabe à nossa actual sociedade civilizada (e racional) expiar-se. Permitir o casamento homossexual é semelhante à permissão de utilização de roupas de diferentes raças, religiões ou etnias, à inclusão de estrangeiros vindos de países onde abunda a fome e a guerra ou à simples inclusão de um mau aluno numa turma de “mestres”: trata-se de uma obrigação moral, tornada inalienável por anos, séculos, milénios de estigmatização inquebrantável.
Portanto, se a homossexualidade é uma doença, vamos permitir que essa “loucura da normalidade” (palavras de Arno Gruen, outro psicanalista) se torne um lugar comum, sem espaço para o irracionalismo.

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