Há quem se refira a um hipotético “Choque de civilizações” para se referir às diferenças, sabidamente tonitruantes, entre os valores que medeiam as sociedades ocidentais, conhecidas entre nós como sociedades evoluídas, e os valores que consubstanciam o funcionamento das sociedades ditas “fechadas”. A questão deste texto trata de saber se as diferenças referidas poderão ser “objectivadas” cientificamente, ou se continuarão a ser exclusivos do campo do preconceito com base num certo relativismo histórico-social.
Sabemos que existe, nos tempos que correm, uma tradição pós-modernista de carácter assaz historicista que pretende que o nosso conceito de “banalidade do mal” (Arendt) não passa de uma forma de subjugação das sociedades orientais a uma hipotética superioridade do ocidente. E sabemos também que até existe toda uma verborreia psicologista que pretende relativizar o impacto de certos fenómenos que os ditos “ocidentais” pretendem criminosos (como a pedofilia ou a excisão genital feminina).
Não sendo de negar o realismo pragmático de um certo relativismo, algo que terá de ser necessariamente respeitado por todos os actores sociais das ditas sociedades evoluídas, existe aquilo que podemos designar por um “limite da tolerância”, correspondente provavelmente ao “intolerável” (e este “intolerável” é-o independentemente das razões psicossociais - conscientes ou inconscientes - que subjazem a determinado fenómeno de natureza imoral). Mas este mesmo “intolerável” só poderá existir “realmente” se, de algum modo, consubstanciarmos a existência, também ela “real”, de Valores ético-morais.
Sejam ou não de base explicativa bio-genética e evolutiva, os invariantes que conhecemos por Valores permitem a construção de critérios de funcionamento sócio-moral. Mas estes mesmos critérios não possuem qualquer sustentação se o agente que os constrói não possuir um verdadeiro espírito de “racionalismo crítico”. Pois não terão sido Platão, Hegel e Marx profetas, supostamente hipermorais, teóricos de uma sociedade perfeita, construtores de uma escala de Valores que veio mais tarde a revelar-se enganadora?...
Karl Popper, no seu “Sociedade aberta e os seus inimigos” faz a análise destes – para utilizar a expressão de Berlin – “inimigos da liberdade”. E essa sua análise não pode ser separada daquilo que o mesmo entende como o critério da demarcação (referido primacialmente em “A lógica da descoberta científica”) entre científico e não científico (poderíamos dizer entre racional e irracional): a falsificabilidade.
Ora, atendendo a que, de certo modo, determinados Valores, no sentido da sua conversão em regras morais, possuem um carácter ambíguo e redundante, que o mesmo será dizer que nem sempre a temática “política” se move pela unanimidade moral de intentos, resta à ciência, à verdadeira ciência pura, exacta e falsificável, a criação desse já citado critério (de racionalidade) que permite, na teoria, descartar falsas ideologias libertaristas. Reside, portanto, a meu ver, na ciência, principalmente a popperiana (que não se baseia num realismo ingénuo, como a dos neo-positivistas, mas também não recai na infinita “multiplicidade de olhares”), a função de determinar aquilo que pertence ou não a uma escala de Valores instituída com visão única na Liberdade.
Porém, a constituição de uma ciência contemporânea, conhecida por pós-modernismo, vem abalar toda a presunção de uma objectividade moral, pelo menos se nos propusermos a aceitar o que foi dito anteriormente.
Acredito, no entanto, que a ciência pós-moderna se baseia num grande mal-entendido. É que dizer que o Homem se move por um conjunto de factores inúmeros que se movem uns pelos outros num suposto “efeito borboleta” – o que acarreta, obviamente, um certo relativismo, assim como o tratamento das ciências sociais e humanas no prelo de um estatuto autónomo – não é o mesmo que dizer que o Homem está preso a uma máquina de indeterminismo. Ou, traduzindo numa linguagem “quântica”: dizer que existe um incomensurável conjunto de colisões entre partículas, não completamente mensuráveis pelo homem (sem que o mesmo altere esse mesmo estado cinético), não significa que não exista um limite virtual para o conjunto dessas colisões (futuramente mensuráveis).
Ora, se a própria evolução da ciência propõe um controlo futuro do conjunto imenso de factores que enformam o agir humano, o necessário determinismo que daqui advém acarreta a cientificação plena das temáticas sociais, o que, por si, acabará por acarretar a construção de uma criteriologia que esboce a edificação de uma sociedade aberta e de relações internacionais basilarmente morais (na mais pura das axiologias).
Somente a vontade de continuarmos a viver como “animais irracionais”, ao sabor de um certo evolucionismo retrógrado e instintivo, poderá fazer com que a “sabedoria das nações” (Beauvoir) não se delineie na plenitude. Até agora, parece que a história do Homem tem sido a história de um poderoso Id. Talvez esteja na hora de nos constituirmos como seres amplamente Humanos. Talvez esteja na hora de nos começarmos a guiar pela verdadeira Razão.
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