O artigo do Expresso de 17 de Junho de 2010 intitulado “Muitas vagas, pouco emprego” termina com a referência ao ministro Mariano Gago, relativa à necessidade – segundo o próprio – de termos dois milhões de licenciados em Portugal e relativo ao facto de que “quem completa uma formação superior tem mais facilidade em encontrar trabalho, fica menos tempo no desemprego e ganha bem mais do que quem tem habilitações inferiores”. Ora, tendo em conta a realidade com que todos os dias me deparo, questiono tanto a coerência quanto a lucidez mental de Mariano Gago.
Realmente é certo que os outros países europeus possuem 20% de licenciados, enquanto que nós nos mantemos pela metade dessa quota. Mas, também esses mesmos países possuem a capacidade para fomentar a criação de necessidades de mercado ao nível do número de licenciados. Ora, visto que o nosso país tem uma qualidade débil na criação de projectos e de novos postos de trabalho, e visto que o empreendedorismo é totalmente parco neste nosso país onde todos se encostam, perguntaria como é possível afirmar aquilo que Gago afirma. É que pouco interessa estar a formar licenciados ao nível dos outros países europeus, se as necessidades de mercado não acompanharem também a evolução económica desses mesmos outros países da Europa.
Tendo em conta que a evolução do mercado em Portugal se faz com uma lentidão sem paralelo, também a criação de vagas no ensino superior – assim como a criação de novos cursos – se deveria fazer com a mesma lentidão. Mas, na realidade, as vagas e os cursos criados, principalmente os do ensino privado, obedecem a uma lógica de corporativismo, sendo que os interesses existentes – em grande parte económicos – fazem com que os cursos estejam criados mais para os professores e as instituições do que para os alunos.
Falta rigor! Falta transparência! Falta imparcialidade na avaliação dos novos cursos! Falta, sobretudo, o realismo relativo aos milhares de licenciados no desemprego (lá vão fazendo os seus mestrados e doutoramentos, muitas vezes alimentando-se financeiramente à custa de bolsas atrás de bolsas) e relativo à recusa de emprego por “excesso de habilitações”. E falta termos um ministro que veja o país “real” que temos, e que não permaneça incompetentemente a falar de um “over the rainbow” que só o Governo consegue ver.
Publicado em "A carta da semana", no 'Expresso' de 24/07/2010