Parece que já tudo foi dito sobre a crise e a situação económico-financeira desta nossa pobre nação. Todos vituperam e todos receitam soluções. E, não bastasse a Economia ser uma temática de tão complexos detalhes e inumeráveis explicações do tipo “ciclo vicioso”, também as ciências política e sociológica parecem com aquela ter inumeráveis ligações difíceis de descortinar. É pena que a teoria subjacente à “Intelligentsia económica” tenha estado a ser tão pouco aludida e tão descaradamente negligenciada pelos profissionais e intelectuais da área.
Há coisas do campo da epistemologia científica que importam ao reino da Economia. Importa, por exemplo, clarificar se a ciência económica é do tipo “exacta”, com uma capacidade mínima de previsão, ou se, à semelhança da História e de uma certa sociologia, é do tipo “social”, onde pode abundar o conjunto de imprecisões capazes, em última instância, de uma aproximação a um certo tipo de relativismo pós-moderno.
A julgar pelos diálogos entre os economistas a propósito da crise portuguesa e da crise internacional, mais parece que a ciência económica parece indissolúvel do “Caos” financeiro dos mercados. Este “relativismo” é visível até na forma como as “ideologias económicas” são defendidas. Por exemplo, com a crise internacional de 2008, houve, nesse mesmo ano, quem defendesse o keynesianismo como a solução para a crise do capitalismo anglo-saxónico. Os liberalistas, entretanto, defenderam-se com a “teoria dos ciclos económicos”. Com a resolução parcial da crise americana e o agravamento da crise europeia, parece que volta a haver uma defesa do neo-liberalismo e uma regressão defensiva das teorias de Keynes e dos “excessos” do Modelo Social Europeu...
A questão das ideologias remete-nos para o campo do dogmatismo e este para o terreno do relativismo e do acientificismo. Por exemplo, os teóricos da London School of Economics foram grandes críticos das “falsas” ideologias, perigosas por se confundirem com a ‘Verdade’ das ciências. Popper critica o ‘socialismo científico’ do marxismo e Hayek, o pai do neo-liberalismo, apresenta o “planeamento central” e a “estatização” como males basilares dos colectivismos ditatoriais, tanto o socialismo como o fascismo (este outra forma de “socialismo”...). Em particular o autor de “O caminho para a servidão”, em conjunto com outros liberais, como Milton Friedman, os quais viriam a ser conhecidos como a “escola de Chicago”, advoga como caminho para a democracia o mercado de livre iniciativa, a competitividade e a privatização. Este viria a ser até anunciado como a nova forma de democracia, pendente enquanto “fim da história” (Fukuyama), com a queda do socialismo enquanto sistema, em finais dos anos 80.
Ora, tendo necessariamente em conta certos critérios como princípios de “demarcação científico – não científico” (Popper), necessários à aproximação da Economia à categoria de verdadeira ciência (e ao afastamento relativamente às ideologias dogmáticas e pré-científicas) – sendo esta uma condição da edificação de fórmulas bem sucedidas de “bem estar económico” das civilizações e da diminuição do grau de “incerteza” relativista que permite a corrupção e a libertinagem de políticos mal intencionados –, é certo que a ciência económica propriamente dita parece mais próxima do pragmatismo neo-liberal do que do keynesianismo ou da ideologia socialista (ou mesmo do “socialismo de mercado” ou da “terceira via” de Anthony Giddens). Segundo Guy Sorman, mesmo fazendo uso de meios mais cruéis, os resultados do neo-liberalismo apontam este “capitalismo” de “mercado livre” como solução para a crise financeira e para a criação de um Estado mínimo (subjacente à ideia de que é impossível haver saúde, educação e segurança social acessíveis às classes sem haver riqueza).
Por mim, acredito que, em específico, certos luxos do Estado Social português, como as mordomias da Função Pública, não se coadunam com o Estado mínimo. Aliás, enquanto alguns ganham ordenados milionários e têm direito a subsídios de férias e de Natal, enquanto que outros não possuem quaisquer direitos, é impossível falar de igualdade e é impossível continuar a falar por muito mais tempo, por exemplo, de Educação gratuita ou da sustentação de um Serviço Nacional de Saúde.
Mesmo constituindo o pesadelo da “esquerda”, e admitindo a necessária mudança estrutural do paradigma cultural e psicanalítico de Portugal e do seu povo (o que inclui o aumento do espírito de combatividade e de autonomia e a perda do espírito do “coitadinho”, todos estes dependentes de uma evolução assaz prolongada na matriz da estrutura educacional e intelectual dos portugueses), acredito que só um conjunto de estratégias verdadeiramente neo-liberais (incluindo o ganho de vencimentos variáveis segundo a produtividade), desde que éticas e centradas na qualidade de vida da Pessoa (não queremos o capital pelo capital), pode salvar o nosso país e manter a mínima (porque “absoluta” é impossível) “igualdade de oportunidades”: educação obrigatória, saúde básica, qualidade de vida básica e segurança social tendencialmente gratuitas para os escalões economicamente mais baixos da sociedade classista portuguesa.
Publicado no jornal 'As Artes Entre As Letras', dia 15/12/2011
Publicado no jornal 'As Artes Entre As Letras', dia 15/12/2011
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