quarta-feira, novembro 29, 2006

Fisioterapia e a “Caixa da Previdência”

Dias bem negros se aproximam dos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas será que serão assim tão negros?... Dias bem complexos irão ser os dos utentes da “Caixa da Previdência”, mas não serão dias necessários?... Questões que vão surgindo na nossa mente, questões sem resposta a curto prazo, mas a que a conjuntura rapidamente responderá num curto termo. Refiro-me fundamentalmente à virtualidade de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia nas clínicas particulares. Refiro-me a essa tão grande transformação, a essa tão grande revolução que parece ser inequivocamente irreversível (e necessária).
Questão: quais são as desvantagens directas e aparentes decorrentes do facto de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia em clínicas privadas? A desvantagem directa prende-se com todos aqueles que necessitam destes cuidados e não têm forma alguma de o pagarem pelos seus meios. O outro grande inconveniente prende-se no futuro profissional dos profissionais de saúde e reabilitação. Que será dos profissionais que trabalham nas clínicas fortemente dependentes do dinheiro das credenciais do Estado?... Provavelmente, muitas cabeças irão rolar...
Questão: quais as vantagens, eventualmente menos aparentes, decorrentes do facto de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia em clínicas privadas? Na verdade, as vantagens são muitas; a realidade é a de que aquilo que parece vir a ocorrer em termos das comparticipações afigura-se como a única solução credível para o desenvolvimento dos serviços de saúde e para colocar termo à iniquidade das clínicas que por aí abundam.
Se a fisioterapia deixa de ser paga pelo Estado, concebe-se que toda aquela parte do povo mais jovem e bem provido financeiramente que usa e abusa das credenciais passe a pagar pela sua saúde. É a lógica absoluta a funcionar: as pessoas pagam pela saúde a que têm direito... tal como acontece no contexto de tantos outros serviços de saúde, de tantos outros países ocidentais. Concebe-se que muitos destes utentes passem a comportar-se como utilizadores responsáveis dos serviços de saúde e como “clientes” que exigem resultados em termos terapêuticos, e não a prossecução infindável de tratamentos sem qualquer eficácia (ou de eficácia efémera).
Por seu lado, as clínicas deixarão de perspectivar os fisioterapeutas (assim como outros profissionais) como trabalhadores manuais que vão servindo a manchete do sistema, fingindo que tratam doentes, quando na realidade estão apenas a “dar de comer a vários porcos e galinhas, que teimam em encher a quinta”. As clínicas terão de apostar na qualidade e não na quantidade. E aí, a inteligência e a capacidade do terapeuta passarão a contar! Aí, passará a haver um verdadeiro clima de necessária competitividade, em termos de qualidade, em termos das diversas clínicas existentes e dos profissionais que lhes dão nome. Aí, a saúde passará a constituir um terreno em que será exigida qualidade, e em que a relação custo-benefício será verdadeiramente levada em linha de conta. E os bons profissionais que necessariamente demarcarão os seus lugares nos serviços competitivos terão, logicamente, de ser reavaliados em termos das suas qualificações e rendimentos.
Só espero que aquela massa de utilizadores do SNS que não tem realmente dinheiro para pagar a fisioterapia possa ter acesso à fisioterapia do Estado, realizada com qualidade e entre-ajuda, nos hospitais e centros de saúde.
E só espero que, de uma vez por todas, este Governo se lembre de apostar nos cuidados preventivos e numa abordagem de cerne comunitário e de perfil preventivo. Já está na hora de apostarmos fortemente nos cuidados primários em centros de saúde.
Nota: texto publicado em Cartas ao Director do Público, dia 03/12/2006

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