sábado, fevereiro 24, 2007

Assédio moral nos fisioterapeutas portugueses

É sobejamente conhecido que, no nosso país lusófono, a vida de um fisioterapeuta não é fácil. Temos as questões da autonomia profissional, do reconhecimento pelos pares, do prestígio junto dos doentes e comunidade em geral, etc. Mas se há algo de que os fisioterapeutas não têm falado muito, mas penso que permanece silenciosamente como um assunto que a todos interessa, é da questão do assédio moral.
O assédio moral, também conhecido por mobbing ou terrorismo psicológico, constitui um fenómeno de contexto laboral de grande importância. Quantos fisioterapeutas não são constantemente fustigados pelos colegas, pelos responsáveis, ou por profissionais de outras áreas (como os médicos)? Quantos fisioterapeutas não são privados da sua autonomia – chegando a ser apelidados de incompetentes – pelos próprios colegas ou pelo coordenador de serviço ou mesmo pelo médico fisiatra que se acha dono e senhor da vida do doente? A resposta a estas perguntas permanece num terreno obscuro, apesar de todos pressentirmos que os diferentes tipos de assédio moral são bem comuns na vida dos fisioterapeutas.
Ainda me lembro – e seria impossível esquecer – do tipo de assédio a que fui sujeito no serviço de fisioterapia do Hospital Cuf Infante Santo, local onde as terapeutas mais velhas – serão mais idóneas pelo simples facto de possuírem mais experiência? – desprezavam e maltratavam os terapeutas com menos idade. É impossível esquecer o carácter quase psicótico que uma certa terapeuta coordenadora possuía, sendo que a mesma era inclusive capaz de enxovalhar um terapeuta à frente do próprio doente. Eu fui vítima de muitos desses maus tratos por parte das coordenadoras do citado serviço. E no dia em que uma dessas velhas senhoras tentava controlar desenfreadamente o meu trabalho – assumindo uma posição de controlo dos meus doentes, das suas idas e das suas chegadas – disparei numa reacção abrupta mas justa. Isso levaria a que eu fosse alvo de acusações de falta de profissionalismo e falta de ética. Ninguém me apoiou e todos esconderam a “face da verdade” no momento chave. Pudera... o serviço era caracterizado pelo medo!... Tudo isto levou a que não quisesse continuar a trabalhar em tal local. E provocou certas feridas que duraram a passar.
Quantos mais fisioterapeutas viverão situações semelhantes? Quantos dos nossos colegas não sofrerão de forma silenciosa? Quantos dos terapeutas não viverão em situações laborais radicais, sendo que se mantêm a trabalhar nesses mesmos meios pelo simples facto de não conseguirem emprego em qualquer outro lugar?... Penso que muitos!!! E é por isso – a objectividade total em ciência é impossível – que escolhi como tema de tese do meu mestrado em “Psicologia, desenvolvimento sensorial e cognitivo” o seguinte: “Assédio moral (mobbing) nos fisioterapeutas portugueses: Identificação do fenómeno e das consequências cognitivo-emocionais”. Com este estudo, visarei não só identificar e caracterizar o fenómeno junto dos fisioterapeutas portugueses, como tentarei estudar as estratégias cognitivas arroladas pelos mesmos para fazer com que seja evitado o processo de “dissonância cognitiva”. Em breve, falarei mais deste tema. Em breve, será um dos grandes temas da minha vida!...

De Mézières a Souchard: percursos históricos dos métodos de reeducação postural

(Publicado na Saúde Actual, Março-Abril 2007)
Os métodos de fisioterapia de Reeducação Postural podem ser categorizados, em termos de uma adequada historiografia geográfica, em dois grandes tipos: os métodos francófonos e os métodos anglo-saxónicos.
Aqui em Portugal parecemos estar mais familiarizados com os métodos francófonos, enquanto que a técnica Alexander, o Rolfing (Rolf) e a metodologia dos “Trilhos anatómicos” (Myers) têm interessado fundamentalmente os terapeutas e osteopatas britânicos (referimo-nos, portanto, a métodos anglo-saxónicos).
Pouco conhecido e frequentemente caricaturado, não podemos deixar de considerar o método Mézières como o método primacial de reeducação postural, pelo menos no mundo ocidental. Este mesmo método foi implementado de forma algo silenciosa pela fisioterapeuta Françoise Mézières, aquando das suas observações iniciais de doentes com graves deformidades posturais.
A descoberta de um conjunto de novas leis fisiológicas que servem de base ao método possui uma história que cada mézièrista conhece bem...
Mézières conta: “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947 nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba “cifose”, nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas...”. Esta mesma doente encarna o espírito de investigação com base na prática de observação naturalista. Foi por meio da observação que foi possível verificar o funcionamento da musculatura encurtada num cerne de globalidade que, mais tarde, viria a ser conhecido como “cadeia muscular”. Assim sendo, os dois grandes princípios do método estavam à vista: (1) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo, uma cadeia muscular, e (2) ela é sempre forte, curta e potente de mais, por constituir uma cadeia de músculos responsáveis pela rectificação postural.
O método Mézières põe em evidência o facto de que, derivado do reflexo anti-álgico à priori (que reflecte o conjunto de compensações e torções que o corpo assume aquando do aparecimento de determinada dor e/ou alteração estrutural), o corpo deforma-se sempre através dos mesmos mecanismos: encurtamento da musculatura posterior do corpo (lordose), rotação interna dos membros inferiores (derivado da relação entre o diafragma encurtado e o músculo psoas-ilíaco) e o bloqueio diafragmático em inspiração (o diafragma é um músculo lordosante, relacionado com o conjunto das massas musculares posturais).
O tratamento segundo o método Mézières consiste precisamente no denominado tripé de Mézières: deslordose, expiração e desrotação. Ou seja, assenta no princípio fundamental de alongamento global da cadeia muscular posterior e da cadeia diafragmática e outras com a primeira relacionadas. O alongamento global referido consiste na realização de posturas de estiramento abrangente, mantidas por tempos prolongados, sendo que esta necessidade advém do facto de a musculatura postural ser extremamente resistente.
É preciso entender que, segundo os princípios do método Mézières, tudo está dependente da cadeia posterior e todas as retracções e deformidades advêm do encurtamento da citada cadeia, sendo que, muitas vezes, o diafragma medeia o transporte de retracções e/ou compensações para outros conjuntos musculares (a cifose poderá ter origem neste tipo de processo).
Ora, se esta mesma “revolução na ginástica ortopédica” se apresenta como extremamente purista e parcimoniosa, o mesmo já não se pode dizer de todos os outros métodos que evoluíram a partir de Mézières. O método das “Cadeias Musculares e Articulares” de Godelieve Denys-Struyf é provavelmente aquele que mais acrescentou a Mézières em termos da riqueza de conceitos e descrições; por outro lado, a referida autora é extremamente fiel ao método original, sendo que o seu próprio método é mais uma interpretação globalista de tipos posturais, e não uma genuína técnica de tratamento. Os métodos de grupo como a antiginástica, de Thérèse Bertherat, pelo simples facto de não constituírem métodos individuais, pecam já bastante no respeitante à noção de panteísmo dos princípios mézièristas. Mas a grande traição dos princípios de Mézières advém de quando os diferentes autores deixam de perceber que o conjunto das diversas “cadeias musculares” por eles identificadas, não passam de um prolongamento de uma só cadeia muscular: a cadeia posterior.
Assim sendo, os métodos do Stretching Postural (Moreau) e da Reconstrução Postural (Nisand) esboçam as primeiras tentativas de construção de ginásticas de alongamento global do corpo, mas ninguém teria tanto sucesso na construção de um novo método como Philippe Souchard. Este fisioterapeuta, o qual ensinou o método Mézières durante anos a fio, pode ser congratulado por ter dado a conhecer ao mundo o conjunto dos métodos de reeducação postural, e, se em Portugal a ignorância ainda é muita, em muitos países é famosa a Reeducação Postural Global (RPG), assim como o seu “filho grupal”, o Stretching Global Activo (SGA).
Souchard foi inteligente no processo de “venda” do seu método, apesar de não ter tido a coragem para o apresentar ao mundo antes da morte de Mézières... As oito posturas de alongamento global do RPG (postura base de avaliação, rã no chão com e sem abertura de braços, rã no ar com e sem abertura de braços, postura dançarina, postura sentada e postura de pé contra a parede) apresentam-se como posições inteligentes e atraentes (e sobretudo como posições estandardizadas que levam a pensar que o alongamento não poderia ser feito de outro modo...). Para além disso, esquece um pouco o princípio da deslordose, trabalhando com a coluna neutra em muitas posturas nas posições de pé e sentado, o que, para alguns, é sinónimo de inovação. Mas diga-se de passagem que tudo o que Souchard tem escrito nos seus livros pouco acrescenta àquilo que foi afirmado inicialmente por Mézières. A constatação da existência de “diversas cadeias musculares” (o método de Souchard fala das seguintes cadeias: respiratória, posterior, cadeia antero-interna da anca, anterior do braço e antero-interna do ombro) não tem sido entendida como errática, pois existe uma certa tendência para compartimentar e dividir aquilo que, no fundo, é global e indivisível.
Ainda assim, o RPG e o SGA apresentam-se como métodos brilhantes no respeitante à forma de ver o sistema músculo-esquelético, assim como o conjunto das funções hegemónicas do corpo, e no afirmar de princípios elementares de trabalho postural como o alongamento a frio por longos períodos de tempo, sempre respeitando o tensionamento em “campo fechado”.

Diferenças entre Mézières (M) e Souchard (S)
Papel do doente: M - fundamentalmente passivo; S - fundamentalmente activo
Contexto: M - individual; S - individual ou em grupo
Alongamento: M - parcelar em cadeia; S - global em cadeia
Cadeias musculares: M - cadeia posterior e respectivas extensões; S - várias
Coluna: M - deslordosada; S - Neutra nas posturas de "bailarina" e "sentado", Deslordosada em D.D. e de pé.
Trabalho abdominal: M - só abdominais superficiais; S - abdominais sup e profundos (ex. transverso)
Semelhanças e diferenças (entre Mézières e Souchard) em imagens (exemplos)
Postura Mézières
Vs.
Rã no ar (Souchard)
Postura sentada (Mézières)
Vs.Postura sentada (Souchard)

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Grupo de interesse

Há uma necessidade crescente de juntar os profissionais de fisioterapia, criar grupos e/ou coligações. A área da Reeducação Postural está a pedir a criação de um grupo de interesse. Gostaria que este blog funcionasse como porta de entrada para a criação de tal ajuntamento. Sugiro que os interessados visitem o Hi5 e se inscrevam no grupo "Reeducação Postural" (secção Saúde e Bem estar). Têm, obviamente, que iniciar-se pela inscrição no Hi5, algo completamente gratuito. Como desejo que os fisioterapeutas comecem verdadeiramente a mobilizar-se no sentido de se criar tal grupo.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Holmes Place e outras indústrias do fitness

Nunca tanto como agora se deu relevo à importância de se possuir um bom corpo, treinado inexoravelmente nas melhores academias ou ginásios de fitness. Aliás, o número de adeptos de diversas modalidades “desportivas” cresce exponencialmente. E com o número de adeptos cresce também o número de utilizadores dos ginásios, centros de treino polivalente.
Acontece, porém, que grassa neste mundo dos ginásios um conjunto prolixo de cabalas e “ilusões de alma” (palavras camonianas), que muitos temem em revelar.
Certos ginásios, como o Holmes Place, funcionam de um modo moralmente perturbante, desde o momento da inscrição no mesmo até ao momento em que utilizamos e vivenciamos os seus serviços.
Recentemente senti a necessidade de me inscrever num ginásio Holmes Place. Rapidamente me dirigi a um desses ginásios com vista a ser informado das condições de prática desportiva. Poucos imaginam que, a partir do momento em que entramos no ginásio, estamos condenados a ser aspirados pelo marketing mais enganoso possível de existir. Os funcionários do ginásio, vestidos a preceito e donos de uma invulgar e (diga-se de verdade) “falsa” simpatia, fazem com que tenhamos de esperar por um determinado funcionário. Este mesmo funcionário aparece com a sua “máxima” simpatia e apresenta-nos à força as condições do ginásio, extrapolando as vantagens da adesão como sócio. Depois de apresentados os preços de admissão, fazem com que assinemos um papel de inscrição, o qual dará poder à empresa para retirar determinado valor à nossa conta bancária.
Perpetrada a adesão, surge o tempo de utilização dos serviços. Deus nos salve do que encontramos. Dentro dos ginásios Holmes Place vigora a lei do disfarce, da falácia psicológica. Os instrutores estão todos vestidos da mesma maneira, parecem autómatos com o mesmo pensamento e exactamente a mesma forma de agir, e passam todo o tempo a vender os serviços de personal training. Estes mesmos treinadores pessoais mais não passam de robôs de trabalho de baixíssima qualidade, uma espécie de criados dos senhores da alta sociedade; transportam os seus clientes numa bandeja de ouro, submetendo-os aos pseudo-treinos, os quais estão imbuídos da mais espúria qualidade de trabalho. Enquanto fisioterapeuta que sou, profissional de saúde e motricidade, vejo todos os dias serem cometidos erros escabrosos em termos de saúde do sistema músculo-esquelético. E todos esses erros são acometidos compulsivamente nos ginásios, e isto com a total cumplicidade dos instrutores. Como é possível que estes mesmos instrutores tenham o usufruto de ganhos financeiros astronómicos com tal qualidade de trabalho (alongamentos fora do alinhamento, actividades aeróbias exageradas ou mal adaptadas, conselhos desapropriados sobre saúde)?...
E pretendem os ginásios que em breve as pessoas possam treinar sem necessitarem de apresentar declaração médica... Não se cometa tal erro legal! Os instrutores de fitness desejam ser profissionais de saúde mas não possuem competências para tal. Não possuem sequer um tipo de raciocínio bio-psico-social adequado. Enquanto fisioterapeuta, com um número incomensurável de formações e pós-graduações, vejo todos os dias o meu tipo de trabalho ser feito no ambiente gímnico por pessoas sem formação adequada. A verdadeira fisioterapia age enquanto ciência da motricidade, realizada por profissionais que têm sido referenciados como “engenheiros do movimento”. Mas infelizmente não é assim que as pessoas representam socialmente tais profissionais. Daí sermos mantidos numa margem negra, acometidos pelos condicionalismos financeiros mais ubíquos e inaceitáveis.
Voltando ao Holmes Place, devo dizer que as aulas de fitness são de uma qualidade inexistente. Os profissionais passam metade do tempo a realizar operações de charme e de “venda” da actividade. Gastam todo o seu esforço em falsas simpatias e depois, quando chega a hora de fazermos a aula, deparamo-nos com aulas vazias de conteúdo, fracas, verdadeiramente fracas em metodologia e calor humano. E não vale a pena fazermos o mesmo tipo de aulas com outros instrutores, pois estes agem todos da mesma maneira, como se não existisse autonomia ou liberdade individual. E o pior de tudo é que grassa no Holmes Place um conjunto imenso de regras, sendo que uma delas nos impede de sair a meio de uma aula. Ou seja, entrando numa aula estou impedido de sair a meio dela, e se o fizer estou condenado a não poder repeti-la.
Perante este esquema decidi-me pessoalmente a acabar com a minha adesão ao ginásio. Deus livre as pessoas do engodo. Deram-me a perceber que aquilo que tinha assinado inicialmente era um contrato de um ano. Ou seja, supostamente vou ser forçado a pagar e a sujeitar-me ao Holmes Place durante um ano inteiro, sem possibilidades de sair da ratoeira. As letrinhas praticamente impossíveis de ler na parte de trás do contrato a isso me obrigam.
O Holmes Place, assim como outras grandes indústrias do fitness representam uma verdadeira cabala, um verdadeiro artifício para as nossas almas. É uma verdadeira máquina de fazer dinheiro, de forma totalmente arrivista. Entre todos os interesses e acordos que este ginásio possui com outras grandes indústrias quem nos protege destas cabalas?