Em diferentes culturas, a capacidade de força muscular é vista de diferentes maneiras, com base em conceitos dissemelhantes. Afinal de contas, não é muito difícil de perceber que a força envolvida nas artes marciais, nomeadamente a força explosiva, é diferente da força envolvida no treino de um culturista (treino de hipertrofia muscular); a força de um ciclista que sobe a montanha (resistência muscular) é obviamente diferente da força do halterofilista que eleva uma grande quantidade de peso acima dos seus ombros (potência muscular). E se todas estas formas de força compreendem o conjunto de actividades que integram a utilização de contracções musculares completas, inclusivas de uma fase de aproximação das inserções musculares (contracção concêntrica) e de uma fase de afastamento das inserções musculares (contracção excêntrica), o que diremos daquelas actividades que empregam contracções sem movimento aparente (contracções estáticas), como ocorre no Yoga?...
Parecem possuir vantagens distintas as actividades em que é mantida a realização de posturas de força mantida e resistente, somadas ao alongamento global de determinadas cadeias musculares. Só através deste tipo de actividades é possível empreender um trabalho muscular inclusivo das massas musculares profundas, grupos musculares com uma grande importância na estabilidade central do corpo e no controlo postural.
Neste contexto, de forma mais ou menos intuitiva, no início do século XX, um homem chamado Joseph Pilates viria a criar um sistema de exercícios que teria como principal objectivo o treino da força muscular profunda. Este homem não tinha qualquer tipo de formação na área da saúde, mas demonstrou-se extremamente intuitivo no momento de criar um conjunto de exercícios com uma série de vantagens para as mais dissemelhantes pessoas.
Joseph Pilates permitiu que o seu sistema de treino atravessasse o oceano atlântico, tendo criado estúdios na América e permitido a criação de uma linhagem extensa de alunos e discípulos. O método Pilates viria a obter um extenso sucesso, sendo que se tornaria provavelmente o mais famoso método de fitness. Interessou a bailarinos e, mais tarde, a fisioterapeutas e professores. Manteve-se na mira dos sérios praticantes de exercício físico, inclusive famosos actores e personalidades públicas, ao mesmo tempo que a prática de levantamento de pesos em ginásios mantinha o seu estatuto de desporto de cadastrados e dissidentes.
O método Pilates veio a tornar-se uma verdadeira compulsão da moda, sendo que, ainda actualmente, apresenta-se como um método vistoso, de natureza quase esotérica e milagrosa. As pessoas advinham no método uma espécie de panaceia do total bem estar físico e espiritual, para além de verem nele a resolução única dos seus problemas. É, provavelmente, mais um efeito perverso do diabólico marketing.
Ao contrário do que se poderá pensar, o método Pilates não é necessariamente a melhor solução para os problemas de coluna. Aliás, quando nos referimos a “problemas de coluna”, podemos estar a incluir inúmeras condições clínicas, sendo que algumas dessas situações podem não ganhar, mas sim perder, com a prática de Pilates.
Por outro lado, a melhor virtude do Pilates não tem sido suficientemente aludida pelos profissionais. Trata-se precisamente da possibilidade de realização de um treino de força profunda, de natureza estática a nível abdominal e excêntrica a nível periférico, fazendo com que exista uma melhoria da estabilidade corporal sem que se verifique um necessário aumento de tensão.
A prática de musculação leva irremediavelmente à perca da flexibilidade, seja porque a prática é feita com posturas impróprias, seja porque inclui a utilização de cargas extremamente elevadas que sobrecarregam o trabalho muscular na fase de aproximação das inserções do músculo. Digam o que disserem alguns autores de livros de musculação/culturismo, a perda de flexibilidade no treino de pesos compreende uma realidade insofismável. Para além disso, o treino de cargas tende a perpetuar ou fixar os desequilíbrios posturais previamente existentes.
A utilização de pesos, tanto em fitness como em fisioterapia, é extremamente comum, mas releva de alguma ignorância profissional. O treino de força deveria ter sempre uma componente funcional, com atenção especial ao controlo motor. Daí que os fisioterapeutas só deveriam utilizar terapias de força com base no treino excêntrico, mediante a realização de actividades lúdicas e que envolvam especial controlo neuromuscular (como já vai sendo feito no seio das terapias neurológicas).
Já na antiguidade grega, o corpo, considerado uma forma ideal, símbolo de valor e juventude, constituía um pleno de beleza e vitalidade, com massas musculares moderadas e proporcionadas. Mesmo Miguel Ângelo, no renascimento, viria a idealizar o corpo como uma estrutura de grande densidade central, pleno de força, energia e flexibilidade, com a presença de massas musculares salientes mas não exageradas.
O método Pilates possui a inaudita vantagem de permitir o treino de força em posições de alongamento, com controlo do centro abdominal e coordenação permanente da respiração. Baseia-se fundamentalmente em exercícios de controlo central do tronco, sendo que se aproxima de certos dados da fisioterapia neurológica, segundo os quais sem estabilidade central (do tronco) é impossível obter estabilidade proximal (dos membros) e sem esta é impossível obter mobilidade periférica (das extremidades).
Não é, contudo, isento de perigos e/ou inseguranças. Comummente, diversos instrutores de Pilates, de diversas escolas e/ou tradições práxicas, abusam na realização dos exercícios, sobrepujando o esforço abdominal dos praticantes. Se o treino abdominal profundo, nomeadamente do músculo transverso abdominal e do diafragma pélvico, permite a estabilização fisiológica da coluna, se realizado com moderação e sensatez (sem a presença de compensações musculares), o mesmo treino, se for realizado com esforço acrescido, poderá levar ao arqueamento da coluna e à solicitação de uma série de músculos que não interessa esforçar (é o caso da musculatura paravertebral extensora da coluna).
Um dos objectivos da existência de uma musculatura abdominal profunda resistente consiste na possibilidade de evitar a utilização da musculatura paravertebral na realização de uma série de actividades que exigem equilíbrio. Porém, o treino sobrepujado dos abdominais leva a que a coluna seja utilizada como ponto móvel no exercício, ao invés de se manter como ponto fixo. A utilização da musculatura extensora leva a que a lordose ou retracção da cadeia muscular posterior, principalmente da região tóraco-lombar da coluna, aumente ao ponto de se fixar numa postura extensora. Assim sendo, o método Pilates, se utilizado com exagero e/ou fraco controlo leva à criação de uma postura anormal, muitas vezes confundida com uma boa postura, pelo facto de a pessoa estar aparentemente mais “direita” ou menos “corcunda”.
A permanência de um tipo de postura extensora, seja ela atitudinal ou estruturada, é muito comum nos instrutores de fitness. Segundo a perspectiva de Godelieve Denys-Struyf, a escolha deste tipo de atitude favorece a ideação e a acção, “fazendo dela uma estrutura que procura prever e garantir um certo controlo sobre os acontecimentos, pelo saber e pelo poder”. É, portanto, uma atitude de defesa corporal, muitas vezes difícil de desbloquear, mesmo através do alongamento global progressivo.
Para mim, a prática de Pilates deveria ser feita sempre com a coluna lombar completamente apoiada, ao invés do que muitas escolas de Pilates tendem a advogar (nomeadamente, a utilização de uma posição neutra da coluna). O apoio total da coluna facilita a compreensão do controlo do centro abdominal, para além de permitir evitar a manutenção de uma postura anormal.
A prática de Pilates apresenta-se, assim, como especialmente vantajosa, mas apenas se mediada por um instrutor sensato e relevantemente formado, que consiga atender às diferenças posturais e comportamentais das diferentes pessoas. Como tal, resta dizer que um bom instrutor de Pilates ou, em geral, de fitness, não é necessariamente o melhor modelo, aquele que faz melhor os exercícios; é sim aquele que faz com que as pessoas, essas sim, façam bem os exercícios e consigam obter as sensações óptimas inerentes aos mesmos.