sábado, maio 10, 2008

O fitness e "A sociedade de espectáculo"

Iniciei os posts deste ano de 2008 com uma reflexão sobre as diferenças entre a "forma" e o "conteúdo". Tenho, muitas vezes, defendido que vivemos mergulhados num mundo feito "forma", numa sociedade marcada flagrantemente pela perspectivação imagética de incomensuráveis ilusões. As minhas ideias sobre a "alienação" dos indivíduos relativamente à "sociedade industrial" em que vivemos não são completamente originais (será que ainda há ideias originais?...), sendo que podemos encontrar ideias limítrofes nos diversos pensadores neo-marxistas como os da escola de Frankfurt; assim, são bem conhecidas as reflexões de Horkheimer e Adorno sobre as "Indústrias culturais", as ideias de Walter Benjamin sobre a "cultura de massas", e as reflexões posteriores de Habermas sobre as "estruturas económicas da sociedade, num sentido filosófico". Convido qualquer um a ler textos ou obras completas destes diversos pensadores, os quais facilitam a nossa compreensam daquela que é uma sociedade regida pelo poder da "ilusão". Podemos, igualmente, referir autores mais recentes como Ortega Y Gasset ("A rebelião das massas"), Jean Baudrillard ("A sociedade de consumo") e Arno Gruen ("A negação do eu" e "A loucura da normalidade").
Estes autores, e respectivas obras, interessam-me no contexto específico (e no contexto deste blog) da "indústria do fitness", exemplo flagrante de uma "indústria cultural", fortemente rica em ilusões, enganos e subterfúgios científicos, mal-interpretações, entre outros epi-fenómenos. Já referi imensas vezes as minhas ideias sobre a "falácia do fitness", a "falácia da actividade desportiva", enquanto "falácia da saúde", num contexto propriamente músculo-esquelético e especificamente postural em textos como a "Indústria do fitness: a falácia da nova medicina" (publicado no Público e neste blog) e "A indústria do corpo e a sociedade de consumo" (publicado no Expresso e também neste blog). Aliás, no texto "Do fitness e outros demónios" (igualmente publicado aqui no blog) explico delongadamente a forma como a teoria fundamental do método Mézières (e as outras da Reeducação Postural) permite a construção de uma nova "ideomática do treino" ou "modificação no método desportivo" ou "revolução na metodologia do treino". Resumidamente, defendo que o fitness se baseia em estudos científicos que não demonstraram que a saúde está realmente em causa, para além dos efeitos mais encurtados das funções corpóreas; ou seja, não conhecemos verdadeiramente o efeito a longo prazo da prática desportiva, mas temos ideias que nos levam a assumir que a prática desportiva intensiva e prolongada está associada a uma alta incidência de lesões. Defendo, igualmente, que a cultura de treino actualmente existente só faz sentido numa sociedade obcecada com o "protótipo estético" e o "paradigma deiético". É a sociedade consumida por uma espécie de sonho dionisíaco, no sentido mais nietzschiniano possível.
Mas o fitness enquanto "indústria cultural" consiste igualmente no simples facto de se revelar constantemente como um negócio, altamente estruturado, barbaramente pensado, sempre no sentido de manietar as mentalidades dos "homens alienados". Portanto, o marxismo ainda faz sentido enquanto "conceito", nem que seja para deixarmos de ser tão dementes face a este "império da ilusão" que constitui o fitness. Este não deixa de estar associado fortemente ao marketing, ao economato, ao "poder da forma sobre o conteúdo".
Mas, serve este texto para referir um autor, também ele influenciado por Marx e pela escola de Frankfurt, claramente relevante para o contexto presente. Refiro-me a Guy Debord, o autor de "A sociedade de espectáculo". Ora, o conceito de "sociedade de espectáculo" de Debord encaixa perfeitamente naquilo que todos os dias vemos nos ginásios e clubes desportivos (assim como aquilo que vemos nos centros de medicinas não convencionais... mas essa é outra conversa...): o engano constante, a promoção de métodos e "actividades desportivas" que só têm "forma" e muito pouco "conteúdo". Dizia o importante teórico do Maio de 68 o seguinte: "Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se esvai na fumaça da representação". Substitua-se a palavra "sociedades" por "ginásios" e aí temos onde eu pretendo chegar.
Seja porque se fala mais do que nunca do Maio de 68, seja porque os teóricos em questão são especialmente relevantes para compreender a sociedade do hiperconsumo (Lipovetsky), leia-se especificamente Guy Debord, o grande homem da Internacional Situacionista, um homem que se suicidou em 1994, depois de anos a viver em reclusão.

1 comentário:

Alessandra Silveira disse...

Gosto muito dos artigos que você publica por aqui...


Trabalho em uma clínica de fisioterapia no Brasil e acho muito interessante o trabalho de vocês.. Mas não sou fisioterapeuta não...
;D


bom final de semana!