Muitas vezes tenho sido acusado por colegas de possuir um certo fanatismo relativamente ao modelo da Reeducação Postural. Ora, acontece que, longe de querer negar que, por vezes, sou um pouco radical, devo dizer que é bastante comum o profissional de saúde especializado funcionar segundo um modelo preciso. É que, por qualquer razão, mais de teor subjectivista do que objectivista, o proponente de determinada teoria ou modelo tende a agarrar-se a ele como se a fidelidade ao mesmo fosse a razão de ser e de se "manter" (seguro de si).
Eis que surge o momento de dizer que também eu sei e consigo atender à possibilidade de que a Reeducação Postural possa não significar a resposta para tudo. Um exemplo que considero constituir uma contra-indicação ao trabalho de Reeducação Postural é a presença de hérnia discal com nevralgia. Há uma certa tendência para a intervenção postural não abonar a favor de ciáticas ou braquialgias. E, portanto, neste domínio, acabo por preferir a realização de algum tipo de terapia manual. Por outro lado, também não há razões para negar a pertinência de imiscuir métodos diferentes ou técnicas aparentemente contraditórias... desde, claro, que não se dê "uma no cravo e outra na ferradura".
Daí dizer que há casos que, pela sua gravidade, impedem a efectuação de certas posturas, assim como, no campo neurológico, nem sempre é possível realizar uma intervenção qualitativa com base no equilíbrio, simetria e evitamento de compensações. Vejamos o exemplo de um indivíduo que possui parcas capacidades de recuperação. Ou vejamos a situação de alguém, que até possui algumas capacidades para se adaptar ao modelo de intervenção segundo Bobath, mas que, pelo facto de possuir uma certa emergência de realização de funções e de obtenção de autonomia, não pode ser incluído no nosso trabalho.
No mundo da Reeducação Postural tenho notado, por exemplo, que há pessoas que possuem certas posturas que, apesar de necessitarem de ser contrariadas, acabam por resistir fortemente a qualquer tipo de tratamento morfodinâmico. Ou seja, por vezes, encontramos indivíduos cujas estruturas são de tal forma "anquilosadas" que não é possível fazer promessas "infantis" relativamente a uma transformação postural cabal. Temos, portanto, de ser capazes de reconhecer que há situações que não podem mudar de um dia para o outro, ou que não podem mudar de todo. Tal como no âmbito psiquiátrico, não podemos esperar que uma personalidade se reestruture abruptamente, se é que não haverá casos em que é impossível obter mudanças significativas na estrutura personalística...
Há, portanto, pessoas que estarão condenadas a ganhar mais com os calores húmidos, as massagens e os medicamentos, do que propriamente com uma intervenção mais globalista. Há pessoas que se adequam melhor ao "crack" de um terapeuta manual ou de um osteopata do que propriamente ao trabalho de "libertação mio-fascial". E o que é certo é que, por vezes, há possibilidades de, arrumando os doentes nos diferentes paradigmas segundo o que vemos e avaliamos inicialmente, errarmos na escolha do modelo. Por exemplo, determinado indivíduo com grande tensão muscular e/ou escoliose pode ser visto como estando adaptado ao modelo da Reeducação Postural, mas, com a evolução de todo o processo, acabamos por perceber que as dores que a pessoa (in)suporta não justificam o trabalho que está a ser realizado. Portanto, não deixo de compreender aquelas pessoas que preferem um anti-inflamatório ou a acupunctura relativamente a um fisioterapeuta de globalidade, assim como há pessoas que reagem melhor à simples massagem do que a um trabalho de alongamento mio-fascial.
Interessa, portanto, compreender que: (1º) Não há verdades absolutas, há sim várias verdades, várias "epistemis" (Foucault) e vários "paradigmas" (Thomas Kuhn); (2º) Importa incluir o doente adequado, com a condição adequada no modelo de trabalho igualmente adequado; (3º) Tal inclusão respeita não só ao que é decidido inicialmente como no respeitante à evolução da condição, o que significa a necessidade de o fisioterapeuta (e, por isso mesmo, apenas ele...) ter de reavaliar a situação continuamente; (4º) A escolha do modelo de intervenção cabe não só ao profissional de saúde como ao doente, visto que é este que tem determinados objectivos, planos de vida, necessidades de maior ou menor autonomia e/ou expectativas determinadas; (5º) Nada impede o trabalho multimodal, com inclusão de mais do que um tipo de intervenção, desde claro que as intervenções diferentes não sejam mutuamente exclusivas (tratar uma hemiplegia com recurso a Bobath e Constraint-Induced Therapy e logo a seguir treinar a função do lado remanescente é, claro está, incoerente! Ou, por exemplo, tratar um doente com lombalgia com recurso a Mézières ou ao RPG e depois fortalecer os extensores dorsais releva-nos para o campo da incompatibilidade metodológica); (6º) Nada impede o trabalho multidisciplinar, apesar de que, a meu ver, é sempre bom quando um profissional com que o doente se identifique mais assuma o papel de protagonista do processo de intervenção.
Apesar de não deixar de ser fiel ao meu modelo, e de acreditar na possibilidade de o meu modelo explicar coisas que outros modelos não explicam, nunca poderei esquecer a "história da sangria" que me foi contada uma vez por determinado mestre: um doente do século XVIII foi tratado com recurso à sangria, tendo, mais tarde piorado. Os médicos da altura aumentaram o número de sangrias, e o doente continuava a piorar. Até que um dia o doente morreu. E o que é que os médicos concluíram? Que não realizaram sangrias suficientes!...
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