Seria assaz estranho fazer aqui a descrição de certos tratamentos segundo Mézières, em que, dentro de determinada postura, passamos a traccionar a língua ou a alongar os músculos mastigadores. Pois é certo que a fáscia que envolve o crânio e toda a musculatura externa dos olhos e face (incluindo os músculos mastigadores), assim como a língua e certos músculos internos da zona oral, perfazem uma zona "anterior" e "limite" da cadeia muscular posterior. Em especial, a língua e os músculos mastigadores fazem a ligação entre a cadeia posterior e as cadeias anteriores. Ora, o que há a tirar daqui é de extrema importância, pois leva-nos a compreender certos casos de patologia oral e dentária, certos casos de perturbação da temporo-mandibular, certos casos de enxaqueca, certas dismetrias faciais, e certas pertubações dos músculos óculo-motores, como condições que derivam da retracção das cadeias musculares.
Por exemplo, não é comum encontrar no mesmo doente perturbações da temporo-mandibular associadas a alterações da morfologia do aparelho dentário, tendência para a sinusite e o ronco nocturno. Assim como também é comum, naqueles casos tantas vezes apelidados de "síndroma da deficiência postural" (SDP), encontrar retracções ao nível do aparelho muscular mastigador, assim como alterações da temporo-mandibular e do aparelho visual; perguntar-me-ia até se o défice de convergência ocular tantas vezes referido como causa de dislexia relativamente ao SDP não estaria associado antes a um excesso muscular dos músculos óculo-motores externos... o que me leva a pensar que o alongamento global associado ao alongamento específico destes últimos poderia ajudar tanto ou mais do que a utilização de umas lentes prismáticas (as quais utilizam, de certa maneira, a modalidade "fortalecimento muscular" como paradigma...).
É uma série de conjecturas que há que ter em conta. Mas, efectivamente, já o pai da Posturologia francesa, Bernard Bricot, incluía nos seus escritos toda uma panóplia de dados relativos à "deficiência postural" associados a dados relativos às "cadeias musculares", gíria mézièrista, portanto igualmente francófona. O que sugiro é que, tal como tenho visto em muitos dos meus doentes com SDP, não é o sistema proprioceptivo e/ou neurológico que está na base do problema, mas sim o sistema miofascial propriamente dito. Pois um encurtamento (global ou local) da cadeia muscular posterior explica as alterações na tíbio-társica, as alterações a nível dos olhos, aparelho mandibular e língua. E assim também não será difícil explicar a relação entre dislexia e dificuldades na articulação verbal. Estas últimas, ao invés de serem consequentes da primeira, seriam um mero correlato delas, no sentido em que ambas as alterações derivam de certos encurtamentos musculares sinérgicos.
Uma das razões pelas quais afirmo o que afirmo é que, em vários dos meus doentes com SDP, a intervenção segundo a Reeducação Postural leva a resultados mais promissores do que a utilização mantida de, por exemplo, aparelhos dentários, lentes prismáticas e palmilhas de infra-vermelhos. Claro que podemos sempre pensar que tudo é consequência de um défice neurológico proprioceptivo, e este sim é que leva à transformação do "ecossistema muscular". Mas ponho em dúvida a possibilidade de ser tudo ao contrário... (mais uma vez, se coloca a temática de correlação vs. relação causa-efeito; muito se sabe sobre a existência de condições simultâneas: por exemplo, a patologia dentária e a patologia mandibular tendem a ser simultâneas entre si e também com a sensação de desequilíbrio, a qual tem sido associada aos problemas da temporo-mandibular... ou será que é a retracção típica da cadeia muscular posterior que, lá em baixo, causa problemas a nível da tíbio-társica?... E a problemática psiquiátrica associada a dores na temporo-mandibular? Será causa das dores - portanto psicogénicas -, ou estas serão consequência de um estado geral de insegurança que advem da condição física?... Podíamos continuar eternamente... tudo para demonstrar que, apesar de já sabermos muito sobre determinadas relações ou correlações, muitos de nós temos a tendência irritante para inferirmos de tais correlações relações de causa-efeito, quando, na realidade, não sabemos muito bem se é o ovo ou a galinha que surge primeiro...).
De uma coisa tenho a certeza: não faz qualquer sentido os fisioterapeutas de Reeducação Postural manterem-se calados relativamente a esta tão propalada condição: a Síndroma da Deficiência Postural. Os métodos de tratamento segundo Alves da Silva podem ser interpretados segundo a lógica de Mézières e vice-versa. Mas nada me leva a pensar que os mézièristas e RPGistas portugueses conhecem Alves da Silva ou que este conheça a intervenção mio-fascial global dos fisioterapeutas. O que proponho é, primeiramente, que exista aquele estado de perplexidade, que tantas vezes possuo, derivado de tantas pessoas falarem de formas diferentes dos mesmos conteúdos. Tantos significantes diferentes para o mesmo género de semântica!... isto é sintomático não só do que falo aqui como de muitas das variadas técnicas de fisioterapia (pois, muitas delas, apesar de terem sido formadas em diferentes contextos ou por diferentes especialistas, dizem praticamente o mesmo). Eis que urge a necessidade de se criar uma parcimoniosidade (semiótica) da Fisioterapia... ou das ciências da postura em geral!... (Mas destes terrenos da "filosofia analítica" da fisioterapia já muito falei, e decerto que nada poderia acrescentar ao que já génios - como Russell ou Wittgenstein - disseram).