Os novos terapeutas pretendem reduzir a Fisioterapia à Evidência científica. Esquecem-se que a Evidência fisioterapêutica, baseada fortemente em estudos de carácter estatístico, refere-se a médias e a Tendências (grupais) e alude a variáveis funcionais quase sempre relativas ao “aqui e agora”. Que tem esta Evidência a dizer sobre as variáveis estruturais do “longo prazo” e do doente visto na sua História (fundamental de se compreender num sentido evolutivo, para que também o Raciocínio Clínico e o Plano de Tratamento possuam o mesmo género de lógica evolutiva)? O Doente constitui um complexo Universo Singular, incluso de um conjunto avultadíssimo de variáveis que interagem entre si numa complexa dialética, e com elas a interagirem com o ambiente externo (e o terapeuta a fazer parte da secção mais íntima deste ambiente supostamente exterior). Parece-me que uma Fisioterapia centrada no Doente é mais do que Ciência ou Tecnologia, passa sobretudo por descobrir algo sobre o Universo particular do Doente e a forma como este interage com um Universo mais perene que o transcende. Em última instância, é a perenidade que interessa e esta obriga à capacidade de fazer parar o tempo. O fisioterapeuta do futuro não pode ser o fisioterapeuta tecnológico, mas sim aquele que, à semelhança dos antigos e dos xamãs, souber fazer parar o tempo, o tempo íntimo do encontro com o doente que já não é um “outro”, mas sim uma extensão do Eu.
quinta-feira, fevereiro 21, 2013
domingo, fevereiro 10, 2013
Desabafo niilista
«No Princípio
[Arché] era o Verbo [Logos].» E o Logos, que, numa escala de olhar permutável,
se perspetiva no livro de instruções do Demiurgo, passou a reiterar o comando tiranizado
dos homens. Dupla tirania: os homens estão condenados a serem o que são, os
homens estão condenados a serem livres; os homens são jograis de uma
subjetividade que lhes foi imposta, os homens são jograis da ilusão de que essa
subjetividade nasce de si-mesmos e é controlado por si-mesmos; os homens são
determinados e estão determinados a serem livres, ou a pensarem que o são.
Dupla determinação: determinação eidética e determinação subjetiva;
determinação de facto e determinação para a ilusão da liberdade. A determinação
é uma condição necessária da matéria, mas como cada ser se traveste do seu próprio jogo de fatalidade, o que resulta é
um tumulto, uma batalha de linguagens e de modelos, que leva a matéria
determinada a ter o aspeto de um caos de acontecimentos jamais suscetíveis de
determinação. Daí que o determinismo demiúrgico passe a transmutar-se num
cenário de múltiplas possibilidades, com todas estas a assumirem uma forma de
relativismo, que morre na perspetiva de um controle automatizado e
superinteligente do conjunto quase imenso, mas não infinito, de
potencialidades. O humano concreto só pode ambicionar o escalar de uma pirâmide
de consciência, mas não pode, mesmo assim, ambicionar a liberdade, somente a
ilusão dessa liberdade, para que, escalando no patamar da consciência, possa ir
aumentando a sua sensação de uma falsa liberdade, falsa porque se sente uma
coisa que não o é e só pode sê-lo no abandono do corpo, falsa porque o abandono
do corpo, o tornar-se Deus, é igualmente ilusório, e advém da quimera
esotérica, que é a ilusão de que há, no fim, uma maneira de sermos livres,
quando o esforço para tal é já por si condicionado, de um condicionamento que
advém da insegurança, de uma falha narcísica que não pode jamais ser preenchida.
Não obstante,
escrevo nesta sempre certa certeza de que o passado tornou este ato de escrita necessário
e obrigatório, tal como o pensamento que se enrola de se tentar libertar da
mesma grilheta que o leva a se tentar libertar.
quinta-feira, fevereiro 07, 2013
Sobre a crise (e emergência) da Fisioterapia em Portugal
No seio do paradigma económico-político
atual, em que a entrada na Pós-modernidade das meta-narrativas – em que todos
os “ismos”, certezas e latitudes terão sido derradeiramente desconstruídos –
persiste em ser adiada pela afirmação da crueza de um “neoliberalismo de
mercado” contumaz, a discussão em torno do futuro do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), assim como dos Subsistemas por muitos considerados “alternativos”, volta
a marcar forçosamente a linha de um horizonte sentido como “de todos” e “para
todos”; este mesmo horizonte é incluso de um tecido de profissões de saúde, nas
quais, não obstante as nem sempre afirmativas representações sociais dos
portugueses, a Fisioterapia e o Fisioterapeuta representam um papel fulcral e
até inexpugnável. Daí que o desconhecimento nacional relativamente à situação
algo dramática que os fisioterapeutas portugueses estão a viver presentemente
só pode ser considerado como um pressuposto de uma atitude social acrítica, por
parte de um tecido social que, direta e indiretamente, poderá vir a pagar uma
fatura cara por tal nesciência. Este texto pretende, obviamente, contrapor a
tal, contribuindo para dar uma visão, necessariamente sintética, mas nimiamente
inclusiva, daquilo que é a Fisioterapia que se pratica em Portugal e de um
drama que persiste, e que assim persistindo, contribuirá para agravar (ainda
mais) o “bem-estar” dos cidadãos.
Importa, antes, reafirmar aquilo que
todos já sabem mas que poucos reconhecem: a fatalidade alusiva ao que somos e
ao que sentimos (algo que intitulo por “determinação subjetiva”) não pode
deixar de determinar a posição que qualquer cidadão ou profissional prefere
considerar como “racional”, mas que, na verdade, é sempre o desiderato de uma
complexa teia de sensações, conjeturas, sentimentos, crenças, entre tantos
outros poluidores daquilo que deveria ser apresentado como Uno e permanente; daí
que, querendo eu evitar tal subjetividade, combustível para mais um rol de
discussões intermináveis que acabam por colocar os próprios agentes da mesma
profissão numa turba de contradições e aporias, mas não podendo nem devendo eu
fazer uma qualquer projeção da minha pessoa como Ente objetivo e absoluto (até
porque estaria, mais uma vez, a cair no mesmo tipo de ilusão de suposta
“racionalidade” a que já aludi), tentarei, dentro do possível, apresentar uma
visão realista e inclusiva, se bem que dificilmente desapaixonada ou
descomprometida.
A maioria dos portugueses já terá,
decerto, tido algum tipo de experiência “fisioterapêutica” numa qualquer
Clínica das muitas que (ainda) por aí abundam. Mas é provável que só alguns
desses cidadãos se tenham dado ao trabalho de comparar a qualidade dos seus
tratamentos com o tipo de subsistema com que são servidos ou com o tipo de
subsistemas com que a Clínica em questão se apresenta comprometida. O caso
paradigmático de uma Clínica com acordo com o SNS é flagrante, pois é
precisamente neste tipo de clínicas que é mais provável o doente ser tratado em
conjunto com mais quatro, cinco ou mais doentes, por um terapeuta logicamente
fatigado e muitas vezes limitado nas suas capacidades de avaliação, decisão e
tratamento. O número de doentes é quase sempre excessivo – a intervenção é, de
facto, massificada (o que chega a fazer com que o fisioterapeuta apareça
travestido numa espécie de “educador físico”, “sargento de exercícios”) – e
este número é função do preço dos doentes, com este preço a ser, por si, função
das prescrições de tratamento que lhes são impregnadas, com estas a possuírem
mais ou menos valor dependendo do “valor” do seguro ou subsistema com que o
utente se apresenta. O utente possui, de facto, um valor, e é muito comum o
fisioterapeuta ser “instruído” para dar uma qualidade diferenciável aos
doentes, presumindo-se sempre que o doente do SNS terá direito a “menos tempo”
que o doente do seguro (e dentro dos seguros, tudo dependerá do tipo de
seguro). Ora, a problemática do “valor” do utente não é independente da
problemática das prescrições fisiátricas…
Apesar de a Fisioterapia constituir um
território epistemológica e profissionalmente autónomo da Medicina, a maioria
dos sistemas de saúde requer a existência de um fisiatra prescritor, com este a
“criar” prescrições terapêuticas (limitadas pelos estatutos próprios de cada
sistema) cujo tipo e número decidirão o já referido “valor” do doente. A
situação é risível até porque, não podendo o doente deixar de constituir um
“Todo”, com a óbvia limitação da sua divisão em peças (já muito falei disto no
livro «Corpo e Pós-modernidade», 2012), a prescrição de tratamento para uma
área do corpo apela a uma quase “amputação” do utente dos cuidados, agravada
ainda mais pelo facto de ser “decidida” ou “prescrita” por um agente que não é
aquele que participa diariamente na complexa e sempre metamórfica realidade
fenomenológica do corpo do doente. Pois que a Fisioterapia possui uma natureza
epistemológica muito diferente da Medicina científica, e, não obstante
constituir igualmente um território científico, a sua essência prática não pode
deixar de se conceber nos termos de uma Arte (baseada na Observação contínua
tornada práxis, no Raciocínio Clínico ininterruptamente perpetrado, na
avaliação e ajuste constante de um corpo em permanente metamorfose, na vivência
de uma intimidade de intercorporeidade em que o corpo do doente se torna uma
extensão do corpo do terapeuta)! Limitar esta riqueza quase Humanista em que o
‘físico’ se torna ‘motor’ e este ‘psicomotor’, o corpo se transtorna em Soma e
Motricidade e estes em Psicossomático e Psicomotricidade, o Corpo-ação renasce
Corpo-intenção e este renasce Corpo-representação, o “corpus”
moderno/performativo/denotativo do “homo faber” se transmuta no “corpus”
pós-moderno/reflexivo-simbólico/narrativo do “homo sapiens”, e o ‘biomédico’ se
transmuta em ‘biopsicossocial’ e este em ‘sócio-psico-neuro-músculo-esquelético’,
a um conjunto de códigos prescritivos ou a um conjunto de indicações mais ou
menos quantificáveis é, no mínimo, curto-circuitar a realidade.
Claro que a massificação dos doentes é
menos a consequência da vontade do fisiatra deífico do que do fraco valor das
já citadas prescrições. E é precisamente o desvalor do doente que obriga tanto
à sua massificação como à suposta utilização de profissionais “mais baratos”,
os técnicos auxiliares de Fisioterapia, que, não obstante não poderem
legalmente praticar Fisioterapia, abundam nas clínicas já aludidas (o que faz
com que, muitas vezes, o tal “fisioterapeuta” que tratou o nosso vizinho ou
familiar não seja de facto um fisioterapeuta). Entretanto, a questão dos
citados técnicos parece vir a resolver-se de forma automática pelo próprio
Sistema: precisavam de existir até há uns anos atrás, mas neste nosso presente
em que os fisioterapeutas persistem em ser “multiplicados” exponencialmente
pelas quase duas dezenas de instituições de ensino (com muitas a terem sido
criadas sem controlo ou pudor, com um tipo de cinismo mercantil muito
condenável numa matéria tão “sagrada” quanto a do Ensino Superior), a crescente
desvalorização profissional/financeira do terapeuta leva a que possam ser
utilizados sem grandes “dificuldades”, se bem que para “obedecerem” a uma
Entidade que muitas vezes reconhecem como tendo um poder absoluto (poucos
terapeutas arriscariam o seu emprego tentando negociar as já citadas
prescrições, o número de doentes ou o prestígio da intervenção utilizada…); daí
que a existência de perto de dez mil profissionais só pode significar o
desemprego (na verdade, genuinamente pandémico) ou o emprego precário; por
outro lado, a pressa de “arranjar emprego” facilita a aceitação das mais
desprestigiantes propostas, e o facto de existir tal aceitação vai, por sua
vez, facilitar ainda mais o “abaixar da fasquia” da qualidade dos empregos; por
sua vez, o facto de os terapeutas ganharem menos irá levar a que estes não
possam suprir as suas necessidades de formação, o que leva automaticamente a
uma redução da qualidade dos serviços, o que, para muitas entidades patronais,
não é necessariamente grave, pois que a quantidade de doentes, tratados apenas
com recurso a métodos pobres e técnicas anti-sintomáticas (técnicas que, mais
uma vez, persistem em dividir o doente-Pessoa em fragmentos, estilhaços
desgovernados), é aquilo que parece importar.
Esta situação leva a que,
consequentemente, a maior riqueza de métodos e paradigmas da Fisioterapia,
aquela que é a verdadeira Fisioterapia, fique reservada aos doentes que possuem
capacidade financeira para recorrer ao sistema Privado, o que reduz as
perspetivas de (re)conhecimento público das nossas
possibilidades/potencialidades. Este mesmo meio Privado promete, de algum modo,
vir a crescer, até porque, como sabemos, apesar de o valor das já citadas
prescrições fisioterapêuticas se manter o mesmo em termos de “lucro para a
Instituição”, a parte que cabe ao pagamento por parte do próprio doente tende a
aumentar cada vez mais; daí que a tendência é para se falar cada vez menos do
utente dos serviços de saúde, substituindo-se muitas vezes este conceito pelo
malogrado termo de “cliente” (em breve, o próprio SNS será constituído por “clientes”,
e esse mesmo SNS tornar-se-á melhor, não por imposição do Estado, mas por
imposição do cliente pagador); claro que o crescimento do “Privado” tem de ser
relativizado, não seja vero o facto de, após inúmeras sessões de calores,
pedaleiras ou maquinismos inúteis (feitos não se sabe muito bem por quem), o
tal cliente pagador, pensando que a Fisioterapia se resume a tais fracas
experiências, prefere simplesmente mudar de “paradigma” (quando não passa a
multiplicar-se num rol de reviravoltas de “opiniões profissionais” e
multi-perspetivas que o alienam progressivamente da realidade da sua condição),
passando a recorrer a certas “alternativas” “não convencionais”, que, não
obstante a sua inalienável importância, seriam decerto mais sérias e aceitáveis
se cortassem na dose de misticismo e no alimento placebetário.
Nos termos das soluções propostas pelos
próprios fisioterapeutas para que a situação apresentada possa “mudar”, podemos
identificar o mesmo tipo de divisão que se encontra tradicionalmente na
economia política:
- A solução protecionista: assenta no conjunto das leis, estatutos, regras que
a Classe, e a sua ainda não fatível mas desejada Ordem, pode e deve impor para
estruturar as práticas (estigmatizando as pseudo-práticas de pseudoprofissionais,
assim como as tentativas de diminuir a autonomia da profissão já prevista pela
Lei), um mínimo de remuneração, e um conjunto de padrões éticos pelos quais os
terapeutas terão de se respeitar (a si-mesmos e aos doentes) nos adequados termos
de uma cortesia profissional. Trata-se, de algum modo, de uma solução mais
coletivista, que, na perspetiva de alguns, diminui a liberdade individual ou
não se adequa ao contexto liberal em que vivemos ou a um país onde as leis se
fizeram para não ser cumpridas.
- A solução liberal: assenta no esforço individual do próprio profissional, na
tentativa de, enquanto representante da profissão, aumentar o seu prestígio e
representação social (incluindo a atitude de contraposição às situações e
contextos que desprestigiam financeira e institucionalmente a Fisioterapia).
Obrigando ao mérito e à responsabilidade individual, desejado decerto por quem
o tem e muito particularmente pelas empresas de formação profissional e
pós-graduada que pretendem ganhar no esforço de contribuírem para que o próprio
terapeuta se torne um ganhador, é visto por alguns como criador de um estado de
crua e pouco cortês competitividade inter-pares.
Logicamente, a solução liberal é
fundamental no sentido em que o esforço individual é imprescindível para que o
profissional possa autonomizar-se e, sobretudo, aprofundar-se e especializar-se
(por sua vez, condições da autonomização); a ausência desse esforço mataria a
parte mais nobre e bela da Fisioterapia, precisamente a mesma que não tende a
ser do amplo conhecimento dos cidadãos. O que significa que, de certo modo, é
inútil apelar à responsabilidade de/da Classe, sem que a própria Fisioterapia
melhore intrinsecamente a sua qualidade… (o que, ainda assim, não garante a
melhoria da “condição profissional” do terapeuta dentro da instituição – razão
da até compreensível inércia de muitos colegas – mas cria um nível de
consciencialização no profissional capaz de produzir neste um aumentado estado
de desconforto ou “dissonância cognitiva”). Por outro lado, o esforço
individual não coíbe a criação e estruturação de alguns princípios
regulamentadores fundamentais (porventura uma solução organizacional que
compromete pessoalmente menos o terapeuta dentro da organização que o
“vitimiza”), sem os quais o “cada um por si” matará decididamente o “contrato
social” em que ancora a noção da profissão.
Uma possível solução “compatibilista” e
sustentável merece ser pensada e, logicamente, ajustada à Realidade. Muitos
passos estão já a ser dados, muito particularmente por parte da Associação Portuguesa
de Fisioterapeutas e também por parte de outros projetos recentes como o grupo
facebookiano Fisioterapeuta.PT (https://www.facebook.com/#!/groups/Fisioterapeuta.PT/), grupo criado
na senda da intensa polémica e partilha do artigo «Enfermagem de reabilitação e
Fisioterapia (…)» publicado pelo Expresso.pt, e do Diretório Nacional de
Fisioterapeutas – www.fisioterapeutas.pt (que pretende
ser dirigido aos cidadãos/utentes), mas é obviamente indubitável a importância
do esforço Singular. Não posso todavia fazer qualquer tipo de apologia mais
concreta; já basta que a lógica das predileções e dos paradigmas seja marcada
pela fatalidade da preferência individual… não seja o homem, singular ou
coletivo, prenhe de relatividade.
Publicado no site do Expresso: http://expresso.sapo.pt/sobre-a-crise-e-emergencia-da-fisioterapia-em-portugal=f785214
domingo, fevereiro 03, 2013
O alinhamento postural/articular como fator de previsão da saúde articular: Modelo reeducativo de intervenção em Fisioterapia
Partindo do
pressuposto fundamental da Teoria das Cadeias Musculares1, paradigma
de Fisioterapia reeducativa, de que é a “forma que regula a função” e de que a
biomecânica é função das características posturais e de alinhamento articular,
é racional presumir que o alinhamento articular é fator condicionante do
desenvolvimento de patologia degenerativa (por exemplo, segundo a meta-análise
de Tanamas et al.2, o
alinhamento da articulação do joelho em valgo ou em varo, constitui variável
independente para o desenvolvimento de artrose da articulação do joelho). O
facto tem implicações determinantes para a prática da Fisioterapia, com uma
intervenção do tipo “radical” (ou causativa) a ter de incluir o manuseamento
das características de alinhamento articular, sem o qual, na perspetiva de
Coelho3, o movimento articular poderá significar um nível de atrito
aumentado e potencialmente implicativo de processos inflamatórios, e o treino
de força muscular poderá implicar um aumento no conjunto prévio de
desequilíbrios musculares.
Assim sendo, a
lógica da Fisioterapia deverá ser essencialmente global, requerente de um
trabalho, que, inclusivo dos métodos de Reeducação Postural3, 4,
5, sugere o seguinte esquema3: Relaxamento/Alongamento » Mobilidade acessória (Terapia Manual) »
Mobilidade grosseira/funcional » Força (ou Resistência muscular), com o
alongamento miofascial associado às terapias manipulativas a melhorar o
alinhamento postural/articular e a anteceder o exercício dinâmico.
Seguindo a lógica
prévia, Bernard Bricot6 sugere um conjunto de influências posturais
ascendentes com origem no pé: pé varo = joelho varo, rotação externa da anca, inclinação
posterior da bacia e diminuição das curvaturas vertebrais; pé valgo = joelho
valgo, rotação interna da anca, inclinação anterior da bacia e aumento das
curvaturas vertebrais; o que sugere uma intervenção reeducativa com igual
origem no pé, seja a nível miofascial (ex. alongamento da fáscia plantar do pé),
seja a nível neurológico (ex. utilização de palmilhas de integração sensitiva 6).
Por outro lado, a
influência miofascial tende a ser advogada pela Teoria das Cadeias Musculares,
assumindo que o joelho valgo (que é uma deformidade que aproxima as superfícies
externas da articulação, dando a impressão de a rótula se encontrar
internalizada) se associa frequentemente a um encurtamento dos adutores
pubianos (músculos internos da coxa) e/ou da banda íleo-tibial (músculos
externos da coxa) e o joelho varo (contrário ao do descrito no joelho valgo) se
associa frequentemente ao encurtamento da banda íleo-tibial, com a intervenção
a requerer uma prévia correção destes alinhamentos com a potencialidade da reunião
de alongamento simultâneo à correção da “deformidade” por Terapia Manual.
No caso das
curvaturas vertebrais, a Teoria das Cadeias Musculares concebe, por exemplo,
que uma hiperlordose ou aumento da curvatura lombar (possíveis causas:
encurtamento da musculatura lombar e/ou do diafragma e/ou do psoas) tende a estar
associada a uma hiperlordose ou aumento da curvatura cervical, com possíveis
consequências degenerativas para as zonas de transição da coluna (a nível inferior,
pode implicar o desgaste da articulação da anca), com a cifose ou curvatura
dorsal aumentada (e a sugerir um aumento do risco de conflito sub-acromial e/ou
degeneração da articulação do ombro) por mera aparência ou por associação a
outros fatores (como por exemplo o encurtamento das cadeias musculares
ântero-internas, particularmente o músculo pequeno peitoral), o que explica o
tripé de tratamento de Mézières de deslordose da coluna + desrotação dos
membros + expiração (pelo facto de as deformidades significarem, pelo menos
teoricamente, um misto sinérgico de aumento das curvaturas da coluna, rotação
interna dos membros e bloqueio diafragmático em inspiração) 1, 3, 4, 5.
Se bem que diferentes métodos de Reeducação Postural impliquem diferentes
visões interventivas 3, com uma lógica de trabalho mais “ascendente”
ou mais “descendente” 7, há também a possibilidade de um trabalho
feito da periferia para a zona sintomática, com o exemplo de uma problemática cervical
implicar um trabalho prévio no quadrante inferior + deslordose lombar, só
depois seguido da mobilidade dorsal e da intervenção cervical propriamente
dita, ou de uma diminuição das curvaturas vertebrais cervical e lombar a
implicar o treino de posturas de deslordose dorsal.
Apesar de ser
encarado muitas vezes como pré-científico, o modelo reeducativo pode ser visto
como racional, a conceber uma intervenção em Fisioterapia Reumatológica também
ela de uma racionalidade que transpõe a lógica dominantemente observada (que
tende a corresponder sobretudo ao mero tratamento dos sintomas).
Por outro lado, não
deve entender-se, a partir do que fica dito, que se presume que uma intervenção
deve seguir regras prescritas, até porque, mais do que advogar uma intervenção
do tipo “Prática Baseada na Evidência”, prefiro bastante mais uma Prática Baseada
no Raciocínio Clínico, com este último a ser tão moldável quanto a condição
igualmente mutável e continuamente metamórfica da unidade fenomenológica e
irrepetível do doente.
Dentro do mesmo
espírito fenomenológico, devemos também considerar que a idiossincrasia
postural e de alinhamento articular passa por desempenhar o papel de preditivo
tanto da saúde articular quanto do rendimento do atleta, o que, se, de algum
modo, nos leva a pensar que há corpos naturalmente mais “preparados” para uma
prática física com menos restrições, também nos leva a assumir que o trabalho
de alongamento é, sobretudo para os atletas que não possuem corpos tão
“posturalmente preparados”, condicionante de uma prática com menos riscos de
desgaste articular (em última análise, diferentes posturas poderiam significar
diferentes “prescrições” desportivas e/ou de atividade física, o que não
implica que haja atividades normalmente mais ou menos agressivas do que
outras).
Referências
bibliográficas
1. Mézières F.
La révolution en gymnastique orthopédique. Paris: Vuibert, 1949.
2. Tanamas S, Hanna F, Cicuttini F, Wluka A, Berry P,
Urquhart D. Does knee malalignment increase the risk of development and
progression of knee osteoarthritis? A systematic review. Arthritis &
Rheumatism (Arthritis Care & Research) 2009;61;4:459-467.
3. Coelho L. O
anti-fitness ou o manifesto anti-desportivo. Introdução ao conceito de
reeducação postural. Quinta do Conde: Editora Contra-Margem, 2008.
4. Coelho L. Mézières’ method and muscular chains’
theory: From postural re-education’s physiotherapy to anti-fitness concept.
Acta Reumatológica Portuguesa 2010;35:273-274.
5. Nisand M. La méthode Mézières: un concept
révolutionnaire. Paris: Éditions Josette Lyon, 2006.
6. Bricot B. Posturologia
(3ª edição). São Paulo: Ícone Editora, 2004 (edição brasileira).
7. Bienfait M.
Os desequilíbrios estáticos: fisiologia, patologia e tratamento fisioterápico.
São Paulo: Summus editora, 1995.
(Publicado na revista 'Fisio' da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas)
(Publicado na revista 'Fisio' da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas)
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