(Regressando ao baú de memórias, resgato de um trabalho do último ano de curso - 2002/2003 - a parte correspondente à "Psicomotricidade", servindo de "introdução" aos interessados.)
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A psicomotricidade compreende uma mediatização corporal e expressiva, na qual o terapeuta estuda e compensa condutas inadequadas e inadaptadas em diversas situações ligadas a problemas do âmbito psicoafectivo (Fonseca, 2001).
Esta abordagem considera a motricidade humana como uma acção e uma conduta relativas a um sujeito, isto é, uma acção que só pode ser concebida e abordada nos substratos psiconeurológicos que a integram, elaboram, planificam, regulam, controlam e executam.
Trata-se de conceber educativa, reeducativa e terapeuticamente a psicomotricidade como um processo relacional e inteligível entre a situação e a acção, entre os estímulos e as respostas, numa linguagem mais específica, entre as gnosias e as práxias. Isto é, a psicomotricidade subentende uma concepção holística do ser humano, e fundamentalmente da sua aprendizagem, que tem por finalidade associar dinamicamente o acto ao pensamento, o gesto à palavra e as emoções aos símbolos e conceitos, ou, numa linguagem mais neurocientífica, associar o corpo, o cérebro e os ecossistemas envolventes, ou seja, tudo o que faz um movimento ser inteligente ou psiquicamente elaborado e controlado.
Ao contrário das concepções tradicionais de educação física, de educação corporal ou de educação motora, etc., em psicomotricidade o fim do movimento não está em si próprio, mas naquilo que o origina, isto é, na sua motivação, no componente emocional que o justifica e na intencionalidade que o antecipa e controla, isto é, procura mobilizar um conjunto interactivo e sistémico das funções psíquicas superiores, fundamentalmente a atenção, o processamento e a planificação (Fonseca, 2001).
Não se trata, portanto, de privilegiar ou hipotecar o corpo e a motricidade ao “físico”, ao “morfofuncional” ou ao “anatomofisiológico”, defendendo um paralelismo psicofísico, valorizando segmentos ou músculos de um todo indivisível ou aperfeiçoando o componente biológico do esforço e os seus factores de execução.
A psicomotricidade visa, em contrapartida, privilegiar a qualidade da relação afectivo-emocional, a disponibilidade tónica, a segurança gravitacional e o controle postural, a noção fenomenológica do corpo e a sua dimensão existencial, a sua lateralização e direccionalidade e a sua planificação práxica, enquanto componentes essenciais e globais da adaptabilidade, da aprendizagem e do seu acto mental concomitante. Nelas, o corpo e a motricidade são abordados como unidade e totalidade do ser. O seu enfoque é, portanto, psicossomático, psicoemocional, psicocognitivo, fenomenológico, psiquiátrico, psicanalítico (somato-analítico), psiconeurológico, psicoterapêutico, etc.; enfoca-se preferencialmente nos processos e não nos produtos da motricidade (Fonseca, 2001).
Segundo Fonseca (2001), a psicomotricidade interessa-se pelo corpo como território desorganizado na hipocondria e na despersonalização, como vulnerabilização preliminar na auto-estima, na dismorfofobia, nas ilusões somáticas do membro fantasma, nas assomatognosias, nas manifestações corporais da emoção e da mente, etc.
(...)
Segundo Vieira (2001), os objectivos da terapia
psicomotora são: (a) aumentar a disponibilidade tónico-muscular, (b) libertar o
gesto, (c) enriquecer o comando neuro-motor e a consciencialização da acção,
(d) destruir sincinésias e paratonias, (e) integrar o movimento e melhorar a
sua representação mental, (f) facilitar as reacções adaptativas, (g) afirmar a
lateralidade, (h) inibir pulsões motoras, (i) integrar a noção corporal, (j)
aumentar a autoconfiança e (k) aperfeiçoar a relação e a comunicação.
(...)
Fonseca (2001) resume a finalidade da psicomotricidade da
seguinte forma:
a) Mobilizar e reorganizar as funções psíquicas emocionais
e relacionais do indivíduo em toda a sua dimensão experimental, desde bebé a
sénior;
b) Aperfeiçoar a conduta consciente e o acto mental onde
emerge a elaboração e execução do acto motor;
c) Elevar as sensações e as percepções a níveis de
consciencialização, simbolização e conceptualização;
d) Harmonizar e maximizar o potencial motor,
afectivo-relacional e cognitivo, ou seja, o desenvolvimento global da
personalidade, a capacidade de adaptabilidade social e a modificabilidade
estrutural do processamento da informação do indivíduo; e
e) Fazer do corpo uma síntese integradora da personalidade, reformulando a harmonia e o equilíbrio das relações entre a esfera do psíquico e a esfera do motor, por meio do qual a consciência, aqui encarada como dado imediato e intuitivo do corpo, se edifica e se manifesta, com a finalidade de promover a adaptabilidade à nova situação.
A psicomotricidade constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo e da motricidade humana: o seu objectivo é o sujeito humano total e as suas relações com o corpo. O fisioterapeuta, como “engenheiro” do movimento poderá contribuir, mediante a utilização da psicomotricidade (essencialmente, terapia grupal ou em classes) para a (a) percepção do estilo de pensar, (b) percepção da capacidade de intuição, (c) percepção das emoções (percepção de modelos emocionais, partilha dos sentimentos, libertação das emoções), (d) percepção do corpo, (e) percepção do ambiente e (f) percepção de como nos relacionamos com os outros (Aragonez, 1996).
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- Aragonez, C. (1996). A intervenção do fisioterapeuta através da psicomotricidade relacional: melhora o auto-conceito e a noção corporal, em indivíduos com diagnóstico de psicose esquizofrénica. Monografia de final de curso. Alcoitão: Escola Superior de Saúde do Alcoitão.
- Fonseca, V. (2001). Psicomotricidade. Perspectivas
multidisciplinares. Lisboa: Ancora Editora.
- Vieira, A. I. (2001). Fisioterapia em saúde mental. Contributo
para a proposta de um guia de boas práticas. Alcoitão: Escola Superior
de Saúde do Alcoitão.
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