quinta-feira, novembro 30, 2006

Ainda o Pilates

O Pilates é e continua sempre a ser um dos assuntos que mais me interessam e me despertam. Recentemente, várias pessoas têm dirigido comentários acerca dos meus artigos e de certas coisas que defendo. É complexo o assunto de se a coluna deve permanecer neutra ou, então, em retroversão aquando do treino de Pilates. Eu defendo mais a última do que a primeira, apesar de muita da fisioterapia é praticada com a coluna neutra. Quanto à minha defesa de que os fisioterapeutas são os únicos que devem exercer o Pilates, no fundo o que quero dizer é que o Pilates só deve ser “professado” por quem percebe da coisa, por quem é criativo, por quem “chega lá”; isto inclui muitos não fisioterapeutas e, inclusive, exclui vários fisioterapeutas ignotos. Quanto à formação, muitos fisioterapeutas me questionam se as formações de Pilates que têm sido realizadas só para fisioterapeutas são ou não de qualidade. A minha resposta é simplesmente “não sei”, pois nunca realizei qualquer dessas formações. Porém, essas mesmas formações estão ligadas a uma escola muito específica de Pilates (prefiro não dizer o nome, pois não tenho a certeza). E o que os fisioterapeutas (e não só) devem ter em consideração é que há muitas escolas de Pilates (ex.: Pilates Studio, Stott Pilates, Pilates Institute, Power Pilates, etc.). Por favor, informem-se dos princípios por que se rege a vossa escola. Por exemplo, a Stott Pilates é uma escola tradicional que realiza um Pilates com permissão de um nível de esforço e de certas compensações, com as quais eu não concordo (é provável que esses cursos que por aí se estão a fazer correspondam à adaptação à saúde e reabilitação da prática destas escolas). O Pilates Institute, onde realizei a minha formação, é uma escola moderna, em que é controlado o nível de esforço realizado e as compensações não são permitidas em absoluto. É, portanto, uma escola já por si adaptada aos problemas dos indivíduos. Por outro lado, enquanto que no Pilates Institute se defende que a coluna deve permanecer neutra, nas escolas clássicas defendem que a coluna deve permanecer completamente apoiada no colchão (ou seja, em retroversão), e eu defendo este último princípio das escolas clássicas. Há uns dias, falei com a Ana Luís do Pilates Institute e discutimos algumas destas questões. Ela defende que as escolas devem definir bem as suas diferenças, e o instrutor deve afincar bem os princípios da escola em que se formou; ou seja, as fronteiras devem estar bem definidas. Eu não concordei em absoluto, e eu, em especial estou a dar aulas de Pilates, em que misturo princípios de escolas diferentes. Pode ser um erro, mas é uma opção metodológica minha...

Corpo e Consciência (George Courchinoux)

Não podemos falar de reeducação postural, Pilates, assim como trabalho holístico, sem falarmos da sempre impartível ligação corpo-mente. Quem conhece, por exemplo, os paradigmas da relaxação psicossomática e da psicomotricidade, sabe que a esfera corpórea e a esfera mental são perfeitamente indissolúveis. Quem pratica Pilates sabe que a concentração é fundamental para o trabalho resultar. Muitas vezes, não me senti bem nas aulas pelo simples facto de estar ansioso ou a laborar em ruminações obsessivas. Por outro lado, quando completamente concentrado, pude desligar-me do mundo exterior e entregar-me à maravilha da “consciência corporal”.
O método “Corpo e Consciência”, que muitos profissionais de saúde e motricidade desconhecem, é particularmente eficaz nos termos do modelo anteriormente elucidado. O criador do método, George Courchinoux, foi grandemente influenciado pelos princípios do método Mézières (aliás, ele estudou e praticou RPG com o próprio Souchard). Para além disso, era sofrólogo (e para quem não sabe, a sofrologia, criada por Caycedo, corresponde a um método austero de treino fenomenológico de integração da sensação corporal, com abertura plena ao Self, e impressão experiencial no inconsciente), e tinha igualmente conhecimento das medicinas de reorganização energética (neste contexto, os conceitos de Ying e Yang, e o conhecimento dos meridianos, laboraram numa eficacidade metodológica única).
O método “Corpo e Consciência” resulta, portanto, da súmula dos métodos RPG, sofrologia e princípios das medicinas orientais. É fundamentalmente um trabalho de grupo, realizado com fins fundamentalmente (psico)terapêuticos.
O método, também denominado de “Ginástica doce e global”, parte de quatro grandes princípios: equilíbrio e harmonização, conhecimento de si, ajuste postural e reorganização energética. O trabalho desenvolvido é diferente consoante as estações do ano, sendo que varia o conjunto dos alongamentos realizados, assim como as estruturas massajadas e reequilibradas.  

quarta-feira, novembro 29, 2006

Fisioterapia e a “Caixa da Previdência”

Dias bem negros se aproximam dos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas será que serão assim tão negros?... Dias bem complexos irão ser os dos utentes da “Caixa da Previdência”, mas não serão dias necessários?... Questões que vão surgindo na nossa mente, questões sem resposta a curto prazo, mas a que a conjuntura rapidamente responderá num curto termo. Refiro-me fundamentalmente à virtualidade de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia nas clínicas particulares. Refiro-me a essa tão grande transformação, a essa tão grande revolução que parece ser inequivocamente irreversível (e necessária).
Questão: quais são as desvantagens directas e aparentes decorrentes do facto de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia em clínicas privadas? A desvantagem directa prende-se com todos aqueles que necessitam destes cuidados e não têm forma alguma de o pagarem pelos seus meios. O outro grande inconveniente prende-se no futuro profissional dos profissionais de saúde e reabilitação. Que será dos profissionais que trabalham nas clínicas fortemente dependentes do dinheiro das credenciais do Estado?... Provavelmente, muitas cabeças irão rolar...
Questão: quais as vantagens, eventualmente menos aparentes, decorrentes do facto de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia em clínicas privadas? Na verdade, as vantagens são muitas; a realidade é a de que aquilo que parece vir a ocorrer em termos das comparticipações afigura-se como a única solução credível para o desenvolvimento dos serviços de saúde e para colocar termo à iniquidade das clínicas que por aí abundam.
Se a fisioterapia deixa de ser paga pelo Estado, concebe-se que toda aquela parte do povo mais jovem e bem provido financeiramente que usa e abusa das credenciais passe a pagar pela sua saúde. É a lógica absoluta a funcionar: as pessoas pagam pela saúde a que têm direito... tal como acontece no contexto de tantos outros serviços de saúde, de tantos outros países ocidentais. Concebe-se que muitos destes utentes passem a comportar-se como utilizadores responsáveis dos serviços de saúde e como “clientes” que exigem resultados em termos terapêuticos, e não a prossecução infindável de tratamentos sem qualquer eficácia (ou de eficácia efémera).
Por seu lado, as clínicas deixarão de perspectivar os fisioterapeutas (assim como outros profissionais) como trabalhadores manuais que vão servindo a manchete do sistema, fingindo que tratam doentes, quando na realidade estão apenas a “dar de comer a vários porcos e galinhas, que teimam em encher a quinta”. As clínicas terão de apostar na qualidade e não na quantidade. E aí, a inteligência e a capacidade do terapeuta passarão a contar! Aí, passará a haver um verdadeiro clima de necessária competitividade, em termos de qualidade, em termos das diversas clínicas existentes e dos profissionais que lhes dão nome. Aí, a saúde passará a constituir um terreno em que será exigida qualidade, e em que a relação custo-benefício será verdadeiramente levada em linha de conta. E os bons profissionais que necessariamente demarcarão os seus lugares nos serviços competitivos terão, logicamente, de ser reavaliados em termos das suas qualificações e rendimentos.
Só espero que aquela massa de utilizadores do SNS que não tem realmente dinheiro para pagar a fisioterapia possa ter acesso à fisioterapia do Estado, realizada com qualidade e entre-ajuda, nos hospitais e centros de saúde.
E só espero que, de uma vez por todas, este Governo se lembre de apostar nos cuidados preventivos e numa abordagem de cerne comunitário e de perfil preventivo. Já está na hora de apostarmos fortemente nos cuidados primários em centros de saúde.
Nota: texto publicado em Cartas ao Director do Público, dia 03/12/2006

quinta-feira, novembro 09, 2006

Injustiças na vida de um fisioterapeuta

Para o tipo de formação que os fisioterapeutas possuem, não posso deixar de afirmar que a grande maioria dos fisioterapeutas do “mercado” permanece mal empregue no tipo de trabalho que desenvolvem. Pelo o que tenho visto, os fisioterapeutas são maioritariamente a mais bem preparada classe de profissionais para lidar com a problemática do movimento, independentemente de falarmos da inserção dos mesmos num contexto clínico ou desportivo. Certos desportos, se não todos os desportos, poderiam ser ensinados por fisioterapeutas. Mas, na realidade, os mais mal preparados professores de educação física e/ou fitness dão as diversas classes de actividades motrizes, ganhando o dobro ou o triplo do que ganha um fisioterapeuta.
Reparemos no seguinte: como professor de Pilates, ganho cerca de 15 a 20 euros numa hora. Canso menos a minha coluna, esgoto-me muito menos fisicamente. Como fisioterapeuta a dar classes a pessoas com problemas e que precisam de uma atenção muito mais personalizada, ganho no máximo 10 euros (e ganho bem para fisioterapeuta). Em certas clínicas, os fisioterapeutas têm de tratar, por meio do exercício e de actividades funcionais, vários doentes ao mesmo tempo, esgotando o físico e os meandros do raciocínio clínico, sendo que ganham por hora, muitas vezes, só sete ou oito euros. E a tendência é para que os fisioterapeutas ganhem cada vez menos, sejam cada vez menos valorizados como profissionais autónomos e inteligentes, e continuem a ser vistos como “massagistas” e não como profissionais do movimento. Bem me podiam explicar para quê aprender tanta anatomia, tanta biomecânica... tanto esforço realizado no curso base... e tão pouco reconhecimento, tão poucos ganhos, tanta injustiça!
E os fisioterapeutas, ainda assim, permanecem agarrados às suas concepções éticas de um doente na sua “unicidade”, evitando trabalhar em ginásios, dando aulas de Pilates ou outras actividades. Não tenho dúvidas de que consigo acompanhar melhor os meus doentes/clientes das classes através dos seus exercícios do que os múltiplos doentes “individuais” em contexto de clínica particular.
E o que está a acontecer é que cada vez mais os professores de educação física e os instrutores de fitness se agarram ao trabalho grupal com um fim propedêutico e terapêutico, enquanto que os terapeutas permanecem no seu trabalho clínico falsamente personalizado. Será que há assim tantas diferenças entre um personal training de Pilates de um instrutor e um tratamento individualizado clássico de fisioterapia para a coluna (subentendendo que o Pilates lá está presente não como fitness mas como método de “tratamento”)? Apenas que no primeiro caso o "cliente" nos paga bem caro e não se queixa, enquanto que no segundo caso o "doente" nos paga bem menos (isto na sorte de ser um doente particular) e tem sempre tendência para se queixar.
As pessoas gostam de se sentir treinadas, não tratadas. Tratamentos é com o osteopata, que isso é que está na moda! Fisioterapia são os calores húmidos e as massagens que aquelas “meninas” dão aos velhos. Pilates é uma “ginástica”, não é fisioterapia.
Tantas ilusões, meras particularidades semânticas e psicologistas!
Os fisioterapeutas só vão conseguir progredir por meio de uma verdadeira “revolução” das mentes dos utilizadores tanto dos serviços de saúde como do fitness. E eis que surge a necessidade de impormos a nossa actividade no seio dos ambientes desportivos, como professores de Pilates, de stretching, de relaxamento psicossomático, e de outras actividades que não entendo como ginástica, mas mais como antiginástica, ao jeito formoso de Bertherat.
Faça-se justiça às nossas formações e às nossas capacidades. Lutemos contra os conflitos de interesse e mostremos que os fisioterapeutas são os profissionais mais capazes para o domínio do trabalho da motricidade aplicada à saúde. Não continuemos a permitir que qualquer instrutor, senão mesmo aquele sujeito que tirou um curso qualquer de fitness à candonga sem possuir um curso superior na área da saúde + motricidade, nos tire o lugar que seria muito mais lógico ser nosso. Não continuemos a ser estúpidos e a pensar que a fisioterapia só se realiza na marquesa da clínica ou hospital. Essa “fisioterapia”, a avaliar pela forma como as coisas estão a andar, tem os dias contados!... Rogo para que conquisteis o mercado "desportivo", lutando contra o clássico conceito de fitness e impondo a nossa visão reeducativa como a grande panaceia de trabalho (psico)físico.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Síndroma da Deficiência Postural


Sabemos todos que existe uma certa tendência para que, numa fase mais ou menos precisa da vida pública nacional, uma certa maleita sofra de um processo de inflação galopante e mediática. É indubitável que o Síndroma da Deficiência Postural, considerada como causa de 10% das dificuldades de aprendizagem em idade escolar, constitui um exemplo de um certo efeito de moda.
Não quero com isto dizer que devamos desvalorizar a relação simbiótica entre corpo e mente que a psicomotricidade e a psico-neurologia muito especificamente têm relevado. Mas, por vezes, exagera-se no cômputo de determinadas perturbações.
Ainda assim, não há dúvidas de que muitos dos problemas de aprendizagem, incluindo a dislexia de desenvolvimento, têm origem numa deformação do esquema corporal, aliás um défice do sistema proprioceptivo. E se a postura está tão dependente do trabalho do sistema nervoso, não podemos negligenciar o papel dos receptores da sensação corporal. No Síndroma da Deficiência Postural, parece haver sempre algum género de perturbação do sistema proprioceptivo, criador de problemas de ordem cerebral, os quais se relacionam com as disfunções cognitivas relacionadas aos problemas de aprendizagem.
O diagnóstico “Síndroma da Deficiência Postural”, associado à escola de Lisboa e ao nome do fisiatra Martins da Cunha é caracterizado por uma série de factores cognitivos. Segundo Alves da Silva, são eles os seguintes: 1) défice de convergência tónica, 2) presença de escotomas, 3) alterações de memória, 4) problemas de concentração, 5) problemas de interpretação, 6) hiperactividade, 7) presença de erros de localização espacial, 8) perda de auto-estima, 9) perturbações de processamento do texto e 10) défice de percepção auditiva.
Os critérios gerais de diagnóstico de Síndroma da Deficiência Postural incluem: a) sintomas cardinais – dor (especificamente raquialgias); perturbações do equilíbrio; alterações da percepção visual; perturbações da somatognósia; b) uma semiologia física característica, podendo incluir: assimetria facial, adopção de uma direcção preferencial do olhar com insuficiência da convergência tónica ocular, e adopção de uma atitude postural cifoescoliótica estereotipada assimétrica, com rotação axial e apoio privilegiado sobre um pé.
O tratamento passa por medidas que envolvem a mudança da mochila, a utilização de calçado apropriado que permita o máximo contacto do pé com o solo, a utilização de vestuário largo, a utilização de mobiliário escolar apropriado que permita a manutenção do equilíbrio das cadeias musculares e a utilização de um colchão apropriado, mas sobretudo pela utilização de lentes prismáticas posturais, pela reprogramação postural (incluindo o trabalho proprioceptivo, as técnicas de consciencialização corporal, a reeducação postural por meio do alongamento global e integração de sensações, e a utilização de palmilhas de reprogramação postural) e a utilização de técnicas psicopedagógicas específicas e adaptadas às dificuldades existentes.
Reparemos que a boa saúde do sistema proprioceptivo está dependente do bom equilíbrio existente entre as cadeias musculares, ou seja, da existência e promoção de uma “morfologia perfeita” (Mézières). O relaxamento muscular é também um dos grandes epítomes de intervenção no respeitante às estratégias de reprogramação postural.
O Síndroma da Deficiência Postural vem mais uma vez lembrar-nos a importância do sistema neurológico nas questões da postura. Ao contrário do que alguns pensam, também os métodos de reeducação postural centrados no alongamento têm como objecto fundamental a integração de um novo esquema corporal, a integração proprioceptiva. Aliás, mesmo no Pilates costuma-se dizer que o mais importante é o conjunto das “sensações” que podemos propiciar aos indivíduos. A anti-ginástica de Bertherat e o método de Courchinoux são igualmente exímios neste tipo de trabalho, aliás modelos do trabalho de integração proprioceptiva.Com tantos recursos existentes na fisioterapia menos convencional, é incrível como a maioria dos casos de Síndroma da Deficiência Postural não passem pelos fisioterapeutas, sendo que, muitas vezes, as actividades de reprogramação postural são realizadas por educadores, entre outros profissionais com uma formação pouca expressiva em termos de métodos psico-corporais.

Le corps a ses raisons

"Dê saúde ao seu corpo: a saúde pela antiginástica" é o infeliz título em português da obra de Bertherat "Le corps a ses raisons". Nesta obra, Thérèse Bertherat explana o fundamental sobre o método Mézières, incluindo a sua descoberta do método e os principais princípios do mesmo. "Le corps a ses raisons" vendeu milhões de cópias a nível mundial e terá sido provavelmente a mais conseguida acção de divulgação do método Mézières. Infelizmente, os princípios mézièristas ainda não vingaram completamente e são pouco conhecidos mesmo entre os fisioterapeutas. Daí que seja tão triste a obra de Bertherat estar simplesmente esquecida; e ainda mais triste é ter comprado a respectiva relíquia em português por apenas dois euros, através de um site de livros usados. Como seria bom divulgar esta obra, dá-la a conhecer aos diversos fisioterapeutas que por aí abundam...