quinta-feira, maio 29, 2008

Navalha de Ockham: explanando conceitos

Os diversos métodos de ‘Reeducação Postural’ permitem, em grande medida, lidar com uma série de conceitos mais ou menos diferenciáveis. Brinquemos, então, um pouco com os conceitos. Há um grande paralelismo histórico no respeitante ao desenvolvimento dos métodos ‘Rolfing’ e ‘Mézières’. Ambos os métodos colocam a tónica no trabalho de alongamento mio-fascial. Mas enquanto o Rolfing se preocupava essencialmente com o conhecimento das fáscias e a interpretação das deformidades posturais e dores segundo perturbações do sistema fascial humano, o método Mézières colocava a primazia no sistema muscular propriamente dito. O Rolfing acabou por se tornar o método de massagem profunda mais original do mundo, assim como o mais comercial e inflaccionado dos métodos. Os preços dos cursos de formação de rolfistas são incomportáveis. E no fundo, não se justifica, pois o Rolfing não tem a “ciência” de Mézières. Os rolfistas trabalham o corpo com um conjunto de dez sessões de trabalho mais ou menos semelhável de pessoa para pessoa. Já os méziéristas trabalham o corpo de uma forma muito mais individuada, portanto diferenciável segundo a perturbação postural existente. A lógica dos métodos subjaze à lógica da sua origem cultural. O Rolfing é “chapa branca” e pragmático pois foi desenvolvido por uma cientista pragmática num país pragmático. Mézières é muito mais “humano” pois foi desenvolvido numa França do Velho Mundo cultural e humanista. Mas, apesar das diferenças consideráveis entre os métodos, ambos têm uma coisa em comum: preocupam-se com o ‘comprimento’ das cadeias de tecidos moles. Só mais tarde outros métodos irão “perceber” que, se calhar, não é tanto o comprimento mio-fascial que interessa, mas sim o seu grau de tonicidade (o que não é a mesma coisa). Vamos, primeiro, traçar a ‘evolução’ dos métodos. O Rolfing foi mesclado com os princípios do Yoga e com a filosofia dos meridianos chineses, dando origem à abordagem dos ‘Trilhos anatómicos’ (Myers). Aqui continuamos muito a falar de comprimento mio-fascial. O método Mézières foi “tratado” posteriormente numa lógica dos métodos grupais (Antiginástica, Corpo e Consciência), que colocam a tónica no conceito de ‘relaxamento muscular’ e globalidade do ser humano, numa lógica de análise corpórea integral (Cadeias Musculares e Articulares, Morfoanálise), que coloca a tónica no corpo visto em termos analíticos e globais, numa lógica da postura de alongamento muscular (a individual Reeducação Postural Global e o grupal Stretching Global Activo), a mais semelhável com o original Mézières, numa lógica do movimento (Busquet), e – agora sim – numa lógica neurológica da tonicidade muscular (Reconstrução Postural). Podemos referir a evolução de Mézières de outras maneiras. Por exemplo, podíamos dizer que os “continuadores” de Mézières se preocuparam sobretudo com a conceptualização de várias cadeias musculares para além de Mézières. Mas, se virmos bem, Françoise Mézières não falava só da Cadeia Posterior. Souchard apenas deu nomes diferentes a cadeias já referidas por Mézières. Já Busquet voltou um pouco atrás para reforçar a importância da Cadeia Posterior e falar das outras como sendo ‘dinâmicas’. Ora, é possível traçar um cruzamento entre os ‘Trilhos anatómicos’ e Busquet, no sentido em que são métodos extremamente recheados de “Cadeias miofasciais”. Mas, em Busquet, as tais cadeias são essencialmente dinâmicas (e aqui podíamos realizar a lógica comparação do método Busquet com os padrões musculares inicialmente perspectivados pelo Kabat do PNF, mas, sobretudo, com os padrões musculares vistos na lógica de Bobath). Voltando à dicotomia comprimento/tónus muscular, a grande evolução conceptual – não “anatómica” associada à “invenção” de novas cadeias musculares – ocorreu com a criação do método da ‘Reconstrução Postural’, que, ao invés de se preocupar em criar novas noções de “cadeias musculares e/ou fasciais”, coloca a ênfase na tonalidade neurológica do trabalho postural. E, portanto, todos os métodos que se preocuparam com a flexibilidade muscular, se calhar, estavam a mexer mais com o “tónus” do que com o comprimento muscular propriamente dito. Ora, se o tónus é mais importante que o resto, isto releva o trabalho postural para o campo de muitas outras técnicas corporais, como o ‘Relaxamento Muscular Progressivo de Jacobson’ e outros métodos de relaxamento (Gerda Alexander, Sofrologia, etc.)! E releva também para o campo da neurologia (e não é de 'neurologia' que temos estado sempre a falar?). Estamos a falar de inibição do tónus. E, já agora, de facilitação do movimento (sem aumentar o tónus anormal). Inibição de padrões anormais e facilitação da função normal... Todas as semelhanças com Bobath e Carr & Shepherd são pura coincidência... E quem sabe se a dança, a psicomotricidade, as terapias expressivas, e, finalmente... o divã do psicanalista, não serão pontos fulcrais do trabalho postural?... Claro que são! Então como proceder para ser um bom terapeuta de Reeducação Postural? Fazer formações de todos os métodos existentes??? Chova dinheiro! Talvez o melhor seja mesmo ter a capacidade de análise e a profundidade de trabalho maior que for possível. O que defendo, tentando aqui o conceito da “navalha de Ockham”, é a teoria geral das “Cadeias musculares” que posso resumir pelos princípios de Bobath: Inibição do tónus anormal (alongar, distender, mobilizar, relaxar, etc.) e facilitação do movimento (função sem força excessiva). Fica a pergunta: onde estavam os proponentes de Bobath quando, neste mesmo blog, condenei as práticas de “fitness” por estas serem excessivamente centradas na “força muscular” e todos me atacaram dizendo que nada sabia do que estava a falar? Já sei o que vão dizer: o atleta não é um doente neurológico. Mas são todos humanos, todos com o mesmo corpo sujeito às mesmas regras neuromusculares básicas! Ou não?...

5 comentários:

Chris Maia disse...

Olá, Luis
Há algum livro da Mézières traduzido para o português? Procurei nas livrarias aqui no Brasil, mas não encontrei nenhum.
beijos

Luís Coelho disse...

Olá Chris. Penso que, infelizmente, os livros da própria Françoise Mézières não estão traduzidos para português. Neste momento, estou à procura de alguém "ideal" para traduzir, pelo menos, a obra "Révolution en Gymnastique Orthopédique". Hei-de dar mais notícias sobre este "projecto".

Chris Maia disse...

Olá, Luis. Ficarei aguardando notícias sobre o projeto.

Uma pena não termos nenhum livro da Mézières traduzido para o português, pois acho que estes livros seriam de extrema importância para conhecermos um pouco melhor sobre o método e podermos analisar as diferenças entre este e os demias métodos originados a partir dele.
Aqui no Brasil,infelizmente, os profissionais que são formados em RPG genérico, dizem-se muito entendidos do método mézières, mas como estes podem ser tão entendidos do método, se não temos curso de formação no método mézières aqui e nem livros traduzidos a respeito?? E nem todo mundo sabe francês!!! Daqui a pouco irão criar um curso genérico do método méziéres por aqui!!!

bjos

Chris Maia disse...

Luis, vc possui MSN ou google talk? Caso tenha, se importaria se eu te add para melhor trocarmos ideias a respeito de nossa profissão? Se já quiser se adiantar e me add, meu msn é chris-chri@hotmail.com e meu google talk é chrismmaia@gmail.com
bjos

Luís Coelho disse...

Olá Chris. Podes adicionar-me no msn: coelholewis@hotmail.com. Assim já podemos trocar impressões.