quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Para acabar de vez com a cultura

Deste título deste nosso pequeno ensaio não podemos, de facto, retirar qualquer ilação acerca do que pretendemos verdadeiramente falar: se do relativismo, se do universalismo... Talvez se soubermos que as supracitadas palavras constituem um título de um livro de Woody Allen, o realizador amoral que, em vários dos seus filmes, explora a tentação niilista, possamos inferir do tal título uma espécie de manifesto anti-valorativo. Mas isso seria conceber os Valores como parte da Cultura. E seria também conceber a Cultura como algo que uns possuem superiormente a outros. Mas, se nos ativermos à mera existência dos Universais, será que os Valores fundamentais não passarão a ser terreno de matérias essencialmente biológicas e genéticas?...
Daí passamos para uma definição dos Valores como algo intrínseco aos Universais. E estes passarão a ser fundamentalmente terreno da Ciência, porque de Genética se tratam. É este o tipo de Universalismo que encontramos na noção de “falsificabilidade” de Popper, nos invariantes estruturais de Sausurre (da ordem dos signos), Chomsky (da ordem do inatismo linguístico) ou de Lévi-Strauss (da ordem dos invariantes estruturais das diferentes tribos), nos “valores” estéticos de Gombrich ou na ideologia de Isaiah Berlin.
Estes “invariantes” ou “universais” são como a “ordem” do campo da Ciência, constituída por leis bem definidas com capacidade de predição rigorosa. No campo da “cultura”, também é comum falar de Valores, pois acredita-se que certas culturas se encontram mais evoluídas que outras, ou seja, que determinadas culturas possuem um conjunto de códigos ético-morais mais racionais que outras culturas.
O que os autores citados acima pretendem, de certa forma, dizer é que a noção de evolução cultural é errónea e ilusória, visto que as culturas são quase totalmente enformadas por características que advêm, quase totalmente, dos invariantes estruturais. Aliás, é desta noção que surge a base do Estruturalismo. Os mais radicais diriam até que não existe Cultura ou que a mesma pode ser reduzida às suas características biológicas neurofisiológicas basilares.
Vemos, portanto, que o diálogo Natureza vs. Cultura não é tão fácil quanto aquilo que o binómio Inato vs. Adquirido pretende significar.
Por exemplo, Platão foi um essencialista, sendo que a sua visão do mundo era extremamente dada aos invariantes. Mas, Popper considera que o seu racionalismo dogmático, baseado na forma como Platão vê a “hierarquia social tripartida”, abre as portas ao mundo do relativismo. Um pensador que poderia parecer tão “absolutista” é, noutra perspectiva, um grande relativista. Isaiah Berlin, na sua obra “Rousseau e outros cinco inimigos da liberdade” (2002), aponta os seguintes homens como relativistas: Helvétius, Rousseau, Fichte, Hegel, Saint-Simon e Maistre. Se lermos os argumentos de Berlin, perceberemos que todos estes autores parecem, à primeira vista, defensores dos Valores, mas todos eles possuem alguma forma de ver a sociedade que recai na possibilidade do fanatismo ou anti-libertismo.
Vejamos o caso do recentemente falecido Claude Lévi-Strauss. Ao considerar que não existem verdadeiras culturas primitivas e que os invariantes culturais tornam as culturas muito semelhantes entre si, Lévi-Strauss está a dizer que há características universais e genéticas adstritas ao Ser humano. Daqui poderíamos tirar ilações acerca de certos Valores como Universais e vitais à sobrevivência da espécie, como sendo superiores aos Valores adstritos às variações culturais (temos aqui um Lévi-Strauss universalista). Por outro lado, podemos considerar que Lévi-Strauss seria relativista, se considerarmos que a sua noção de que não há culturas superiores a outras leva a que não existam culturas valorativamente superiores a outras que, por exemplo, não respeitam certos direitos fundamentais.
As implicações científicas da dicotomia Universal vs. Relativo são inúmeras, de tal maneira que as Ciências exactas feitas de Leis têm sido confundidas com a Verdade, enquanto que as ciências sociais e humanas, mais inexactas, têm sido vistas como pretensiosas de um certo relativismo pós-modernista. E todas elas se consideram como representantes da Realidade...

1 comentário:

O vizinho do lado disse...

Finalmente ;)