sexta-feira, outubro 18, 2013

A paixão de Sophia

A solidão inicia e nutre o filósofo, para que este possa Iniciar-se e nutrir a Verdade. O verdadeiro filósofo vende-se tão-só a uma opinião, a sua, que é também a de todo o mundo unido na indiferencialidade. O filósofo genuíno prefere a reclusão da sociedade que lhe cospe do que a reclusão do corpo traído à caverna da ilusão. Todo o homem de verdade é um Homem da Verdade. E todo o Homem da Verdade tem Sócrates ou Cristo em si, pois prefere o sacrifício ao Uno do que o prazer da mentira. O filósofo não se importa de ser "para-terreno", "estranho ao mundo", objecto de gozo, quiçá do ataque de massas amotinadas. Quem está destinado a desvelar está destinado a sofrer, pela Verdade, pelos outros, à cruz pregado, na cruz em rosa se transformando. Um contra todos é o destino do pensamento. É o preço a pagar para que o "um" e o "todos", o Eu e o Outro, se tornem Uno. Daí que, se a Filosofia é a tarefa de Um, o Espírito é o destino do Todo. Se o pensar é o karma do Eu, o Uno é o Karma global, até que virá aquele prístino (não)momento em que já nem há Karma, corpo, Eus, outros, leis, tempo ou cosmos, senão o Eterno Presente.
 
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A Totalidade procede da Verdade. E o filósofo vende-se à Verdade. Que fazer se o filósofo descobrir que a Verdade do Espírito é somente a sua verdade? Deverá ser fiel à Verdade que entretanto já não é a que deseja para si? Ou deverá ser fiel à Verdade do mundo, a mentira que este precisa para continuar a ser e a prevalecer? A escolha decidirá a diferença entre o filósofo e o sábio.
 
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O Verbo transpõe nefandamente os neurónios do filósofo, para que o seu Córtex pré-frontal passe a ser a Coroa cabalística do sábio. Dualidade e dialéctica são os quesitos argumentativos do espírito, agora o Eu, depois o Todo, agora o Todo, depois o Eu, porque o Espírito objectivo pode ser a partícula cósmica do Ser, o ser-aí egóico, o ser-aí para-egóico. O ideal subjaz ao Ideal e o Ideal subjaz ao ideal. O Todo está na parte e a parte no Todo. O Cosmos é um número infinito de outros Cosmos, o átomo é o locus de mundos infinitamente reprodutíveis, infinitamente clonáveis. Deus reside no Eu, é o próprio Eu, o seu pensamento aprisionado e logo colapsado no vazio, de um vazio que não o é para mais ser a essência, o Ser, que é o Todo de Nada Ser, sem diferenças, sem densidade carnal, sem distinções mundanamente diabólicas.
 
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É o caos que domicilia as profundezas do ser que demanda a mesma busca que visa a libertação do caos. O risco de perpetuar uma sucessão cumulativa de caos é enorme. A loucura é uma possibilidade. Querer dar ordem ao Ser é contaminar a possibilidade de este se libertar da Ordem que o agrilhoou. Fortes grilhetas condicionam mais do que as fracas. Fortes grilhetas condenam a (não) libertação. Como trazer à mente o palco indeterminado do eterno presente?
 
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Tudo é Espírito. Seja no Todo realista, seja no Todo do ideal do filósofo. Seja no que Há, seja no palco da residência neuronal do pensador. O pequeno reproduz o grande, como a gota de água reproduz o tecido purpúreo do oceano. O homem é uma célula do Universo e inclui múltiplas células que são o universo de outras células ou universos. A matéria é somente espírito formatado, tornado denso para ser trazido à consciência. Sem a matéria o espírito não poderia ser pensado, mas a matéria é também espírito etéreo de outros espíritos densificados, tal como os deuses são os homens de deuses maiores, e estes são os homens de outros deuses, para que, no fim, não sejam nada, de grande ou de pequeno, de Uno ou de múltiplo, porque o eternamente grande, que é também o eternamente pequeno, dissolve todas as dimensões que nunca chegaram a existir senão na consciência de mentes enclausuradas na caverna da carnalidade limitadora, na prisão da cognição dos desenhos de relações.
 
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Tudo o que é o é em relação a algo. Nada é absoluto senão o Absoluto do Espírito, e este pode ser somente o resíduo solipsista da mente conturbada. O bem e o mal são a diferenciação do Uno, só factível na mente de opacidades. A mente reitera referências, valores que fixem a "normalidade", critérios de pertença ou exclusão. Tudo se define em termos de um critério e a ilusão do absoluto vem da banalização de critérios. A "banalidade do mal" é muito mais do que um mal "normalizado", é a própria supressão do mal pela mudança de critério, porque o novo "normal" fixa uma nova referência moral. Não obstante, a tentação de demonizar agrada às emoções desregradas, às próprias e às dos espectadores extasiados. Acusar um "mal" é possuir controlo sobre um comportamento, controlo sobre o si sempre em perigo de regredir à animalidade confrangedora. E defender o inocentemente mau não é muito diferente disso.
 
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Quão inútil é tentar conhecer a Origem profunda do que nos angustia! É a própria Roda da Lei de todos os Divinos que acarreta que a Consciência Pura seja o relativo de um Divino maior, infinitamente em todas as "direcções", que o esforço do Eu seja o desígnio da evolução no e para o Nada, a ausência de Sentido, senão de um pequeno sentido.
O Absoluto acarreta sempre o peso de ser relativo face a um Absoluto maior. Isto significa, por um lado, que é sempre possível alcançar o Absoluto nos termos de um critério, de uma definição, de regras necessárias de um jogo de determinação. Significa, por outro lado, que todo o Absoluto é um relativo, à semelhança de uma Eternidade a comportar-se como um segundo de um Deus maior, para o qual tal eternidade é somente uma efeméride. O processo não tem fim, o que acarreta a ausência de metas e a vanidade de toda a vontade, a futilidade da acção, só contraditada pelo peso da Lei gigantesca de todos os tempos, que acarreta a obrigação de transcender o eterno retorno, para abraçar um eterno retorno ainda maior.
Fica a dúvida de se esta Roda gigantesca não é também ela a Lei de um corpúsculo, que, em conjunto com a infinidade de outros corpúsculos, formam uma outra Lei (senão uma desordem...) ainda maior, e isto sempre na base da Infinidade.
A ilusão é então a condição sempre provisória do ser. Não há, senão, a ilusão face a outra coisa, ou o "absoluto" face a um qualquer objecto. Quem não domina as escalas do Ser nada domina. E dominar uma só linguagem é somente perceber uma só escala, infinitamente pequena face a algo maior, infinitamente grande face a si mesma. O Absoluto transcende todas as escalas na perspectiva escalar humana, mas é somente mais uma escala menor na perspectiva escalar de um Ser Supremo (Supremo para nós, pequeno para Supremos maiores).
Fica, assim, a humildade a depender da aceitação de que algo só pode sê-lo em comparação com outro algo, tudo se define em termos de outrem, que nós, deuses de nós mesmos, somos apenas uma peça de um gigantesco e inacabável jogo, Divina Comédia, mas só "comédia" face à pequenez das nossas mentes.
Fica, não obstante, a certeza de que a nossa existência é crucial ao Todo que É, que nada seria igual sem o que Somos, e que, no mais pequeno dos nossos átomos reside um Divino que contempla hostes de outros seres, que são o Divino de outros seres, cujos átomos possuem um Universo (entre uma infinidade de outros) eventualmente semelhável ao nosso; no nosso palco encontramos todos os palcos, conhecer é somente trazer o palco à consciência, e mostrá-lo é levar o palco próprio aos outros que já estão a modificar o palco que lhes mostro, e que já podia ter algo deles, e que, todavia, não podia deixar de ter, porque todos os palcos são o palco comum, aquele que o Eu esqueceu e que não tarda a recuperar, numa não recuperação, porque nada se perdeu, tudo É, tudo flui, tudo é Divino, o átomo do átomo do átomo de uma molécula de outro homem, talvez não homem, mas uma coisa inanimada, talvez não coisa, mas outra que é, para a minha pequenez, pura incognoscibilidade, mas, ainda assim, um mosquito de algo Maior, e este é o pequeno de outro mosquito..........
 
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A realidade que em nós existe no formato de uma rede de esquemas cognitivos não é a Realidade, senão a nossa realidade, a mesma que uma cultura gravou na matriz de neurónios egotistas. A grande Sabedoria perene, e muito particularmente os saberes orientais, esotéricos e mistéricos, apercebiam o Mundo enquanto Unidade, a partir da qual, qualquer tentativa de disciplinação ou fragmentação cognitiva não poderia deixar de ser vista como acometimento de um afastamento diabólico em relação ao que as coisas São (se é que são alguma coisa... pois, se o Divino é irredutível, Ele é Nada de particular e em separado); de algum modo, para esse Saber, a própria divisão kantiana entre Númeno e Fenómeno não faz sentido, porque tudo é Númeno e o Fenómeno é parte e o próprio Númeno... e isto é muito diferente de dizer que o Fenómeno é a única coisa que interessa, um pouco à semelhança do que preconizam os existencialistas ocidentais. Foi o Ocidente que tendeu a materializar e a dividir o indivisível. Até mesmo a Filosofia Platónica constitui, de algum modo, um esforço de charneira entre a Perenidade mistérica e oriental e aquilo que, mais tarde, será o contexto ocidental; veja-se que o que para outros é a Totalidade obtida após um número interminável de Vidas, para Platão passa a ser preferencialmente a Morte. E mesmo eu, que não deixo de ser um produto do Ocidente, me sinto mais confortável - ou seja, menos sujeito ao desgaste de um descondicionamento e, de algum modo, "re-condicionamento" de uma nova realidade cognitiva, que, para Platão, não seria condicionamento mas somente reminiscência ou desvelamento anamnésico - em aceitar que a libertação é a morte ou o Nada e não uma Essência do Irredutível que, mais a mais, para um ocidental, tem pouco valor.
De algum modo, desde a desmitização socrática e platónica, a Filosofia começa a perder igualmente a sua relação de indiferencialidade arquetípica com o Uno. Daí o seu próprio termo e o contexto ocidental do seu nascimento enquanto especificidade do filósofo, ser singular. É que, no momento em que se fala de um filósofo que pensa o Cosmos, já não estamos verdadeiramente na Razão Contemplativa e muito menos nos níveis metanóicos coadunáveis com o Atman "hindu"; começámos já a entrar no domínio da Razão Dianóica, coisa que atinge o seu apogeu telúrico com a revolução científica do Renascimento e com o Princípio indutivo de Bacon. Se bem que a Patrística já condensa uma perspectiva da temporalidade ocidental linear, bem ao jeito da religiosidade Judaico-cristã, coisa que ajuda a reificar o afastamento do arquétipo paradisíaco da indiferenciação, a cientificidade renascentista e, no contexto especificamente filosófico (se bem que, nesta época, também a Ciência era "filosofia natural"), a construção de Descartes, auxiliam no afastamento entre Sujeito e Objecto, que somente precisará da estocada final das Luzes e do Liberalismo para reificar uma Visão da Realidade que podemos designar de autorística ou egóica. O tempo moderno é, assim, o tempo da liberdade, mas de uma que respeita ao Eu, e mesmo as perspectivas políticas contratualistas visam, de algum modo, o respeito do Eu, que também pode ser o Eu adstrito ao Outro. Fica a Ética muito dependente do respeito pelo Outro visto como um Eu, que poderá, algum dia, vir a ser o nosso próprio Eu a desejar ser respeitado pelo Outro. A Filosofia ocidental e até a sua famosa divisão em Anglo-saxónica vs. Continental firmam, de uma vez para sempre, a fidelidade ao Eu, e o "Espírito" perde o seu significado de Totalidade Ética para quase ser confundido com a noção de mente ou alma. O dualismo cartesiano vem, inclusive, reificar a separação entre corpo e mente, quando a única coisa que poderia ter algum sentido problematizar seria a dualidade Corpo-Espírito, se bem que mesmo a diferença entre materialismo e espiritualismo é corruptela da mente ocidental, clivagem não aceite pelo contexto do Oriente esotérico (apesar de aceite por algum esoterismo ocidental). O idealismo alemão e o romantismo só aceitam o Espírito no seu sentido metafísico a um nível máximo, e, ainda assim, assumem a necessidade de referirem a "metafísica", quando o Oriente, reactualizado pela Teosofia de Blavatsky, assume o Espírito como a Totalidade e a matéria como a substanciação do Espírito. O Ocidente vê o Espírito como Eu livre, que também pode ser o EU Total ou mesmo Deus, mas mesmo aí o Espírito possui um lugar "localizável" no "topo" de uma escala, quando a Verdade mais prístina não se coaduna com escalas, mapas ou referências cognitivas. A visão da História e da Dialéctica, e de uma Utopia que firma o seu fim, seja num sentido Ideal e Superior - como em Hegel - seja num sentido material - como em Marx, tudo isto são realidades escatológicas, coadunáveis com um Fim, referência ocidental que uma mente de temporalidade cíclica e reencarnativa nunca poderia conceber. Mesmo o Pós-modernismo do séc. XX vem em abono de uma perspectiva do Ideal subjectivo e só num sentido algo "forçado" pode ser incluído numa visão do Espírito enquanto Ideal objectivo; mas aí, já o Pós-modernismo nada acrescenta à visão oriental.
Num nível radicalmente materialista, o reduccionismo, o subjectivismo, o relativismo, o desconstrucionismo, vêm empolar a entrada do homem na temporalidade dessacralizadora, e se há algum Universal é porque ele é fisicamente genético ou porque importa à sobrevivência das Sociedades, sobrevindo na totalidade das culturas que pretendem manter-se. Matou-se Deus, mas ainda antes disso matou-se o Divino panteísta, e se há algum panteísmo que ainda sobreviva é porque somente se apelida a Realidade enquanto tal de "Deus", do mesmo modo como se lhe poderia chamar outra coisa qualquer. A própria compreensão de toda esta realidade força o autor deste texto a fazer um esforço de descondicionamento do esquema cognitivo que lhe é mais familiar... esforço inglório, vão, porque mesmo ele está condicionado pela (não) adaptabilidade ao contexto que lhe é familiar e que deseja, quiçá, que deixe de o ser. Esforço espiritual que reitera o masculino que há em mim, para logo a noite querer sombrear-me com o feminino lunar, no preciso momento em que tento interpretar psicanaliticamente a razão para tal ruminação, como se tal interpretação fosse a condição da exorcização daquilo que um oriental não quereria jamais exorcizar. Esforço do espírito que tem em si o orgulho de o ser, e que, como tal, não pode sê-lo (Espírito), senão um demiurgo manifesto, preso ao orgulho e à soberba de ser o que é, quando é a própria soberba que o impossibilita de SER simplesmente NÃO Sendo. Sendo e orgulhando-me disso, como aquele que isto escreve (e que é, portanto, relativo) e pretende ser lido e publicado, sou, mais uma vez, a confirmação do meu contexto, da frustração de não SER senão aquilo que sou para o Ocidente, a psique do Eu que decerto pretende o divã do psicanalista com a minha saúde mental preocupado, mas não a Psique do Estado de Buda, que não é bem-estar, saúde ou felicidade, senão a Felicidade do Todo, que, a um nível imanifesto, não é senão algo que aqui não posso escrever, porque, no acto de escrever, logo deixaria de o (não) ser.
Daí que o Eu que o Ocidente e a sua Psicologia e Medicina reificam não é senão a doença de um Todo do contexto do Espírito. A Psicologia moderna e ocidental está preocupada com o Ego, quiçá com a Civilização na sua História, no seu contexto. A Psicologia profunda, esotérica e, sobretudo, milenarmente oriental, está preocupada em não se preocupar, em deixar de ser Eu e em perder definitivamente de vista a História, a Civilização, o retorno e os contextos. Quer ser "sem-texto", abandonar a "personna" (máscara), a ilusão, mesmo sabendo que tal abandono evolutivo será ciclicamente retomado pelo regresso quedo à roda das encarnações, processo que é pura Necessidade, tal como a evolução que o Ocidente pretende já reificar, não coisificando jamais senão o eterno retorno com o orgulho de o ser, e não tomando consciência de que a evolução é o destino fatal e que o mal, a involução e a existência infernal não são mais do que atrasos, erros pecaminosos, uma Luz adiada mas jamais eternamente "inevitada".
E, agora, abandonando este mesmo texto, que, por escrever, logo confirma que sou um Eu vendido a mim mesmo, lá vou eu ter de me arrancar ao que muitos chamam de inutilidade e divagação, para abraçar o contexto do que outros vêem igualmente como inutilidade e divagação, que é a realidade carnal, real para os primeiros, irreal para os segundos, não conseguindo ainda ter resolvido a minha própria dualidade, aquela que me divide entre o Homem e a mulher, o Espírito e a matéria, o Oriente e o Ocidente, o Bem e o mal, os princípios de uma diferencialidade que me agarra à carnalidade e me faz sofrer, e que possui a sua resolução na diferenciação sexual face à infância da fixação edipiana bissexual (para os primeiros) e/ou na vista da indiferencialidade da condição "meta-humana" (para os segundos). Sei, somente, que, um dia, quando tudo isto estiver resolvido em mim, tudo parecerá ridículo por ser tão simples, tão banal tal inflexão. Resta saber se é possível tal coisa estar resolvida em mim, continuando a ser "mim", pois que, quando já não for "mim", terei provavelmente a prístina resolução, que não é resolução alguma, pois aí não há sequer problemas, nesse Paraíso que não é nenhum campo de papoilas ou a ilha de Circe. No Todo será o Nada, a não consciência ou existência... não admira que muitos queiram a resolução pela ilusão da falsa Luz, que, de qualquer maneira, é também a consequência do condicionamento moderno de um Eu que não desiste de o ser, e, que por isso mesmo, atrasará o momento de Não Ser.
 
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A indução é o pecado de todo o filósofo e aquilo que o "comunica" com o cientista. O primeiro chega a transformar a noção do Eu em todo um Ideal objectivo, e nessa generalização perde-se o sábio. Os homens de ciência, do conhecimento ou razão ainda não tornados "Consciência pura", criam as leis que impõem à natureza, para que depois possam tirar desta o que desejam ou ambicionam. O sábio mais puro é a própria natureza, e como tal, dela nada pode tirar que não tivesse que tirar de si mesmo, aliás do Si-Mesmo.
 
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Todo o filósofo tem em si um poeta fingidor. Ser filósofo "absolutamente" é ser poeta rendido à tentação, sem temer a clausura dos métodos ou a vergonha dos Sentidos, na condição de ter em si "todas as opiniões do mundo". E mesmo quando "todas as opiniões" são somente a sua opinião, não duvide o ser comum que a opinião do filósofo/poeta tem mais peso que todas as opiniões pessoais de todos os Cosmos pessoais.
 
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A Filosofia antecede a Sophia e esta antecede a Luz. A primeira começa algures na Epistémi-Dianóia e estende-se pela Epistémi-Noésis. A segunda atinge o Nous. A Luz transcende o Nous, é o Atman do Sanathana Dharma (Bramanismo). Para o materialista, a Epistémi é explicada pela Doxa, dependendo até desta, e o Espírito é um artifício, uma generalização do Quaternário Inferior, do Corpo-Mente. A mente diferencia-se do corpo por uma mera questão de mensurabilidade relevante; para o materialista, a mente não tem peso, a mente só existe enquanto abstracção quimérica de um cérebro comensurável; portanto, para o materialista, o Espírito é como uma Super-Mente, que, pela sua relação com o Imperativo Ético, não pode deixar de ser a Civitas, o Superego de Freud.
 
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O Uno Sujeito-Objecto é a obsessão que conluia a Espiritualidade com o Pós-modernismo. Mas se para a primeira esse Uno é um facto objectal e nominal, para o segundo o mesmo Uno é subjectivo, mesmo que acabe também por ser objectivo. Não obstante, como o Uno Sujeito-Objecto do Espírito só pode ser acedido pela mente do filósofo, fica o Uno em questão a significar a subjectividade, o espírito ou o si-mesmo do pensador; por outro lado, sendo a realidade interna do sábio toda a realidade que interessa, como se, para o pensador, a Realidade fosse a sua realidade (mesmo que não o reconheça, seja por incapacidade, seja por falta de desejo), o Uno Sujeito-Objecto do Pós-modernismo acaba por ser o do Espírito no sentido da Sabedoria perene (isto, claro, assumindo que a antiga Sabedoria, à semelhança do esoterismo teosófico, não utilizava a literalização dos seus saberes enquanto velo de uma realidade subjectiva que somente põe em comum - aliás, confirma - a intersubjectividade duns quantos eleitos do e/Espírito). Certas coincidências são vistas de diferentes formas pelo materialista e também pelo espiritualista (passe-se a infelicidade da "clivagem"). Enquanto que o espiritualista reconhece a "reprodução" do macroscópico no microscópico, o materialista reconhece a generalização do microscópico para o macroscópico. A segunda perspectiva - de âmbito pós-moderno - não pode deixar de ter um cunho muito contemporâneo, com o conjunto das influências relativistas e subjectivistas das tendências "modernas". Num certo sentido, o Pós-modernismo recai no "relativismo dogmático", na medida em que o pensamento de um generalizado para o Espírito objectal não passará de uma incerteza (a)científica (no sentido popperiano do termo)... com o relativismo a deixar de o ser no preciso momento em que o tal pensamento singular prova ser o pensamento colectivo (do Singular Divino). Por outro lado, não podemos esquecer a componente literalmente construtivista do Pós-modernismo, relativa à possibilidade da mente ter funcionamento quântico e poder - literalmente - construir o fenómeno que deseja construir. Aqui, já a mente individual, o espírito subjectivo, poderá contribuir, de algum modo, para a construção do Espírito objectal, um pouco como se todo o homem fosse um demiurgo a contribuir para a eterna transmutação do Divino. O subjectivo tornar-se-ia literalmente objectivo, não só no sentido da apercepção, mas também no sentido do percepto dos Logoi "superiores" (Atman »»» Brahman), para que, a um nível máximo de subtilização (a superação da condição humana precisaria da qualidade quântica da mente) o puro livre-arbítrio semi-manifestado desencadeasse a pura Liberdade do Divino imanifestado.
Comprovada a existência de uma quântica mental, comprovada estaria também a possibilidade real de uma evolução "para-terrena" do homem, incluindo a Libertação "búdica" no homem ainda encarnado. Algo que contrariaria a perspectiva de uma "Libertação" enquanto mero resultado de uma Roda da Lei Kármica somente no sentido de uma gigantesca determinação do Ser (ou da ontogenética determinação do ser), o que, mais a mais, poderia nem ser verdadeiramente "Libertação".
 
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O "pensar" é puro acto demiúrgico e a linguagem do pensamento é o seu Logos. Sempre que o filósofo pensa está a ser um demiurgo, no sentido em que está a dar forma ao Divino. Não obstante, não sendo o próprio Divino, o seu acto demiúrgico é um pouco cego, senão uma das infinitas possibilidades do que Deus É ou pode Ser. Daí se explica o relativismo, a confusão babélica de vozes ou linguagens, a incapacidade do pensador ser Deus Total, senão meramente demiurgo, parcialidade de uma Totalidade inacessível à mente humana agrilhoada à carnalidade de opacidades, à caverna da ilusão que urge o desvelar. O filósofo revela, o sábio desvela, mas os dois, não sendo o Divino, mas somente partícula demiúrgica Dele, somente poderão revelar infinitamente, desvelar parcialmente. A condenação babélica urge sempre que o Homem tenta desvelar mais do que lhe permite a mente obscura. Resta o caminho de Sísifo, o eterno retorno de uma torre que o filósofo persiste em construir, a frustração de querer Ser, para que, no nível final, a reunião da infinidade de possibilidades crie a eterna brancura, o pleno preenchimento do oceano do Infinito, em que Ser já Nada É, porque Tudo Ser ou Nada ser são a mesma coisa, e já nem o homem se pode desiludir com tal opacidade de possibilidades, pois já este deixou de o ser para Nada ser e tudo Nada conter.
O Caos quântico que subjaz ao Divino é isso mesmo: a infinidade de possibilidades, a pura Liberdade, dentro da qual uma escolha é já uma instrução parcial, ou seja, a Palavra ou Arché afecto ao Demiurgo. O Verbo é o Livre-arbítrio do Demiurgo, as instruções ou Leis de um Cosmos. Um Cosmos é, por isso mesmo, um Universo (Uni + diverso). O Infinito quântico que subjaz a tudo o que Há é a soma, aliás, o Todo de um número infinito de potencialidades e, portanto, de Universos. Aí não há Lei, pois esta, sendo uma coisa e não outra, é relativa, e o Divino é o Absoluto.
Se existe uma Verdade mais verdadeira que outra Verdade, se é possível criticar o relativismo, se é possível ver o início e o fim de um processo específico, que é a Verdade vista como coisa precisa, tal só é possível no contexto de um Universo, de um Demiurgo, de uma Consciência. Ora, o Divino é Consciência Pura, Consciência absolutamente ilimitada, que, de algum modo, é Consciência de Nada, uma não consciência, porque a consciência é sempre "de alguma coisa", e já aí a consciência é demiúrgica, relativa, de uma coisa em detrimento de outra.
O estado de Buda (ou algum que o transcenda) tem sido descrito por alguns como Consciência Pura, Não consciência, porque o Ego e o Relativo são calados no desapego ao corpo e ao mundo (Cosmos), coisa muito dificilmente alcançável ou mesmo perspectivável no contexto de um ser encarnado, mas potencialmente concebível nos termos da "mente quântica". Sem uma partícula da pura Liberdade o ser humano não pode ser Deus, mas somente um Demiurgo. Para que o humano se transcenda e chegue ao estado de Buda é preciso, a meu ver, conceber necessariamente a existência de um nível de pura liberdade no contexto do ser humano. Sem ele, somente com livre-arbítrio, não vejo como defender a possibilidade de o ser humano poder alcançar um estado verdadeiramente Livre e Divino, um estado Final, se é que tal existe, o estado que é também o inicial e o de sempre, o que sempre lá está mas somente não pode ser visto pelo sistema corpo-mente.
Não obstante, questionamos a possibilidade de atingir o estado de Liberdade após um ciclo muito maior e Civilizacional de encarnações e até de Eras e raças (teosóficas), mas mesmo aqui há que questionar se o que "desvelamos" é o Todo ou se é somente o nosso Universo (mas haverá um Universo específico em que vivamos?...).
Regressando à temática do relativismo, é inevitável pensar no Filósofo-Poeta, aquele que admite todas as possibilidades, aquele que assume em si o formato de diversos demiurgos, a heteronímia de pessoalidades, que, obviamente, quanto mais rica for maior será a aproximação ao Divino, também maior parecerá o relativismo, quando, na verdade, é maior a aproximação ao Absoluto. O relativismo enquanto multi-perspectivismo, uma certa forma de indiferenciação face ao Divino, o pesadelo da ausência de "opinião" dos tolos, o pesadelo da ausência de "personalidade" duma certa Psicologia moderna e ocidental, este é o caminho de aproximação ao Todo inter-Universal e inter-Cósmico; é também a correspondência ao muitas vezes apelidado "relativismo radical", aquele que diz que todas as possibilidades se igualam e têm igual valor; ora, isto é falso para um Universo, Cosmos ou Arché específico, mas verdadeiro para o Todo Uno imanifestado, pois no Caos quântico do Divino, ou no oceano do que sempre lá Está, existe a já citada infinidade de possibilidades, o que, mais a mais, vem reificar que o relativismo verdadeiramente radical iguala o Absoluto, um pouco como o preenchimento infindo de riscos pretos num papel branco acabará por tornar esse mesmo papel completamente preto. Note-se que o campo da Física enquanto ciência experimental moderna ainda ultrapassa dificilmente o campo do que respeita ao Demiurgo que nos é familiar, gozando talvez justamente com a ideia do Divino sobretudo porque ainda pensa que o Divino é somente o Deus criador do Judaico-Cristianismo, não entendendo que este seria no máximo um demiurgo (e mesmo isto não seria, e é até ridículo recalcitrar na noção fantasista de Deus num trono celeste, que, apesar de se conceber como muito "maior" do que os deuses das mitologias arcaicas, ainda assim não é o Divino que temos tratado enquanto tal; interessa-nos, obviamente, mais o panteísmo do que o teísmo...). Não tem a Física uma preocupação muito grande com aquilo que pode transcender o campo de um Arché específico, não querendo perder tempo a pensar na possibilidade de existirem outros Universos, com outros códigos "genéticos"/logóicos, até porque a Ciência moderna pretende estudar somente o "conhecido" e igualar o "desconhecido" ao "inexistente" (não admira que o seu método "realista", positivista, potencialmente falsificabilista, não possa jamais compatibilizar-se com o "relativismo dogmático" - passe-se a acusação popperiana - do método pós-moderno 'e/ou' espiritual).
Numa linguagem "astronómica" (para os antigos, astrológica), a singularidade "inicial" que "antecede" o Big Bang poderia ser o Absoluto, e o próprio Big Bang será já o momento primevo (o Arché) de um Cosmos específico, ou seja, é já o "relativo". O Absoluto seria feito de um número infinito de Big Bangs, de ciclos cósmicos, infinitamente para baixo, infinitamente para cima, com o "baixo" e o "cima" a deixarem de o ser, porque, no Absoluto, não há macro ou microcósmico. E lá vem a metáfora do "Pêndulo de Foucault", o ponto central que pode ser qualquer um, porque toda a evolução e todo o movimento se perfaz à volta do ponto fixo, e qualquer ponto móvel é um ponto fixo relativamente a todos os outros pontos.
 
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O multi-perspectivismo é condição da racionalidade. O sábio, o filósofo do Todo, aproxima-se do Absoluto, na medida em que assume em si mesmo múltiplas possibilidades demiúrgicas. Não haja dúvidas, no entanto, que também a subjectividade subjaz a tal tentativa de Ser grandiloquente. O psicanalista pode ver no homem do Espírito a tentação teomaníaca de ser Deus enquanto defesa para a incapacidade de ser homem, um pouco como se o perspectivismo multi-demiúrgico (ou mesmo inter-trans-demiúrgico) fosse a tentativa de vencer a "dúvida" afecta ao demiurgo particular. É, portanto, a dúvida que alimenta a tentação do Absoluto. É também a dúvida que provoca o sofrimento do pensador, o caminho do peregrino de pés sanguinolentos no deserto, aquele que tem mesmo que ser vivido na tentativa de purificar o ser, na tentativa final de libertar o ser da rota da carnalidade relativizadora, conduzindo-o ao Não Ser.
Todo o filósofo verdadeiro tem em si o objecto da libertação. Mas o caminho para o mesmo não promete ser fácil, convida facilmente à desistência, ao pecado da tentativa de ver a Luz onde ela não existe, à ilusão de ver o Absoluto no si-mesmo relativo. Daí que, de algum modo, todo o filósofo perseverante tenha de ter um sentido mínimo do seu próprio ser, uma segurança egóica mínima que permita a perfídia do caminho sem a cedência à ilusão, à desistência, ou mesmo à "fuga para a frente". Ou seja, uma dúvida primária excessiva promete simultaneamente formar o filósofo e gorar a sua meta. Todo o filósofo verdadeiro tem de assumir a possibilidade da Loucura, ou melhor, da "não loucura" face ao oceano de relatividades e ao multiverso de incertezas. Ser filósofo é, então, simultaneamente ter e não ter mapas, ter e não ter referências, ter e não ter chaves.
O produto do pensamento enquanto argumento racional é, como dizemos, o resultado de uma Doxa, mas em que o aspecto exterior é o de uma Epistémi. Não é criminoso assumir que todo o argumento racional possui uma matriz genealógica emocional ou mesmo devocional, até porque o filósofo é um homem, um ser emocional que precisa de buscar na sua íntima volição o motor da defesa do argumento. Criminoso é que o próprio argumento seja externamente emocional, um pouco como vemos a acontecer nas defesas tempestivas de seres conluiados com interesses. Por vezes, o criminoso da argumentação, o oportunista, na incapacidade de argumentar racionalmente, "defende-se" acusando o pensador de possuir um qualquer "complexo de inferioridade". Não percebe o oportunista que esse complexo (que, mais a mais, todos possuímos em algum grau) é somente o motor da argumentação mas nada diz sobre a qualidade da racionalidade do corpo do próprio argumento. Se há, nesse mesmo contexto, algum ser que se vendeu à subjectividade, esse é decerto aquele que, por falta de capacidades, resolveu pessoalizar o impessoalizável.
 
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A ignorância é um pré-requisito da Sabedoria. Esquecer a cultura é condição do despertar do Espírito. Há mais Espírito no recém-nascido ou na douta criança do que na mente do erudito. Saber muito é garante de não saber nada. E pertencer à História é a condição fundamental de se ser esquecido por ela. Porque o acto de rememoração, a anamnesis mítica do "Princípio", é o verdadeiro objecto do historiador, como do homem da cultura, e de todo o homem que pretende encontrar nas grandes Estruturas as suas próprias estruturas "falhadas". E é por isso que todo o historiador pretende deixar de ser História para passar a ser mito, é por isso que a sua actividade visa fixar a História enquanto memória atemporal, um pouco como se o tempo dialéctico quisesse ser o Não tempo da Eternidade ou como se a História quisesse nunca tê-lo sido. Assim sendo, o Historiador trabalha para deixar de o ser. Tal como o homem da Cultura que pretende extorquir o momento arquetípico do fluxo de aprendizagens do seu tempo, esquecendo muitas vezes que a evolução requer a lentificação e o abandono do tempo, que para se Ser é preciso deixar de se ser, que a cultura requer a Sabedoria mas que a Sabedoria transcende e despreza a cultura. No máximo dos máximos, a cultura é somente o aspecto externo da Sabedoria, a rampa de lançamento do culto para o momento em que tanto a cultura quanto o saber se tornam inúteis. Olhem à vossa volta e encontrarão muitos homens cultos. As Pseudo-Elites - literária, científica, artística, e, infelizmente, até filosófica e pseudo-espiritual, incluindo uma certa trupe de pseudo-iniciados, de pseudo-eleitos e pseudo-mestres que podem ser encontrados inclusive nas respeitáveis Sociedades secretas... que são muitas vezes Instituições que de "Espiritual" nada têm verdadeiramente... - estão repletas de homens de Cultura que fazem a violência à Cultura que pretendem ter ou servir, porque a trasladam no aspecto exterior de um planeta sem núcleo, capaz de tornar o pensamento a epifania do "triunfo dos porcos" ou a morte da prístina Sophia. Mas Sophia ressuscitará!... no momento em que o homem renunciar a todas essas ilusões: instituições, políticas, partidos, interesses, elites, todo o oportunismo mundano, a inteiridade do apego à matéria que vicia.
 
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Todo o homem sofre da adição da matéria. Urge o despertar, a libertação. Mas esta não surge sem a ansiedade da Sabedoria, a ressaca do dharma. Tema o homem ainda mais a ilusão dos placebos, a metadona que é como a cultura que preenche e embriaga. O risco do eterno retorno é enorme e lá voltou o homem ao vício. A droga do prazer acalenta e conforta, é um Paraíso travestido. E longe estamos do Paraíso próprio, e ainda mais do que Existe (não existindo) para além do Paraíso, o Oceano do Infinito onde já nem droga, vício, prazer ou sofrimento farão qualquer sentido.  
 
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Tudo o que É é-o em relação a alguma coisa. Nada É sem o seu "relativo". O que consideramos "normal", "são" e até "moral" é aquilo que entra dentro do intervalo de referências entrosadas primitivamente. O "normal" e o "moral" individual é o que respeita as Leis internas, as instruções do Arché próprio. O "normal"/"moral" social é o que respeita o Arché dessa Sociedade, eventualmente até o inconsciente desse Estado-Nação ou Pátria. O "normal"/"moral" colectivo, aquilo que se entende como Eterno, axial/axiológico, valorativo, é somente a obediência às instruções do Demiurgo do nosso próprio Universo, do nosso próprio Cosmos. É, portanto, o respeito pelas Leis. O Arquetípico é a matriz das Leis universais que entendemos como a Moral eterna, eventualmente até o Imperativo Categórico. Não é o Divino, no sentido panteísta, pois esse Divino inclui todos os Demiurgos, todas as Leis possíveis, o infinito de combinações logóicas.
O que entendemos como os "Valores Universais" do Ser Humano, eternas e trans-históricas, é então o código genético do Demiurgo que nos é familiar. Este código implica o Determinismo necessário, a Estabilidade que a Física identifica e que a Matemática traduz. Obviamente, os sortilégios da degeneração temporal, histórico-dialéctica, acarretam o surgimento de um Determinismo probabilístico e, em última análise, de uma dialéctica individual idiográfica. Os novos tempos de culto do "relativo" oferecem a dialéctica, o relativismo pós-moderno e o pós-estruturalismo enquanto produtos de interpretação do que muda constantemente. É aceitável e até concorre para algo mais absoluto, não seja a própria hermenêutica/semiótica um condimento fundamental do estudo das Espiritualidades. Não obstante, à medida que uma certa sensação de desagregação e insegurança vai surgindo no Homem, lá vai urgindo a necessidade de "retornar" ou "reactualizar" a realidade arquetípica. O próprio presente, e até o devir, precisa desse retorno securizante. A religião, a moral, os Valores, os Universais dos filósofos, são os ingredientes da Arqueologia eterna do Ser que recalcitram em ser recrutados, muitas vezes com o perigo de uma necessidade de retorno obsessivo-compulsivo. E isto acontece porque o h/Homem é naturalmente inseguro, requerendo constantemente a alusão ao Paraíso perdido.
O H/homem seguro de si mesmo vive mais no (eterno) presente, porque é aquele que dispensa a visita compulsiva ao Arché. Mas mesmo tal dispensa, eventualmente formatada pela tolerância à insegurança, requer o estabelecimento de Pilares primevos robustos. E se eles não existem, quiçá talvez tenham de ser criados. Um pouco como se o Uno fosse a projecção do que une e põe os homens em comum: o Corpo. O Inconsciente colectivo é, então, o que transcreve as Leis, as mesmas que acabarão por estabelecer os limites do demiurgo próprio/individual. Claro que esta interpretação materialista de um ser humano que cria os Deuses de modo a amenizar a sensação da sua própria solidão e insegurança não deixa de estar repleta da subjectividade de alguém que foi fortemente enformado pela laica cultura ocidental. Na cabeça de um "espiritual", decerto que certos Universais estão estabelecidos por algum tipo de Providência, Testemunho Superior ou Demiurgo. Mas o que interessa é que, dê por onde der, o Eterno existe e é recrutado no momento em que a insegurança da "novidade" criadora requer a reactualização do Modelo arquetípico.
Ora, obviamente que a tentação de ver na Moral absoluta a ilusão de uma construção Humana, pela relação "inconsciente" que o Corpo genético estabelece com o ambiente e pela Universalidade "memética" (Dawkins) das normas requeridas à sobrevivência das Sociedades, é enorme e até pode alimentar outra tentação: a de corrompermos a moral demiúrgica, sendo nós mesmos o nosso próprio Demiurgo, ou seja, ousar ser o Super-Homem que constrói a sua própria moralidade, a sua própria referência do que é "normal"/"anormal" e "moral"/"imoral". Certamente que este tipo de liberdade relativista já existe, mas falamos da "imoralidade" de construir uma nova "moralidade", e, portanto, já não uma "imoralidade". O velho problema do Livre-arbítrio acaba por ter de ser recrutado para a discussão, pois nunca o Super-Homem o será verdadeiramente se se construir com base nas referências que já possui, nomeadamente a referência primeva, o Arché da origem. É um pouco a imagem de um analisando que, por mais que pretenda vencer as "instruções" dos seus deuses particulares/pais, nunca conseguirá ter "absolutamente" um Arché próprio, ou seja, somente poderá aproximar-se de um Arché próprio (de qualquer modo, o "próprio" é sempre o Eu e o dos outros, tal como o "outro" é ele mesmo a partir de outros...).
Lá fica, mais uma vez, no "caldo" a questão da Liberdade/Livre arbítrio e da maior ou menor possibilidade de assumirmos o Demiurgo e o Divino que nunca seremos e que, ainda assim, nunca deixámos de ser.
 
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A mais complexa das instruções herméticas ou especulações filosóficas parecerá tão simples quanto a frase "o azul não é vermelho" ou "2 + 2 = 4", no momento do total desvelamento. Como parece tão óbvio hoje o que ontem se enchia de opacidade. Como auguro ser tão idiota aos olhos de seres espiritualmente superiores a mim. Como somos pequenos aos olhos do Divino!
 
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A investigação radicada no paralelismo conteudístico entre a Espiritualidade, a Psicanálise e a Neuropsicologia (incluindo também a Psicologia cognitiva e a Neuropsicanálise) urge como necessária, mesmo arriscando a possibilidade de acabar por se desmistificar o que é geralmente visto como "belo", "místico", "mistérico".
Não é, consabidamente - e isto é só para dar um exemplo -, a Moral do Superego o resultado da actividade do Córtex pré-frontal do Cérebro? Não é razoável admitir - passe-se a lógica escatologicamente materialista - que a Moral Civilizacional, o eterno arquetípico, é consequência da projecção, particular »»» geral, microscópico »»» macroscópico, do Superego individual para o Superego colectivo (com este a incluir um nível crescentemente civilizacional, mais tarde colocado sob a alçada da responsabilidade de um ser exterior divino, pela simples razão de que é mais forte/seguro o que é instituído a partir de "fora"/"cima"...)? Não será, então, a Moral civilizacional e Divina o resultado da Colectividade de homens cujos córtex pré-frontais requereram a generalização do que subjaz ao comportamento de preservação "vital"?
É um dado adquirido que o Córtex pré-frontal está envolvido nos processos avaliativo-antecipatórios do comportamento, ajudando a "projectar psicologicamente" as consequências da acção, o que nos leva a pensar que é também nele que reside o que entendemos como "liberdade responsável", que é nele que reside uma importante causa das neuroses, com estas a estarem muitas vezes associadas à capacidade sobrepujada de antecipar a morte ou a destruição. Também a Consciência, incluindo o Insight filosófico, requer a máxima conformação da actividade destas áreas "mais evoluídas na escala evolutiva" com as áreas somato-sensoriais (que possuem, geralmente, dominância no hemisfério direito do cérebro, aquele que tende a estar muito associado ao "masculino" - como o "masculino" da Espiritualidade - e à Gestalt - fundamental para o Insight, o Eureka da descoberta filosófica, com a Filosofia a ser também uma actividade fundamentalmente masculina, e comigo a achar que tal não pode ser explicado unicamente por um punhado de circunstâncias histórico-sociais...) e as áreas emocionais da base do cérebro. Será o Espírito, a Totalidade Ética, o lado místico do Superego ou do córtex pré-frontal? É lá que reside Deus? Não é lá que residem os nossos Deuses/Pais?...
Sabidamente, a Psicanálise freudiana atribuía uma importância superior ao Inconsciente (Id), ao Corpo, à necessidade de regresso às Origens, do que ao Superego e à Moral castradora, que chegava mesmo a demonizar. O arquétipo religioso operava como entidade "perigosa" para a liberdade e o "parricídio" (Dostoiévski) ou a "morte de Deus" (Nietzsche) afiguravam-se como necessários à construção do Arché pessoal. Também a Espiritualidade possui este tipo de construção, mas impõe mais restrições ao poder do "Arché pessoal", coisa que uma certa Psicanálise iniciática não soube prever, acabando mesmo por encorajar o excessivo despimento do sentimento de culpa, sem o qual a "destruição" e a "imoralidade" ousam tornar-se a "regra".
Aquilo que põe em comum o terreno genérico da Espiritualidade profunda e a Psicanálise dos seus primórdios freudianos é, de algum modo, a importância atribuída ao regresso ao Arché, no qual o ser recebe a energia tónica de reinício da Vida. O mesmo Arché que permite a purificação, se bem que o seu conforto pode alimentar a manutenção indefinida no Inferno. A evolução é requerida nas perspectivas Psicanalítica e Espiritual, mas se a Psicanálise freudiana advoga a necessidade de "libertação" (com esta a ser essencialmente "material" e, portanto, parcialmente ilusória) por meio da diferenciação egóica e personalística, uma certa Espiritualidade - como a relativa ao Sanathana Dharma, incluindo o Buda-Dharma - requer um passo final no sentido de uma libertação "maior", para fora do corpo (se bem que mesmo esta pode ter algo de ilusório...), com vista à indiferenciação. Os dois produzem o "eterno presente" e a Ética: a perspectiva psicanalítica advoga que a descoberta do "Eu" leva à supressão da angústia de castração e, como tal, à derrogação dos impulsos destruidores; a perspectiva do Dharma advoga que a verdadeira Ética implica a morte do Ego, da individualidade (se bem que mesmo isto é questionável).
Rapidamente, não consigo resistir a uma analogia cognitivista. Imagino já que o trabalho psicanalítico, muito associado ao tratamento da neurose, seria um pouco como divorciar o cérebro emocional do cérebro "pré-frontal", reduzindo o peso do segundo, enquanto que um trabalho essencialmente meditativo reificaria o mesmo tipo de divórcio, mas daria uma maior ponderação ao córtex pré-frontal (acredito que existe aqui uma evolução lógica de um possível "tratamento do Espírito", mas isso foi um assunto que já tratei nos meus livros «O Corpo e o Nada» e «As Metamorfoses do Espírito»...). O próprio Yoga começa por ser mais "corpóreo" e acaba por ser mais "meditativo", um pouco como se a "Voz do Silêncio" requeresse primeiro a gestão das oscilações da dualidade carnal do mundo infernal.
O processo escalar evolutivo é, assim, um pouco como a evolução do próprio cérebro (no sentido tanto filo como ontogenético), feita de "baixo para cima", do Id para o Superego, do Sistema límbico para o Córtex pré-frontal, do Quaternário inferior para a Tríade Superior, do cérebro do Eu para o cérebro do Todo, da Psicologia para a Psicologia Social e desta para a Sociologia, e da Sociologia para a Macro-Sociologia, do deus-homem para o Deus-Homem, do demiurgo individual (analítico) para o demiurgo colectivo (moral), do demiurgo para Deus, da Obra ao negro para a Obra ao branco e desta para a Obra ao Vermelho.
Na perspectiva da "Queda", imagem cunhada pela religiosidade primeva, só temos mesmo é de inverter o sentido desta ordem, coisa que não reside na lógica interna de um materialista. Tal como um espiritualista não gosta de ver o Bem Espiritual transformado no Superego, e numa certa perspectiva nem o é, pois o Divino, de algum modo, não é moral ou imoral (mas o Superego pode ser o Demiurgo, a Lei do Universo a que pertencemos)...
Estas analogias são aqui apresentadas de modo propositadamente simplista. O que se propõe não é, obviamente, novo, mas não podemos deixar de nos espantar com o terreno de alguma incomunicabilidade entre a lógica materialista e a lógica espiritualista. Talvez alguma Psicanálise constitua a excepção a esta regra, pois que ela sempre tentou fazer a ligação do Colectivo ao Individual, e esse esforço não se esgota obviamente com Jung. Nas últimas décadas do séc. XX houve até um esforço suplementar de redenção da Psicanálise relativamente à Ética dos tempos modernos, com a sua aproximação aos modelos de comportamento ético-moral numa lógica já bastante mais distante das construções freudianas (que estariam obviamente adaptadas a um tempo em que a castração religiosa era bastante mais visível e socialmente relevante). O esforço de conciliar a Psicanálise com as diversas construções Espirituais é maior do que nunca e, a meu ver, tem todo o mérito. Também terá todo o mérito o esforço conciliatório da Espiritualidade com as neurociências ou, termo preferível, a Ciência Cognitiva, algo que já se realiza há umas poucas décadas. O que não é muito meritório é recalcitrar na incomunicabilidade hermética entre as diferentes fontes de Saber, um pouco como se a guerra de paradigmas justificasse o dogma que os alimenta. O moderno "religare", a lógica "simbólica" de aproximação e fusão disciplinar, deve representar o derradeiro esforço de compreensão da Realidade, a mesma que já sabemos ser "diabolicamente" procrastinada à custa da suposta "incomensurabilidade de paradigmas" (Kuhn). De resto, o "religare", a aproximação entre o que sofreu a diáspora da temporalidade entrópica e relativizadora é aquilo que todos desejamos: o regresso mítico ao "in illo tempore", o Paraíso da Luz de entendimento. Tentemos, tentemos sempre e sem desistir o regresso a Babel. Resistamos ao castigo da Queda, à tentação de gorar o caminho do conhecimento da árvore do "bem" e do "mal". Malditos sejam os homens que preferem a destruição da Torre! E malditos sejam ainda mais os que vêem a concordância e o encontro onde não reside qualquer Luz, os que resistem à espada desconfortável mas necessária ao Caminho, os que persistem em ver o Absoluto no Impermanente, e os que calam a solitária criança que corajosamente diz "O Rei vai nu".
 
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O 'Masculino' é dominante na Espiritualidade e também na Psicanálise. Se a grande obra Espiritual evoca a sublimação do Espírito no "masculino" e da matéria no "feminino" tal deve-se também ao facto de ter sido o sexo masculino aquele que se problematizou mais ao ponto de sublimar a sua "inferioridade" para as grandes Estruturas do Espírito. Se o "masculino" é dominante na Psicanálise é porque o rapaz tem um trajecto mais longo para percorrer na identificação própria relativamente ao seu casulo "uterino"; a rapariga corre menos riscos visto que, mesmo que não consiga desprender-se completamente da ligação à Mater, ainda assim esta é do seu género. O "masculino" é, assim, mais problemático que o "feminino"; o homem é, de facto, o sexo fraco, e é isso que faz com que os grandes filósofos sejam dominantemente do género masculino.
 
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Aprecias as grandes Igrejas, os grandes monumentos, enches-te de prazer na sua contemplação. Prefere-los aos elementos voláteis da modernidade. Na verdade, procuras em tal contemplação as tuas próprias Estruturas, visas retirar das Catedrais a Cátedra da tua própria Identidade. De facto, é preciso ser-se muito seguro de si mesmo para poder vogar numa cultura "nouvelle vague". A falta de segurança própria alimenta, muitas vezes, a nostalgia do antigo Dogma, do tempo do Cânone; por outro lado, o excessivo desprendimento das Estruturas no mundo moderno (associado à velocidade vertiginosa da mudança, impermanência, relativismo multiperspectivista) leva à multiplicação da sensação de insegurança. Uma certa Psicanálise freudiana propende a libertação das Estruturas, mas também uma certa Psicanálise propende a existência de um mínimo de "Leis", sem as quais o ser poderá sentir-se perdido, assim como também se defende um mínimo de Civitas/Superego, na ausência do qual o ser se tornaria associal, um pequeno ditador (também um pouco à semelhança do que actualmente se verifica na Sociedade...). Parece-me que o caminho do meio, da virtude do meio-termo, é a via mais sábia: suficiente liberdade (Id) para que o ser possa vogar à sua (?) vontade, suficientes Estruturas que permitam ao ser manter a noção fantasmática do ancoradouro (Arché) e também a noção dos limites éticos. A boa "educação" passa pela arte de potenciar o equilíbrio entre os extremos, e visar a Autonomia da criança/paciente é sobretudo dar-lhe este equilíbrio entre as Estruturas e a Liberdade, mas sempre tendo-a (ou tendo-o) como um fim em si.
 
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O Arché é, então, a base do conforto e também da criação. A assunção do homem enquanto seu próprio demiurgo implica, como já vimos, o retorno ao Arché Pater, ponto de partida para a reificação definitiva do Arché egóico. Este Arché próprio não é, como também já pudemos constatar, comparável a um estado de verdadeira Liberdade criadora, mas, ainda assim, dá ao sujeito o poder de criação, o Livre-arbítrio do Super-Homem nietzschiano. Se este novo ser reifica o seu próprio Arché, isso significa que ele é capaz de criar os seus próprios Valores, a sua própria Moral, a sua própria Lei, o seu próprio sistema de um "Nomos" (e também de um "Nosos", o anormal). Isto é, como sabemos, o ponto de partida para a perspectiva de um relativismo, que, se é perigoso, é porque existem outros homens, eventualmente Super-Homens, também com os seus próprios Valores, as suas próprias referências. Daí que o evitar do conflito e da destruição só possa ser obtido por dois grandes meios: a manutenção e celebração do retorno ao Arché Primário, genealógico, a rememoração das referências comuns do Universo do Todo, ou então, a criação de soluções contratuais, comportamentos "adaptados" que permitam a salvação do Eu no seio do Todo e da liberdade do Outro face à liberdade do Eu. Estas soluções não são necessariamente conscientes, como as que vemos nascer na época das Luzes ou no formato de Teorias políticas e judiciais; incluem também os comportamentos morais que as diferentes culturas arcaicas requereram adoptar de modo a se permitirem sobreviver; o facto de muitas culturas com comportamentos "não adaptativos" à sobrevivência terem desaparecido nos confins do tempo leva a que permaneçam tardiamente culturas com comportamentos semelhantes que o mais incauto tentará ver enquanto Universais genéticos, quando, na verdade, são Universais culturais.
 
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Não obstante, as mitologias arcaicas mantêm a sua dominância no contexto da construção de um certo tipo de "ethos" moral. Mas não nos iludamos. A religião não trata somente da Totalidade Ética e há muito que os aspectos nocturnos e saturninos das mitologias puderam ser "desvelados". Se há toda uma Filosofia preocupada com a Razão e uma boa parte da Espiritualidade preocupada com a questão da Moralidade que tentam empolar somente os aspectos racionais das mitologias, em particular certos "comportamentos paradigmáticos" do que podemos encontrar em Homero ou Hesíodo, é bem certo que o lado "lunar" da espiritualidade também integra as estruturas arquetípicas, se bem que uma boa parte do Esoterismo conceba esses aspectos como o lado luciferino correspondente de algum modo à "obra ao negro" da actividade evolutiva de Sophia.
Obviamente a concepção de um Divino Absoluto não é muito compatível com a noção dos "deuses humanos" e com atributos da mitologia grega, e é por isso que nela encontramos o modelo flagrante do paralelismo entre o Macrocosmos de deuses e o microcosmos humano (ou seja, entre o Inconsciente colectivo e o inconsciente individual). A desmitização destas estruturas arquetípicas, assim como o empolamento dos seus aspectos familiarmente Racionais, têm o cunho da subjectividade de filósofos (disfarçada de Racionalismo) e religiões moralistas que pretendem ver somente o Absoluto em tudo o que é Sagrado. Mas o Sagrado transcende o Divino, assim como o homem é dimensionalmente mais inclusivo que o Super-Homem. A obsessão pela Racionalidade é a incapacidade de o h/Homem lidar com a fenomenologia/dialéctica da subjectividade. A subjectividade é criadora, inventiva, transcende o Arché básico e isso pode causar muita ansiedade. E a obtenção do Arché próprio envolve a labuta do peregrino, as dores de crescimento, o que acarreta quase sempre um certo grau de desconforto.
 
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A procura do Arché perdido e a necessidade de fuga ao sofrimento são obsessões do homem que ainda não se encontrou, do homem que não se tornou ainda Super-Homem. Por outro lado, sabemos que o homem desencontrado é aquele que muitas vezes assume certa forma de protagonismo, de liderança. Será razoável presumir que uma certa obsessão pela racionalidade por parte do mito e da religião advém da obsessão racionalizadora do homem influente cujo Ego »» Superego expansivo gerou o mito primevo? Terá a Religião origem na insegurança narcísica do homem que requeria criar Estruturas externas como modo de compensar a falta de Estruturas internas?
 
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O Jesus histórico é o resultado de uma construção supergóica. O avatar mitifica-se pela sua insuficiência narcísica. E se o rato pariu uma montanha, tal como um suposto e questionável Jesus histórico ajudou a parir o Cristianismo, é porque uma altíssima dose de "complexo destruidor" enformou a mente de uma personalidade e mais tarde de uma Instituição. A busca da Estrutura grandiloquente é a busca do si-mesmo há muito perdido. A busca do Si é a busca do Ego e a Obra somente existe porque há alguém para ser obrado. Todos os outros, testemunhas inocentes e abandonadas à sua sorte, recebem de braços abertos os pilares do Superego como quem deseja o chão do lar há muito desejado. 
 
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Ser Narciso é condição de ser Cristo. Ser pequeno é condição de grandeza. O Uno hipermoral resulta da incapacidade de ser Uno na tentação. Temer a tentação é temer a perdição ou a felicidade. Pecar é ousar ser feliz. Foi preciso uma grande dose de abandono e frustração para que o h/Homem ousasse criar as condições do seu próprio agrilhoamento.
 
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Jeová, tal como Cronos, ousa temer o acesso à sua grandeza. Aquele que não tem nome tem, na verdade, nome e encarnação; não deseja, na verdade, ter nome ou diferenciação, pois assumir a sua diferença é assumir a liberdade desconfortável e o risco do abandono (que abandono nunca seria se o homem existisse no lugar do não homem). E até o Absoluto tem nome e encarnação; não conseguiu, no entanto, a diferenciação suficiente para renunciar à construção da montanha.
 
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Os Deuses e a religião não seriam possíveis sem a psiconeurose. Os confessionários podem não ter o conforto do Divã, mas serviram bem na sua função redentora. O padre receita rezas, o psicanalista torna-as inúteis. O padre conforta e o psicanalista também... O esoterismo está para a religião exotérica como a Psicanálise libertadora está para uma certa Psicanálise castradora. O perigo da Transferência existe em todos eles...
 
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Colocassem o avatar no divã, teriam evitado inúmeros problemas! Coloquem a ciência no divã, evitarão muitos outros. Coloquem a Civilização no divã, ela precisa de exorcizar os seus demónios, não de Espiritualidade meditativa. Receitem anti-depressivos à Civilização e confortá-la-ão; mas temam o dia do desmame!!
 
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Ser homem plenamente é não requerer pilares, arquétipos, montanhas, como quem despreza a floresta e o deserto alquímico. O ser seguro de si mesmo despreza a Espiritualidade, o mito, o Clássico, abraça o presente com carinho e serenidade, aceita a mudança, não teme o grupo ou mesmo a tentativa de alienação, vive o engano sem grandes problemáticas. Se isto não é o eterno presente não sei o que será. Requerer o Espírito, as Estruturas alheias que irão (?) ser as próprias e os divãs é a prova dada da inferioridade e o risco da sua confirmação no eterno retorno.
 
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Nenhum homem seguro de si mesmo se quer conhecer.
 
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O sentimento de culpa é a essência da moralidade. É preciso uma grande dose de recalcamento para que o homem anseie espiritualizar-se. Faria melhor em aceitar-se, encontrar o seu Ego, para não querer transcender-se. Ame-se a si mesmo e amará o outro. Temer a força das emoções e a satisfação egóica do amor é temer a punição de um fantasma incestuoso, a culpa que uma Mater castradora foi capaz de entrosar num denso aparelho de auto-repressão. A urgência da Libertação é a urgência da supressão da dor supergóica, o alívio do sentimento repressivo de culpa. O alívio do Sofrimento é o fenecimento do sentimento que força a moralidade. O dharma não é, então, o caminho para a libertação. O divã e os psicofármacos marcam aí mais pontos. Aceite-se o Ego, o absoluto da individualidade, a perfeição da singularidade, a grandeza da diferencialidade, sem temer ou lamentar o facto de tudo ser determinação, condicionamento, subjectividade, injecção hormonal. É certo que somos determinação relativa, mas, não o sendo, não seríamos o que somos, não poderíamos sequer lamentar ser o que somos, não poderíamos sequer ter a força, o motor da mudança no seio do que não chega sequer a mudar, senão na ilusão de que o devir depende de nós, da nossa vontade, do nosso ser. Não aceitar o nosso Ego é ceder à vontade do fantasma do passado, ao sentimento repressivo que ele estende ao nosso próprio controlo. Aceitar o Ego, conviver com o facto de sermos condicionados, não desejar-mos deixar de o ser, não temer não sabermos ou controlar tudo, tolerar a incerteza e o relativismo, aceitar que tudo é impermanente, não resistir à mudança e saber que ela é a regra e que o Eterno, as Estruturas, o Uno não passam de ilusões, não temer a mortalidade e a própria destruição, não temer ser ultrapassado, gozado, vilipendiado, inferiorizado, rejeitado, ofendido (como quem nem tal poderia vivê-lo...), tudo isto implica muita força, uma segurança interna, que, não existindo, requer segurança interna para passar a existir. E a própria resistência (defesa) de quem lê isto e teme aceitá-lo é a prova suprema de que aqui jaz alguma verdade: a verdade de quem isto lê e nisto se reconhece, e, por reconhecê-lo, ser maior a zanga, a fúria para que tal não suceda.
(E já este texto trai o autor do aforismo, porque o seu esforço, o seu perfeccionismo, tudo evidencia que o seu próprio Superego o impele, a sua própria necessidade de Compreensão o vitima, a sua própria frustração o movimenta, o seu próprio contexto fala por e através dele... o contexto que sabe ser determinante, mas que, às tantas, deixa de reconhecer como tal).
 
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O complexo de castração determina tanto na tentativa do ser de corresponder à culpa recriada pelos fantasmas internos (arquetípicos) como na tentativa de controverter a esses fantasmas, numa alusão à luta contra a culpa, na perspectiva de uma potencial saudável emancipação arquetípica. Entre estes dois pólos (que não o são, porque há um punhado inumerável de possibilidades mais "polares" do que estas), podemos conceber a possibilidade de uma infinidade de comportamentos ou atitudes possíveis por parte do Sujeito que responde a esse complexo fantasmático, sendo que o "relativismo" inerente a esta "infinidade" é sobretudo a "força de expressão" que advém do conjunto incomensurável de relações dialécticas entre possíveis variáveis (as mesmas condições originárias poderão gerar múltiplas possibilidades comportamentais, atendo o conjunto quase infinito de variantes culturais assomado ao poder esmagador do "efeito borboleta") dificilmente "controláveis"/"determináveis" por qualquer ser, instrumento ou Super-Homem [quiçá, alguma forma de inteligência artificial venha a assumir esse estatuto, dada a Hiper-consciência que adviria dessa capacidade de controlo multi-factorial - sempre problematizável pela força infinitesimal do tomismo de variáveis e definições - que, perante tamanha complexidade (eventualmente reprodutível pela força numérica de chips e circuitos, não biológicos... mas o que é ser biológico senão mera estrutura redutível às partículas mais básicas?... redução que aproxima o biológico do não biológico), teria um nível de consciência basilarmente humana, senão meta-humana (isto, na base de uma preocupação meramente semiológica). O que é ser humano senão ser duplamente condicionado e consciente? (passe-se a necessidade de uma "definição contratual") Seria esta forma de "inteligência artificial" humana ou meta-humana?... homem ou Super-Homem? - Não esquecer que ser hiper-consciente não significa ser necessariamente mais livre, a não ser talvez "mais livre que outrem", mais livre que os alienados, mais livre no plano ilusório... e, já agora, o divã dá, então, a liberdade ou a sensação de liberdade e controlo? Ser livre é o verdadeiro objectivo? Não procuramos aquilo que noutro plano revela ser somente a sensação subjectiva de liberdade? Esta sensação acarreta mais liberdade nominal do que aquela que os supostos "alienados"/"condicionados" possuem?... Deveria o divã buscar somente a Felicidade, mesmo que esta requeresse mais "adaptação" e eventualmente menos liberdade? Mas a adaptação não requer a sensação de liberdade, de modo a que o sujeito seja menos defensivo?...]. [Nota: a tentativa de um simples homem controlar um número máximo de variáveis poderá ter o efeito secundário de frustrar a acção, um pouco como o obsessivo que se perde nas ruminações, o que, de algum modo, significa que a complexidade é útil até ao ponto em que ela esbarra com a loucura, que, no poeta, no ser livre, é assumida com as plumas de uma angústia sem angústia. Há, então, que escolher: ser homem ou ser poeta? ser homem ou ser Demiurgo/Deus? ser humilde ou tentar ser Super-Homem? assumir a limitação e não sofrer com a culpa de não sermos mais que ela ou assomar-mos a loucura castradora com o risco de implodirmos? (por enquanto, mesmo havendo a capacidade para mais, ficar-me-ei simplesmente por um ad infinitum, menos por medo de implosão do que por economia de espaço, o que, mais a mais, explica o tamanho "controlado" dos meus múltiplos aforismos...)].
É a fraca capacidade preditiva da Psicanálise que ousa acusá-la muitas vezes de ser "pseudo-científica", mas é por isso mesmo que o método hermenêutico/pós-moderno desempenha nela um importante papel, o mesmo método que se adapta à idade Outonal da vida (3ª idade, maturidade), que é aquela que assume a plena complexidade e o multi-perspectivismo de vozes e linguagens (e até a possibilidade de entrosar as vozes e linguagens num só constructo sintético, síncrono, pós-moderno... Livre!!! Ora, ser livre é estar menos preocupado com previsões e controlo de variáveis - deixemos isto para a escala das ciências naturais - do que com interpretações e vivências espontâneas, sem preocupação por um qualquer tipo de engenharia de controlo... vide a tentação teomaníaca do terapeuta em interferir, muitas vezes de forma abstrusa, com a conduta do paciente, com o equilíbrio do ser, que, de qualquer modo, ao procurar-nos, pede, de certa maneira, para que exista um certo nível de "interferência contextual", a mesma que ousamos ser "benéfica" para o paciente, a mesma que, sendo pela Saúde do Singular, e atendo o Equilíbrio sinérgico e homeostático da Natureza Global, poderá significar a patologia de um "outro"... o que, mais a mais, poderia ou deveria aumentar as preocupações ético-morais do terapeuta nos termos da "Humanidade", o que, ainda assim, não deixa de ser o desiderato de um sentimento de culpa, do mesmo "complexo de castração" que todos temos a algum nível, e que terá iniciado este mesmo "fragmento"). 
 
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Quando a mãe se recusa a largar o seu filho, quando o pai objecta à sua natural evolução, de quem é a angústia de separação? Do Pater/Mater castrador ou do filho que propende o conforto paradisíaco? Quando a mesma tendência afecta a relação deste filho com o seu próprio filho, de quem é a angústia de castração senão do franco poder de determinação transgeracional?... Será isto o normal processo de evolução, o mesmo que alimenta milénios de Obras, de arte, da ciência, do Espírito?... Ai Ego, como dominas tudo!!!...
 
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Não existem verdades universais, exceptuando a verdade de que não existem verdades universais (ad infinitum).
 
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O mal e o bem não passam de abstracções. O mal é o "bem" do outro que luta pela vida, que luta defensivamente contra o que "interpreta" como um mal (é daqui que vem o preconceito...).
Dai ao homem um placebo arquetípico - um medicamento, um cigarro, o jogo, a paixão, a filosofia ou a religião - e reduzirás a sua ansiedade: o seu "bem(estar)" é maior, o "mal" é menor, o bem exercitado na "comunhão" aumenta, as tentações destrutivas diminuem. A solidão é destrutiva, a desadaptação gera mecanismos compensatórios que quase sempre se exprimem por uma hipermoral racionalizadora, castradora. Dai o amor pleno ao profeta e ele desvanecerá no seu messianismo. Dai a compensação narcísica ao ser e ele passará a amar a Humanidade nos seus erros, a aceitar a sua imperfeição (mesmo o que interpreta como "mal" passará a ser respondido com tolerância...). Dai ao ser a felicidade e o mundo parecer-lhe-á todo ele mais belo, todo ele mais feliz. E o "mal" passará a ser uma mera brincadeira de crianças, uma marotice de garotagem, uma provocação da adolescência, um rito assaz transportador do exercício do prazer erótico.
Tira as defesas ao ser e ele entregar-se-á mais facilmente ao outro. A religião, a filosofia permitem a fuga do ser à relação, a perpetuação da visão de que o mal é uma condição absoluta, quando pode ser somente o "mal subjectivo" do que não consegue dar-se, entregar-se. No dia em que o ser frustrado for amado o "mal" parecerá desvanecer-se (nem que seja por breves momentos). No dia em que o ser não frustrado for, por qualquer razão, traído ou odiado, o mundo começará a parecer-lhe mais odioso, maléfico, até os dias parecerão mais "borrados" na sua luz.
Portanto, é a subjectividade que condiciona a escolha de paradigmas, de filosofias, que, ainda assim, não perdem necessariamente a sua objectividade interna e conteudística. A escolha de hoje parecerá a traição de amanhã, porque o ser muda, não profundamente, mas nas suas percepções face ao que pensa ser, face ao que pensa ter alcançado, sendo que o que alcança "ser" parecer-lhe-á sempre um dado adquirido, o alcance final daquilo que "sempre terá sido tão óbvio", daquilo que, de repente, "é o que sempre foi", mesmo que não o tenha visto. Assim sendo, o ser não é senão o que subjaz a as estas mudanças, o Nada que reflecte estas personnas. No parecer clínico, parecerá falta de personalidade, o que, mais a mais, é somente a avaliação de uma outra sombra que possui a sua (?) avaliação proveniente de um paradigma, um entre muitos possíveis. Para outros, poderia tal mudança ser o reflexo do contexto, e mesmo esta visão é apenas mais uma entre tantas possíveis. Inúmeras visões, no seio das quais aquela que parece mais "verdadeira" é somente a que obedece às referências da "normalidade" do contexto em causa (aquilo que entendemos como "bom-senso" resulta do mesmo processo referencial). Ser o contexto é parecer mais são, travestir-nos de visões é parecer mais louco, ser coisa precisa dá mais segurança - ao Eu e aos Outros -, ser de tudo um pouco dá, aparentemente, mais insegurança. Veste-te, traveste-te, despe-te, faz o que te manda a ilusão, mas, por mais que te esforces, nunca serás mais do que ilusão, mesmo quando pareces absolutamente trans-vestido ou, ilusão maior, permanentemente despido. 
 
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A Doxa precede a Epistémi. "A existência precede a essência." A subjectividade precede a objectividade. O conflito interno, a necessidade de libertação face ao fantasma castrador e a defesa do Ego face às ameaças de destruição interna (sempre partindo do modelo psicanalítico de "complexo de Édipo" sem o qual nada disto faz qualquer sentido) explicam a escolha do paradigma e a intolerância face ao paradigma concorrente. As conhecidas tendências marxistas do jovem libertarista são, muitas vezes, o reflexo da necessidade de libertação face aos Deuses/Pais da 1ª idade do seu desenvolvimento, mas, ainda assim, não deixam de se consubstanciar como mais uma prisão arquetípica, um referencial de securização. Somente o despimento dos conflitos e das defesas permitirá o despimento dos referenciais a o surgimento da tolerância. A Tolerância não é, assim, algo que possa surgir de fora para dentro, mas somente com a mudança interna (a própria abertura mental face a ideias "novas" somente pode existir se o Ego não tiver necessidade de se agarrar obsessivamente a um Paradigma securizante). A Pós-modernidade multiperspectivista é, então, a maturidade do Ser firmado que não "sofre" com a possibilidade de comensurabilidade de paradigmas ou de compatibilismo de referências opostas. O crescimento desfaz o fundamentalismo, a maturação quebra o fanatismo, traz a paz interior de quem coexiste com todas as Verdades (agora tornadas mais próximas, semelhantemente aceitáveis).
 
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Se bem que um certo esforço Racional pretenda desmitizar a compreensão da Realidade, ainda assim, o fundamento arquetípico mantém-se vivo nas construções Espirituais, incluindo o Esoterismo, mais lançadas para a perspectiva de uma Racionalidade noética. O mito é expressivo da subjectividade demiúrgica, mas é também a expressão do Inamovível, do eterno, do Valor racional. O tempo Judaico-Cristão pretende desvitalizar o arquetípico, e acaba mesmo por ser assimilado ou por assimilar uma certa tendência científica, mais tarde dessacralizadora (no entanto, o mito também se mantém camuflado no tempo Histórico, por meio de símbolos, ritos e liturgias). Mas a Espiritualidade profunda e esotérica, incluindo a ocidental e cristã, mantém, de algum modo, a ligação à perspectiva mítica, que pretenderá sempre valorizar como o assomo do Intemporal do Arché. Aqui já não nos referimos necessariamente ao mito mais "antropomórfico", se bem que mesmo este acaba por ser transformado pelo esforço de "interpretação alegórica". O Esoterismo valoriza o mito, e até aceita a sua carga "subjectiva", mas aproxima-o do seu modelo de visão Racional do mundo. O Esoterismo funde o arquetípico com o Racional, igualizando-os no demiúrgico, na importância do Sagrado do Intemporal e do Eterno, e chega mesmo a manter vivo o esforço de literalização das construções cósmicas e "meta-cósmicas", com a Teosofia moderna a constituir o exemplo paradigmático de "reactualização" da Totalidade arque-racional. Lembremos que, de todos os Esoterismos, a Teosofia moderna é provavelmente aquele que mais mantém vivo a cultura perene, o paganismo, grandemente pelo esforço de conciliar Filosofia, Religião, Espiritualidade e Ciência na Totalidade "arquetípica" que nunca devia ter deixado de Ser (aliás, eideticamente falando, nunca deixou de Ser). O esforço teosófico e de outros esoterismos reacorda, ressuscita, a realidade mítica, pretendendo mesmo devolver-lhe a sua realidade literal. A Nova Era seria, assim, como o regresso arquetípico literal ao "mito", um pouco como se o Homem necessitasse (e bem que precisa!) e requeresse a nova lentificação temporal.
 
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Todas as manifestações de "Espiritualidade" têm em comum o desígnio da superação do Corpo. A grande diferença entre as manifestações do Ocidente relativamente às do Oriente está na importância atribuída à matéria enquanto contraparte necessária à Evolução. O Oriente ousa um maior panteísmo, uma visão mais holística, monista, do Corpo-Espírito. O Ocidente teísta demoniza mais a entidade corpórea e até certas expressões esotéricas como o Hermetismo ou a Cabala possuem a sua tendência dualista, se bem que não atingem o grau de demonização do Corpo que se obteve com a entrada na História/Cultura reificada pela lógica Platónica-Cristã. A Filosofia ocidental demarca-se do mito precisamente no momento em que hegemoniza o lugar da Razão face a um Corpo com o poder de agrilhoar o ser na caverna da ilusão. Sucessivamente, o Judaico-Cristianismo, a Patrística e a Escolástica vão mergulhando o Homem numa lógica de temporalidade "linear" entrópica que reifica/antecipa o tempo profano. O Cartesianismo agrava o dualismo em causa por meio da separação do Corpo relativamente à Mente, e somente a partir do panteísmo de Spinoza voltamos a assistir a uma reunificação do corpo-mente que, de qualquer modo, não viria a ser apercebida pela maioria dos próprios filósofos. Leibniz estende de algum modo o panteísmo de um certo Racionalismo no formato de uma visão do Equilíbrio do Todo, em que os males da matéria são vistos como a parte requerida ao Bem de um Divino justificativo dos sofrimentos. Spinoza e Leibniz realizam uma certa forma de panteísmo aproximável da visão Oriental, mas o racionalismo científico das Luzes viria contribuir para a derradeira separação entre Filosofia e Ciência, com a segunda a vituperar a entrada extremada no tempo profano da modernidade. Uma parte da Filosofia mantém o seu cunho dualista. A Filosofia Idealista, cunhada com a (pós)modernidade, aproxima-se do Espírito, e, nesse sentido, também se avizinha de uma visão monadística. Por outro lado, as tendências relativistas e materialistas de outra Filosofia levam à sua aproximação ao monismo fisicalista, antecipando, de algum modo, a preocupação obsessiva com o corpo e a subjectividade, que atinge o seu zénite no século XX. Um certo esoterismo ocidental possui uma visão panteísta comparável com as visões racionalistas de Spinoza mas é provável que somente a teosofia moderna tenha chegado a um certo tipo "superior" de profundidade monadística.
O que interessa perceber é que, se no Ocidente, a entrada no tempo profano reifica, sobretudo nas mentes das massas, a "materialização", dessacralização e desespiritualização do Ser, o Oriente mantém, ainda assim, uma certa resistência a essa tendência, até que a perda de tal resistência leve a que possamos dizer que o Oriente se ocidentalizou. A Espiritualidade profunda do Oriente mantém uma visão da Totalidade Corpo-Espírito bastante mais próxima do que se entende por Monismo, se bem que várias tendências dualistas e até algumas materialistas puderam surgir no Sanathana Dharma milenar. A grande diferença face ao Ocidente está na forma como perspectivam o corpo e o tratam (ou tratavam, até há algumas décadas), evitando a sua demonização e nele perspectivando o aspecto "manifesto" da Essência Total. Vejam-se os exemplos do Buda Dharma ou do Taoísmo. O corpo é um templo que deve ser respeitado, é o palco da evolução, sem a qual, na perspectiva do Sanathana Dharma, não é possível obter o saldo kármico. Obviamente, numa perspectiva de uma religiosidade de temporalidade linear, ou seja, não genericamente reificante da "reencarnação", o corpo passa a ser visto facilmente como matéria a desprezar, a ser o palco da renúncia. [devo acrescer que o tratamento do tema se apresenta como propositadamente simplista, pois, na verdade, cada filosofia, cada momento preciso de um filósofo, pode ser avaliado e reavaliado, categorizado e re-categorizado, sem limite, até que acabemos por compreender que é inútil qualquer tentativa de categorização e que vale mais (tentar) entender a profundidade de uma só frase, de um só momento, de um só vislumbre filosófico-espiritual].
A minha defesa do regresso das medicinas ocidentais ao contexto de um Paraíso entretanto perdido parece quase frustre se constatarmos o conjunto existente de medicinas ditas não convencionais, que conseguiram manter alguns resquícios de uma Sabedoria milenar, incluindo não só a visão de um Uno Corpo-Mente como a visão de um Uno Corpo-Espírito. As medicinas e terapias ocidentais já ultrapassaram parcialmente o cartesianismo (umas mais do que outras), mas, com as devidas excepções, ainda não entraram verdadeiramente no domínio do Espírito, sobretudo porque este ainda é muitas vezes entendido como sinónimo de "mente". Por outro lado, desenganem-se os que pensam que toda essa indústria de métodos pseudo-místicos reitera a desejada entrada da medicina oriental no contexto ocidental, pois mais se perspectiva a ilusão placebetária e o feitiço mercantilista com vista ao mero "bem-estar" e à felicidade individual do que o assomo de um Caminho verdadeiro, de uma Libertação, que, mais a mais, é vista pelo materialismo ocidental como ilusória.
 
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Toda a Terapia diferenciada é um pouco como um Arché autonomizado pela progressão temporal face ao Arché Pater. Se a diferenciação alimenta a confusão babélica e relativizadora de linguagens, o destino evolutivo é o regresso a um certo nível de Indiferencialidade primeva. Daí que, à semelhança da muitas vezes advogada síncrese das diferentes estruturas religioso-espirituais, também as diferentes expressões terapêuticas, desde as milenares prenhes de um maior nível de holismo até às ocidentais mais corrompidas pela entropia do tempo, deveriam conspirar nos termos de uma síntese propiciadora do entendimento do que é comum, eterno, arquetípico. Caminho de Unificação que tende a ser adiado sempre que uma "suposta novidade" ou um "novo método" vem criar a ilusão de uma evolução, que, de qualquer modo, não poderia sê-lo sem que a própria noção de tempo sofresse uma transformação profunda. Obviamente, no contexto individual do próprio terapeuta, o conjunto dos métodos estruturados no tempo "paradisíaco" alcança um certo estatuto arquetípico, face aos quais o exercício da inventividade e da liberdade criadora do terapeuta poderá vir a padecer de um certo receio. Perante a descoberta própria, o terapeuta sente muitas vezes a necessidade de procurar a semelhança da técnica já criada, um pouco como se requeresse a autorização do Pater. Quando o ideal seria que o acto irrepetível do terapeuta fosse somente a acção arquetípica indiferenciada, sem nome ou categorização, etiqueta ou especialização, um pouco como se o novo fosse a reactualização inconsciente do eterno, sem que tal requeresse a necessidade de firmar a origem, o nome de um criador, até porque o criador é o próprio terapeuta, o artífice de algo que sempre foi o que É, o agente livre de uma Permanência que vê na nova expressão um meio heurístico de manifestação. O Eterno é o Arché primevo, o Logos primário. A manifestação e o tempo histórico do ser-aí permitem a concretização, a densificação por caminho autónomo e irrepetível do que pertence ao permanente. A fenomenologia do Espírito é, assim, um modo de trazer à História o que pertence ao Arquetípico, de modo a que o eterno se travista de uma dimensão de materialização fenoménica que, mais a mais, o acabará por levar de novo ao Eterno. A acção livre do ser, do terapeuta, é a relativização do eterno, pela livre acção - sempre securizada pelo Arché que nunca perde de vista - do Permanente na mecânica do "antes" e do "depois", um pouco como se o Eterno requeresse a separatividade, a densificação, o ganho de consciência necessário à re-urgência do Eterno.
O Relativo é, então, condição do Absoluto, a fenomenologia é condição do Divino, a razão dialéctica é condição da razão pura, o tempo é condição da Intemporalidade, o carnal é condição do Espiritual, o Eu inferior é condição do Eu Superior, o corpo é condição do Nada, o Ego é condição do Espírito, condições que nem o são, senão somente manifestações.
 
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Se, na mente do Espiritualismo, a emoção (Kama) ocupa o lugar mais elevado na hierarquia dos "corpos" do Quaternário Inferior (Corpo, no sentido abrangente), não é de todo incoerente considerar que também a Psicanálise actua, à semelhança de diversas Terapias não convencionais, no sentido Superior »»» Inferior. Nesta perspectiva, a Psicanálise poderia, de algum modo, deixar de ser conluiada com a visão de um certo reduccionismo que pretende traduzi-la por meio de uma linguagem neurobiológica. O Espiritualismo vê nos fenómenos neurobiológicos o "efeito" (ou a manifestação) e não a causa dos processos de doença. A velha batalha entre o Espiritualismo e o reduccionismo opõe igualmente psicólogos e psicanalistas, querela muitas vezes alimentada pela incomunicabilidade de linguagens e paradigmas, seja porque eles são de facto incomunicáveis, seja porque não existe um entendimento contratual na relação entre significantes e significados.
Note-se que se a mensurabilidade científica (pelo menos, considerando a sensibilidade dos instrumentos de investigação de que dispomos actualmente) pretende ser o critério de distinção entre o corpo e a alma - o que, de algum modo, significa que a obtenção de instrumentos suficientemente sensíveis ou a utilização de diferentes metodologias pode tornar "científico" amanhã o que hoje consideramos como "acientífico" ou até mesmo, erradamente, "inexistente" -, o grau de "Holismo" é aquilo que distingue o Corpo-Mente (Quaternário Inferior) do Espírito (Tríade Superior), o que pode levar a concluir que o que pertence ao Espírito não é da responsabilidade do objecto da Ciência física e/ou médica... conclusão que deve ser adiada atendendo à grande complexidade do objecto das diferentes ciências, incluindo uma Ciência Cognitiva que inclui uma matriz de vários saberes e ciências... Onde colocar, por exemplo, a Psicologia? Não inclui ela também toda uma riqueza de paradigmas? Não poderá incluir igualmente o método hermenêutico? Será que este método prova seja o que for? A Psicanálise pode ser incluída neste conjunto? É ela uma ciência? A ciência é uma Ciência? E lá nos perdemos nós na própria confusão de linguagens, em que a realidade já não é o que É - se é que É alguma coisa - mas é aquilo que queiramos que seja, pois fica a verdade e a lógica dos termos dependentes de critérios, e estes critérios também dependem de outros critérios, e isto ad infinitum. No fim, arriscamo-nos ao relativismo ou à loucura, ou, pelo menos, à consideração de "loucos" por parte dos outros, os "sãos", os que vêem a realidade da forma mais simples e parcimoniosa, os tais que os complexos vêem como "loucos" de superficialidade.
 
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Uma neurose obsessiva coaduna-se com certas alterações verificáveis, por exemplo, na Tomografia por Emissão de Positrões. Estas alterações são a causa da neurose e os aspectos psicanalíticos são somente a abstracção do que está na base ou as referidas alterações são a consequência de aspectos que se iniciam em níveis superiores? Obviamente que, no fim, pode até parecer inútil o que é o início e o que é o fim, pois já nem há causa nem efeito iniciais senão um ciclo vicioso, no seio do qual a intervenção é sempre meritória, independentemente da parte do círculo em que se actua (visto que tal "interacção" acaba por modificar também "viciosamente" o conjunto do ciclo).
 
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Toda a realidade é, assim, uma questão de entendimento. A comunicação só é possível porque existe a ilusão de comunicação. E esta ilusão só existe no devido respeito pelo contrato de linguagens. As linguagens permitem o pensamento e a organização cognitiva, e as coisas precisam de ser organizadas em esquemas internos para o serem, como se nada fosse o que fosse sem que tal fosse confirmado pelo assentimento da referência interna. Se diferentes culturas, linguagens e paradigmas assentam no diferendo de referências e critérios, é certo que a multiplicidade de todos estes elementos se perde no Infinito da união. Nesse Infinito, os critérios e organizações cognitivas passam por caricaturas "terrenas". Este Infinito é o Uno epistémico. Diferente do Uno entendido como Bem no sentido ético-moral. O Espírito é muito mais do que a construção hiper-moral de uma Espiritualidade vista quase como sinónimo de Ética. Um código moral pertence ao domínio do arquetípico, do demiurgo, mas não do Divino.
 
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O inconsciente individual gera o inconsciente colectivo gera o inconsciente individual. O corpo gera a Lei gera o corpo. O eu gera o Todo gera o eu. O Arquétipo é a Lei. A Lei multiplica-se e gera outras leis. O Arquétipo é a Física. A busca do Paraíso perdido é a busca dos físicos de uma teoria unitária, de um elemento fundacional da matéria. A actividade dos físicos, e a obsessão pelo determinismo materialista, é a fixação dos seres pela regularidade, pela previsibilidade. O h/Homem teme o novo, o imprevisível, o acontecimento irrepetível vítima do esquecimento entrópico. Buscar as Origens é buscar o Si perdido e historicamente multiplicado, erradicar o efeito do tempo, fixar a imortalidade do eterno presente. O h/Homem tem a obsessão da Estrutura, sem a qual não pode ser e ter, não pode ser presente ou devir. Daí a busca de um Sentido para a História e a dialéctica da Existência. O mito é como o inconsciente colectivo: não desaparece genuinamente, mesmo no que aparenta o Profano.
 
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A necessidade de mistificar as profissões é um pouco como o que acontece com as Terapias e a própria Psicanálise: na arte do hermetismo está o mistério e o secretismo, capazes de criar o mito no inabalável e intransponível código secreto. O intransponível traveste-se da ilusão da eternidade, porque o segredo reifica o inquebrantável. Nas Terapias, procura o terapeuta engrandecer a sua "arte" (já não profissão) - aliás, engrandecer-se a si mesmo - e no paciente o placebo arquetípico que permite ceder-lhe a sensação de conforto que uma Estrutura própria reificaria de forma determinante.
Na Psicanálise, o psicoterapeuta busca tratar-se a si mesmo. Se o psicanalista fosse seguro de si mesmo não seria psicanalista, nem tentaria mistificar a sua "arte".
A impermeabilidade hermética das artes e secretismos reifica a Elite e esta só pode sê-lo no irrepetível do incomum. O homem do Espírito tem a fobia do comum, pois a imersão no grupo parece amputar fantasmaticamente aquilo que é a diferença imortalizante. Ser popular é ousar ser esquecido. Ser comum é ousar ser feliz. Ser Eu diferenciado é ousar ser livre. Ser livre é poder morrer e não temer o momento do apagamento. Libertar-se pela renúncia é já não ser livre porque Nada se é. Quando se É não se quer a liberdade, pois o Ego sente em si a Estrutura que falta aos outros.
 
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O secretismo reside somente na incompreensão do que, ainda assim, pode estar à vista de todos. Por vezes, o grau de secretismo, a arte do oculto, é tanto maior quanto mais visível é o que se pretende ocultar. Esconde-se melhor o que se revela, porque na provocação do reconhecimento do velo está a confirmação da incapacidade de desvelar o que só alguns são capazes de reconhecer enquanto auto-tecido arquetípico.
O secretismo é, então, a condição espontânea da arte só por alguns dominada, se bem que se consigna como condição da magicidade própria da vida (o segredo é fascinante, o proibido sidera!), do oculto que se pretende perigoso, inalcançável pelo comum dos mortais. O que, mais a mais, é o pré-requisito do respeito, aquele que os incapazes devem aos eleitos, o que a plebe deve ao nobre, o que o comum deve ao aristocrata, o que o homem deve ao Super-Homem, o que o mortal deve ao imortal... base justificativa da importância das Sociedades Secretas e do seu suposto elitismo... não vá a "Doutrina Secreta" cair nas mãos da "gentalha" perfeitamente incapaz de compreender os graus mais subtis da Vida (ou da Noite).
Não deixa, ainda assim, este grau de Secretismo de se aproximar de um certo nível de Paternalismo que a Elite deverá ter para com os comuns mortais, o que quase nos leva a entender a importância do Dogma e até a tentação do Poder, da Instituição e até da Ditadura. Releva, na linguagem ocidental, do Ideal Platónico, em oposição ao ideal Liberal, como quem opõe o Ideal do filósofo à Liberdade colectiva e à Liberdade individual nos termos do Liberalismo. É que a Verdade parece crescer em contraparte ao entendimento democrático e ao utilitarismo das massas. E as maiorias só conhecem a linguagem emocionalizada, abreviada pelos códigos da simplicidade descartável (se bem que a Emoção ancora numa matriz Universal, e daí o fácil apego dos homens à sua Linguagem Arquetípica). As mesmas maiorias que, por incapacidade de desvelo, requerem ser "protegidas" de si mesmas, por acção da Autoridade, do Arché Pater. (Tratar as pessoas "comuns" como crianças é, assim, como ser ditador, curiosamente respeitado e tornado popular; tratar as pessoas como adultas, apontando-lhes os erros pelo domínio da Razão, é ser visto como ditador, muitas vezes crucificado pela acção das massas sedentas de sangue; ser bom é ser insociável, ser mau é ser agradável... nos termos do Espírito, claro!).
Não obstante, toda a revolução faz sentido se se pretende fazer medrar a Autoridade ou a Cátedra, se entendemos estar nas mãos de incapazes, catedráticos exteriores, labregos do interior, coisa que, ainda assim, se torna perigosa, porque todo o Ego revolucionário se pretende "Catedral" de Sabedoria, o que mais pode ser ilusão endócrina.
Entender que, de algum modo, não há uma verdade definitiva e que a revolução de hoje deixa de fazer sentido amanhã, que a Liberdade de hoje é o Dogma de amanhã, que a minha liberdade é a prisão do vizinho, que a minha felicidade é o sofrimento do outro, que o meu bom Dogma é o mau Dogma de um outro, conduz tudo a uma lógica de Poder, Subjectividade, como se toda a presunção de Razão (incluindo uma boa parte da Ciência moderna) fosse somente a capa travestida de uma Doxa dominante. No fim, resta somente o "Eu", quiçá submergido pelo sentimento de culpa perante a impossibilidade de ser mais do que simples Sujeito, quiçá travestido da sensação de que tudo é inútil, tudo é vão, toda a luta é ilusória, quiçá simplesmente Livre!!
 
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O que mais importa na Espiritualidade é o seu apriorismo axiomático Hiper-racional, aquilo que nela revela do que Somos, independentemente do motor ou veículo que permite chegar ao Superior. A subjectividade, o caos interno, pode explicar o que motiva o h/Homem na procura dos "Porquês" mas isso não significa necessariamente que as respostas obtidas sejam mais falaciosas só porque existe uma "vontade mediada pela frustração". Por maior que seja o complexo de castração que oriente o ser no sentido da Verdade, a obtenção desta vale por si, senão pelo homem, pelo menos pela Essência desvelada. Negar isso seria como desvalorizar a obra de arte só porque foi criada por um bipolar ou a obra literária "estimulada" pelo ópio. As vias são irrelevantes aos efeitos, desde que esteja em jogo a Verdade. Resta saber se o mesmo se afirma quando a Verdade não é compatível com a Ética, coisa que, de qualquer modo, a Espiritualidade despreza, porque uma Verdade não ética não é vera ou, pelo menos, não é Absoluta.
 
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«E é verdade que a Fortuna e a Natureza equilibram sempre as contas: nunca nos é concedido um bem que não surja um mal contrário» (Nicolau Maquiavel). A Perfeição é inatingível. Estamos condenados a uma evolução cíclica em que a fase harmónica é seguida por uma desarmónica, em que o "mais" é compensado pelo "menos". O corpo, a Sociedade, a História, o Universo, todo este Sistema em que os elementos se gerem por equilíbrio, fluxo energético que não permite o ganho de uns sem a perda dos outros. A Eticidade pura, a Utopia final, tudo isto é sonho, só possível no sono da imanifestação temporal. De resto, todo o sonho de um Paraíso é pura ilusão, pois que sempre que o Sistema evolui a favor de uns tem de compensar em desfavor de outros, um pouco como o bem de um a ser avaliado como o mal do outro. Estamos, por isso mesmo, condenados ao desentendimento, à incomunicação, à luta constante pela vida, pela estúpida sobrevivência, como quem quer manter a Roda da Lei, a mesma que determina as lutas e os méritos que são requeridos ao Equilíbrio que garante a existência da Roda. Sair da Roda é a ilusão de muitas formas de Espiritualidade e de Religião. Mas para fazê-lo é inevitável fazer uso das regras que as mesmas leis de animalismo determinam em nós. Ser Unidade Ética requer, então, a competitividade esmagadora, que alguns disfarçam da ilusão de comportamento moral, quando, mais a mais, neles fala a injecção hormonal.
 
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A Fortuna determina o grande Equilíbrio entre o Bem e o mal. A Justiça é o estado de homeostase prometido por esta Gaia de panpsiquismo/animismo/vitalismo. Se não há justiça para os pequenos é porque os pequenos desequilíbrios, as pequenas oscilações, são a condição do Equilíbrio Global.
Se tudo fosse absolutamente Justo já estaríamos no Nada, na ausência de tempo e de atrito. É porque existem diferenças e desigualdades que existe a injustiça humana (as desigualdades são determinadas primitivamente); é a soma das injustiças humanas que faz o Equilíbrio Total, eventualmente só totalmente perfectível pela libertação pela morte.
 
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Os novos tempos prometem a extinção do Cânone, o derrube do Dogma, a urgência do multi-perspectivismo; a nova sociedade promete cruzar inúmeros modelos, inúmeras fórmulas de vida, muitas delas outrora susceptíveis de incriminação ou sugestionáveis do preconceito. A "anormalidade" ou "crime" de hoje será a normalidade ou o vulgar de amanhã. A perda do Dogma lança-nos no caos, e o caos prenuncia um novo Dogma. O multi-perspectivismo autoriza a entrada num mundo de liberdades muitas vezes só desejáveis no mundo do sonho contido no "ilhéu da Utopia". Claro que o excesso de liberdades pode vir a ser rematado pela autorização de um novo Cânone. O que parece impossível hoje torna-se possível amanhã. Vivemos no mundo das ilusões (claro que há ilusões e ilusões, uma escala de ilusões, e mesmo o que se "desilude" permanece (menos) iludido), da impermanência, da dialéctica da homeostática: os movimentos aparentes reforçam a noção de um Equilíbrio, só perspectivável numa escala de "macro-História" (semelhante à Teoria da Gaia aplicada à natureza ambiental terrestre). A guerra de hoje é compensada pela paz de amanhã, a qual não durará eternamente, pois que a aparente estabilidade terá, mais cedo ou mais tarde, que vir a ser compensada por uma lógica de crise. Apelamos, mais uma vez, à perspectiva cíclica da História (e dos Universos), aquela que promete que "nada dura para sempre" e que tudo terá o seu "eterno retorno". Pois que tudo tende para o equilíbrio e a História - e também a Não História - fará com que a referência fixada pelo Demiurgo seja respeitada. Referência transtornável pela ordem do Divino, transformável infinitamente num rol de diferentes Cosmos, diferentes Verbos. Mas não duvidemos que a flexibilidade em torno desta referência é enorme. E é por isso que, nos próximos tempos, poderemos vir a conhecer mudanças únicas, variantes de comportamento social que as nossas próprias referências cognitivas estão longe de conceber (e que muitos apelam como "imoral" ou mesmo "impossível de ocorrer"). A nossa própria estrutura arquetípica apela à resistência perante a mudança, por motivos da mesma homeostase (que não pretendemos ver corrompida pela permissividade face a novos Valores). Mas seria mais sensato simplesmente adaptar-nos, pois que o que entendemos como Valores e também como a Lealdade aos Valores não é o que as gerações futuras irão entender como Valores e como Lealdade aos mesmos. Para eles, nós seremos os "maus da fita", os "conservadores", e eles nem suspeitarão que também serão os "conservadores" relativamente aos seus filhos e netos.
Assim sendo a Pós-modernidade, não é, não obstante o que já muitas vezes afirmei no passado, necessariamente a promessa de uma Nova Era de Espiritualidade, um pouco como pretendem os profetas messiânicos. O que também não significa que possa vir a Era da Desgraça, do Anticristo ultraliberal. Mais arriscaria dizendo que aí vem o "Admirável Mundo Novo", aquele que promete a Utopia, pelo menos vista enquanto tal, seja pelos clones de "baixa condição" seja pelos clones de "elevada condição". Isto porque a nova Medicina promete curar a doença do corpo aos ricos (assaz a doença da alma) e a doença da "consciência" aos pobres (frustrando-lhes a própria noção de que estão doentes ou de que possuem um Direito face à cura). A Utopia do Todo seria o fim desse mesmo Todo (até porque não há Bem Absoluto em terra que a entropia não venha transtornar, que a homeostase não venha desafiar nos termos do equilíbrio entre o "bem" e o "mal"... salve-se a própria relatividade "subjectiva" destes termos...). Seja porque teriam alcançado o Nada, seja porque esse Paraíso levaria à sua própria autodestruição, por mecanismo de implosão (gerada pela inércia, e não pela "luta", porque, na Utopia, esta já não existe).
 
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Chegamos, enfim, à Teosofia...
A mais pequena porção do Universo contém no infinito do seu núcleo a Infinidade da Causa incausada, o Eterno Ser, Não Ser, Consciência Pura, Não Consciência, Totalidade imanifestada, o Nada. É Pai, Mãe e Filho, ou Espírito, Alma e Corpo, unidos na indiferenciação, na homogeneidade do Eterno Presente. É Parabrahaman, o Eterno, o Caos quântico, a matriz omnipresente que a tudo subjaz, o que é indestrutível, inefável, inalcançável pela finita e relativa mente humana.
O Imanifestado é Espírito Puro. O momento de um pensamento deste Espírito é já Brahman, a Causa Primeira, o Demiurgo, a Lei primária e já relativa, o início da diferenciação. A Lei é o Universo é o 1º Logos (imanifestado). Corresponde a Atman ao nível do microscópico.
O 2º Logos é Buddhi e aqui os elementos masculino (espiritual) e feminino (material) ainda se encontram numa extensão semi-manifestada do demiurgo. A manifestação e a diferenciação entre Espírito e matéria inicia-se com Mahat, o Mental Cósmico, o nível mais elevado a que o ser humano enquanto tal pode ousar transcender-se (o nível superior da Alma).
A Tríade Superior é o nível Espiritual e só na Alma reside o elemento criador. O demiurgo pode ser interpretado como o conjunto dos três Logoi, e o Arché (Verbo) é a Alma criadora, a Mãe virginal.
Da contemplação à acção, do indiferenciado ao diferenciado, do imanifestado ao manifestado, chegamos ao Quaternário inferior, o Corpo somático que se estende de Kama ao plano físico.
O homem encarnado só pode, na melhor das hipóteses, atingir o nível Mahat, o demiurgo no sentido mais diferenciado, material e atributivo. A Libertação sugeriria os níveis metanóicos, se não algo mais no sentido de uma imanifestação impossível ao homem do corpo físico.
A Tríade é o septenário, e é esta a constituição do Universo, septenários dentro de septenários, Universos dentro de Universos, com cada partícula a conter todo o código demiúrgico em si mesma, senão o próprio Divino imanifesto.
O demiurgo é o Universo é o Cosmos é a Substância é pura Determinação é extensível diferenciação e extensível relativização. O tempo prolonga a involução até ao centro e a partir do centro voltamos à evolução. A involução é a expiração do Eterno passivo e a evolução é a inspiração do Eterno activo.
A expiração diferencia, relativiza, externaliza, aumenta a aparência mayávica, o nível de sombra ou reflexo relativamente ao Uno, cria a distância face ao Inefável, aumenta a Saudade do homogéneo, reifica a incognoscibilidade e distancia os sentidos do que não pode ser compreendido. A Substância é a acção do demiurgo que dá forma ao Númeno e o condena à aparência densificada do fenómeno.
A inspiração condensa, internaliza, conduz o caos do relativo ao caos quântico do Absoluto da Pura (não) Consciência. É a Totalidade indiferenciada, imanifesta, o Nada do Eterno Presente, Aquilo que não pode ser pensado, sentido, vivido.
O Nada inicial é a criança ingénua e selvagem da pseudoliberdade e o Nada final é a criança retornada ao Absoluto activo puramente livre.
A Substância demiúrgica queda no tempo, no atrito, na materialidade do sofrimento. O topo da montanha é a indiferencialidade substantiva mas não é o Eterno presente da plena Libertação.
O demiurgo é relativo e diferenciado face ao Divino, pois é a (uma) Lei, mas é indiferenciado face aos níveis mais escatológicos e materialmente densos da Substância. O Divino é o repouso no eterno movimento.
A ausência de respiração no eterno movimento imanifestado é o Pralaya e este é o ponto de partida e o ponto de chegada. É o caos a partir do qual se origina o Cosmos e este é a temporalidade da Roda (re)encarnativa de ciclos de separatividade.
A Roda é a Determinação, o Verbo, o mesmo que condena mérito e demérito, o mesmo que determina a incognoscibilidade da Pré-História, do Caos, que é também o Destino da consciência de nulidade.
É um processo inteligente? Somente na cabeça do ser humano, talvez não tanto para quem consiga transpor esta Roda Gigantesca. Mas decerto que esse alguém é ninguém porque é Absoluto, que também é o alguém de um Absoluto maior, o relativo de um Eterno mais amplo. Infinitamente para cima e para baixo, e lá continuo com as imagens pequenas e as palavras relativizadoras. Infinitamente para lado algum? É que o destino final é o caminho perpétuo, a inteligência do sem fim, que é a não inteligência, a inutilidade de razões, o Caos sem razão. Na Razão encontramos a desrazão.
 
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O pequeno sublima-se no grande, deifica-se pelo véu do absoluto. A criança virginal reside no caos, no estado pré-verbal, na inconsciência ou nas trevas do Ser Absoluto. e/Ele é só ele e mais ninguém. Egóico sem ser egóico, porque o cérebro reptiliano é a carne acéfala do Absoluto Nada sem carne, o significante de um significado que gerará o Verbo. A Palavra surge e é toda uma linguagem que explode no Big Bang do Ser consciente. A carne do incarnado é encarnada na verbalidade da consciência que não levará mais que um infinito para se tornar o infinito das linguagens, dos Universos, do sofrimento das existências, das mortes e das vidas, dos recuos e dos avanços do peregrino que se diferencia na totalização do indiferenciado. A morte final será o retorno ao Nada perpétuo da actividade, um movimento agora reencontrado na atemporalidade activa, no Eterno da ociosidade que é o destino do arco ascendente do ser que ameaçava a ociosidade terrena da não evolução.
O oceano das existências é assim a diferenciação da carne no oceano do eterno presente, o cósmico a ser supra-cósmico, o caos é a ordem é o caos, tudo é contínuo, tudo indivisível, mesmo no Universo da materialidade escatológica.
Cada Palavra é uma Ordem do Divino que não ordena. Cada Verbo é um Cosmos que não perderá a oportunidade do combate pela consciência, porque o demiurgo tem inveja de Deus, pretende ser Deus, a isso se destina, porque ele é o Verbo destinado pela matriz ociosa da Testemunha inconsciente. A música originária é a totalidade de notas divididas pela continuidade da solução universal, é a fórmula mágica de um significado que gera o significante. A dupla articulação faz a linguagem no preciso momento em que a duplicidade se pensa para fora do Uno imanifesto. O Verbo é o significado, o Ser que está prestes a ser significante, para que o mais escatológico desses tenha a consciência significada do significante da realidade, e já a realidade é criação do significado do significante de células neurais onde circula o Verbo que é função das circunvoluções cerebrais que não poderiam existir fora da significação de outras células neuronais de outras circunvoluções.
O sonho é o sono do Absoluto. É a noite do Ser que o dia formata na demiurgia de uma realidade que o homem confunde com Deus na eterna fantasia do homúnculo cerebral. A ilusão agarra o homem ao espelho lunar do Ser, evitando o lunar da Inconsciência da prístina ilusão da consciência.
No cérebro máximo circula o sonho de Deus, que é engano porque o sonho é inconsciente e isso é abaixo do córtex, no hipocampo da noite do Ser, da criança selvagem que ousa querer ser Deus, o desejado regresso à Luz que já é a escuridão da noite de Brahman, o não atributivo do Atributo máximo, a Indiferencialidade da máxima diferencialidade, o assexual da genitalidade, porque o sexo do pequeno Deus é o Nada do grande Deus, e porque as analogias são a brincadeira consentida do poeta que tem em si neurónios dançantes no flamejo da liberdade herética, incompreensível ao pequeno, incognoscível no eterno.
 
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O sexo do homem é o não sexo de Deus. O sexo de Deus é o não sexo do homem. Se Deus-Pai não quer, o homem não sonha e a obra não nasce. Se o Pai não consente, o Ser não se sente, e não se sentindo não se Torna e não se tornando não é Homem não é Deus sexuado é Deus assexuado, por imposição da defesa psíquica, não por evolução da mesma defesa que, de qualquer modo, é o resultado do mesmo Deus que quer e não quer, que sonha e que amedronta, que deseja e que frustra, que determina e indetermina determinando.
 
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O Infinito reside em cada uma das partículas do Infinito. Ver partículas é, ainda assim, ver limites. Ver um septenário é igualmente ver limites. Se somos absolutos não há limites senão os que a mente fenoménica teima em criar. Níveis superiores de Evolução são vistos - aliás, não vistos - como incognoscíveis, mas a incapacidade de ver, porque a mente humana é limitada, não deve ser confundida com a incognoscibilidade Absoluta. Estamos longe de saber o que Há e o que É, porque mesmo o que entendemos como Ideal é somente o que alcançamos com o ideal próprio. O nosso ideal é a opacidade de um Ideal maior, o reflexo de um Deus enganador, que, se assim é, é porque a nossa limitada mente assim o vê. O que pretende ser Essencial parece subjugado ao fenómeno do Dasein. Até mesmo na Teosofia encontramos as limitações próprias de um Sistema que é sublimação da mente subjectiva. Porque a ideação do Divino no Verbo que ordena o Logos demiúrgico parece a sublimação da ideação interna na acção humana. As correspondências são explicadas pelo Esoterismo como a reprodução infinita do Absoluto em cada partícula do finito já não finito. Mas, a ser assim, o reflexo fenoménico parece ser menos enganador do que consta aos olhos do Ser Supremo (que é, na verdade, a Autoridade do autor esotérico). O materialismo vê as construções esotéricas como ardis de mentes individuais, personalidades que perspectivavam a sua própria mitificação; assim sendo, a ideação divina seria o divino da ideação própria, e nada estaria na Essência que não estivesse na essência própria, individual do Eu, mas não individual porque também o Eu é composto de infinitas partículas de consciência, com cada uma destas a ter a consciência própria do Absoluto e a ser o cruzamento do conjunto das consciências das alteridades. Este jogo de influências cheira ao Absoluto da quântica e mais me parece que um certo tipo de Determinação que a Teosofia defendeu tem de ser reactualizado na perspectiva de uma mente quântica que pretende ser a ideação de muitas outras ideações, a acção de muitas outras acções, e que é também o resultado de todas as ideações do Universo, que não são plural mas sim Unidade.
Ser prolixo é ter mais caos quântico na nossa própria mente, já não nossa mas de todos os outros que pretendemos mudar em prol do Eu e que só mudam em prol do Eu agora Outro que será para eles vantajoso. E aqui temos a receita de uma Roda Gigantesca de influências, porque no Grande Universo de Universos todas as forças conspiram entre elas para algo que mais parece a preservação, que, atendo a potencial ausência de Sentido - pelo menos alcançável pela minha mente limitada -, traveste-se de uma Existência que se explica por si mesma, na futilidade da inutilidade de um Plano maior, que só pode mesmo ser explicado pela não explicação da minha própria incognoscibilidade. Ser limitado é não entender os desígnios da Inteligência Maior, que quer manter-se à custa de uma evolução cíclica de cada um dos seus elementos no plano de um quase "não plano".
Uma possível querela entre o Espiritualismo e o Materialismo fica assim por resolver, porque o Sistema de referências não nos permite mais do que Isto. Ser Aquilo é uma impossibilidade. Estaremos destinados ao repouso da inexplicação? Parece-me que o Eterno Presente gora a própria preocupação pelo Sentido, e se tudo estivesse determinado, um certo Buda-Dharma e até Schopenhauer teriam razão em dizer que toda a busca é fútil. Note-se que é a própria Determinação, a própria volição do oceano arquetípico da Eternidade que demanda a desrazão de progredir na Evolução que somente pretende fazer do reflexo da caverna de carnalidade o meio termo do acesso à Ideia de uma nulidade.
O que é estranho é que o Divino, sendo Absoluto, tenha a necessidade de se auto-consciencializar nos Logoi e nos níveis de encarnação. Percorrer todo um caminho só por ambição de ser Nada é um pouco estranho, e até irrita que o Divino passe uma boa parte da eternidade finita com saudades do que já Era. Se Deus está em repouso, também estranho que se ponha a pensar, porque isso é já relatividade. Como conceber a passagem do Absoluto ao Relativo? Como conceber o desejo do Absoluto? Mesmo que o Absoluto tenha todos os desejos que o Infinito permite, não será isso a grandiloquência de tudo querer ser e experimentar? Deus possui, assim, uma insuficiência fálica, como o seu filho, porque não se contentam em ser algo especificamente, diferenciadamente, quando Nada ser é o mesmo que ser Todas as Infinitas possibilidades de todos os Logoi possíveis (não será a manifestação um pleonasmo material da imanifestação? Se os Logoi são todas as possibilidades de Deus, então igualam-no na sua soma, que é, na realidade, uma soma infinita, não contabilizável. Mas, ainda assim, é como dizer ao repouso para se movimentar de todas as formas possíveis, mas esse Infinito movimento era já o repouso que existia inexistindo).
Peço, enfim, autorização ao demiurgo para chegar a Deus que o preside para poder obter conclusões mais agradáveis ao meu Ego. Sei que o demiurgo não gosta do Ego, mas ele também tem lá o seu próprio Ego, e é através dele que me diz que Deus está indisponível para falar (e que nunca o viu a fazê-lo). Enfim, visto que, de qualquer modo, Deus está em mim mesmo, e não no Céu do Cristianismo, talvez tente contactá-lo no sono, que, existindo sem sonho, é o repouso Dele em mim, do mim que é Ele, do Ele que é já o Inconsciente, de Deus que passou a ser agora - para a tal mente limitada - o nocturno de Satã, que, ao vir à Luz, lá começou a dessatanizar-se, a fluir na consciência de um Ego que, a bem ver, é toda a consciência do mundo, com a metafísica a ser a mente superior, de uma ideação própria, digo do Eu-demiurgo, do cérebro da intenção, do corpo da acção, que é o Soma da intenção, que é corpo do Universo, um Infinito dentro de um Finito dentro de outro finito infinitamente no Infinito. (Lá vou eu ter de aumentar a dose de Clomipramina, até porque o Deus Cristão que a Cultura Ocidental sempre me conseguiu impregnar - mentira, se há algum é a mamã castradora - já está a querer vociferar o castigo eterno de não chegar ao Paraíso, que, de qualquer modo, é somente o Arquétipo do mito, a imaginação do homem, o meu próprio fantasma deste momento irrepetível, que já não existe, já é passado, na memória trazida ao presente, ao eterno presente que a mesma Clomipramina ajudará a trazer à ordem do dia, aliás da noite).
 
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O Divino é o palco infinitesimal da mente. A sua intenção é a acção do demiurgo, a criação do Universo do ser-aí, na vida, no mundo.
O Divino é o inconsciente, as trevas do (não)Eu, prestes a ser a consciência do mundo, do outro, do século.
 
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A Ordem é o caos mundanizado, o Divino secularizado. A Ordem é o caos de possibilidades..... determinadas mas relativas a...
 
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O drama é a personificação do Arquetípico, a máscara da indiferença.
 
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O ovo cósmico é o Universo, o Demiurgo, o Arché de um Divino intencionado.
 
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Sempre que o Divino pensa surge a tragédia do mundo. O Divino contém em si todos os mundos possíveis.
 
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O Arché é o cordão umbilical que liga o Divino ao Universo, a Totalidade indiferenciada à Totalidade diferenciada... que é indiferenciada face à corrosão do tempo.
 
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O Universo é o grito de angústia do Divino, o seu impessoal desejo de ser-aí, de ser o prazer da Noite do tempo.
 
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A Noite Eterna do Divino repousado é a defesa absoluta do ser amedrontado. No mundo, é o receio que leva o ser a defender-se do Outro, do século, pela imersão nas Trevas, como se o medo fosse a condição do Absoluto de Deus.
 
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Criar é trazer ao mundo uma só memória da noite eterna dos tempos.
 
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A linguagem divide e dissimula. O mundo é a personificação do que não tem nome nem pode ser imaginado.
 
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A matemática é a linguagem de uma das naturezas de Deus. Ser poeta é trazer ao mundo a meta-matemática, a fórmula unitária do que não tem fórmula.
 
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A Filosofia institucional, tal como a ciência, é a condição da morte da Filosofia, tal como a multiplicidade afasta da Unidade e o Universo dissimula o Uno.
 
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Ser são, para um psicólogo moderno, é ser "normal" segundo o critério do Universo. Quem tenta ser Deus, meta-universal, sofre da patologia, da alienação face ao mundo. Daí que, de certo modo, a psicose, a alienação, seja a condição de Deus, mas que requer, no prelúdio do seu caminho, a angústia neurótica. Estar no mundo eternamente é ser neurose de "eterno retorno". Evoluir é a garantia da esquizoafectividade necessária ao Divino. Ser Deus é ser pura alienação do que o humano entende como "consciência". A Consciência pura do Divino é a "loucura" do humano, tal como a "renúncia" é a condição da patologia do mundo.
O psicólogo moderno consideraria o psicólogo oriental como louco e vice-versa. Não é só uma questão de temporalidade, é mesmo uma questão de linguagens. E querer separar a "saúde" da Espiritualidade, como quem pretende dar ordem a este discurso, é já por si manifestação da doença do Ocidente secular.
Ser louco é, então, o objecto do filósofo. Morrer é o objectivo do Espírito. Doenças no contexto da mente ocidental, a mesma que inventou o alfabeto e vê as antigas línguas/linguagens como coisas antigas e ultrapassadas. A modernidade é económica, no padrão e na atitude, e nisso vejo a sua doença. A mesma modernidade que faz o hino ao conforto, mas que, não obstante, produz mais infelicidade e neurose do que alguma vez se viu. Obviamente!... pois a neurose é a condição da própria modernidade, o eterno retorno no conforto da inanição, de uma que não é a noite de Deus, mas a noite do tempo medievo.
 
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Face ao peregrino o poeta é um louco. Ser poeta é saltar entre mundos, sabendo que também o salto é uma infinidade de mundos. Pertencer ao mundo é ser o louco que afirma a loucura do poeta.
 
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Cá estou eu a tentar ser poeta e, não obstante, cumpro a pontuação, coloco as vírgulas e respeito a sintaxe. Como é triste ser-se prisioneiro. Como o obsessivo que retorna sempre à Ordem inicial. Mas é que quer-se mais. Quer-se a desordem (não)inicial, a fonte de todas as ordens possíveis, o Infinito que existe em mim e que a minha mente condicionada frustra nesta limitação de pôr barreiras e de privar os meus olhos de Ver o subatómico.
 
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O incognoscível de hoje é o evidente de amanhã. A dúvida de hoje é a certeza de amanhã. As certezas do amanhã serão a folia do depois de amanhã. No fim, resta a futilidade de todo o caminho, a ignorância da eternidade, a Consciência absolutamente ilimitada, que é também a Não Consciência.
 
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As linguagens são a condição da incomunicação.
 
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A língua permite comunicar a impossibilidade de se ser Amor.
 
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O amor é a dissolução do Universo na volúpia da ilusão da união. A união é o retorno ao Amor da indiferença, da ausência de erosão.
 
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O Amor dissolve o tempo. A paixão expira-o, fá-lo explodir na diatribe do Universo.
 
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A paixão é o contrário do Amor, porque a sua loucura une os seres perturbando a sua União.
 
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A linguagem cifra o acesso ao Ser, interrompe a continuidade como a ponte que liga e desune as duas margens de um rio.
 
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A jangada que permite a fusão com a outra margem do rio é como o conceito: revela, confirma o velo; facilita, assegura, a incomunicabilidade.
 
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A linguagem é condição. Opõem-se ao Absoluto que só É na ausência de condições, na inércia da determinação.
 
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O Caos é a (não)condição da re-União, do regresso a Si mesmo. O caos é a condição da re-União, do regresso ao Si mesmo. O Uno caotiza-se para se assegurar, na individualidade, da sua condição de Uno, que, mais a mais, não é condição.
 
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As palavras reiteram a comunicação, confirmando a sua impossibilidade. Elas querem unir o que precisou de as inventar para que a desunião do Uno requeresse a saudade do regresso a Ele.
 
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O diálogo reitera e perpetua a incomunicação. Dialogar é não comunicar, é confirmar o deus pessoal, o ascendente do não Ascendente. E, ainda assim, é tentar o retorno ao Paraíso do entendimento, ao Princípio do mundo, à Origem de todas as coisas, quando elas não suspiravam, não ousavam sequer ser o que viriam a ser.
 
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Conhecer um número maior de relações de causa-efeito que concorrem para um fenómeno é ser inteligente. Compreender que esse jogo de relações é incognoscível "absolutamente" - como quem duvida da possibilidade de se ser Super-Homem - é ser sábio (ou para isso tender). Reduzir a metamorfose contínua e infinitesimal dos desenhos de relações factoriais a um punhado reduzido de relações consideradas "mais relevantes" - como quem esquece o "efeito Borboleta" - é ser feliz.
 
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Os mesmos homens do Espírito que reiteram a União são quase sempre os que não a conseguem viver, porque o Espírito é a compensação face ao medo de perda do Eu na possibilidade da fusão. Daí que o homem mais genial seja sempre o mais pudico.
 
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Pensar, buscar o Todo na busca do Eu, é o meio-termo do Silêncio muitas vezes adiado. O mutismo é a pacificação, a finalização do caminho de Sísifo, quando não se trata de um Sísifo na base da montanha. E é a condição do regresso ao processo, que envolve a tomada de consciência do Absoluto, o aparecimento súbito do tempo no Não tempo.
 
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O encontro do si arquetípico é, então, o encontro de Deus, da Humanidade. Trata-se de buscar a imortalidade, para que, no momento seguinte, logo se ambicione o regresso ao atrito.
No mundo há a saudade da paz. Na paz há a (não)saudade da guerra. Eis o Eterno Retorno, o movimento perpétuo que alimenta a Mesmidade.
 
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O Civilizacional é a traição da nudez dos primórdios, mas confirma-a se for verdadeiramente racional e evolutivo, se aproximar, logo desconfirmando-a se o racional afirmar a eternidade da distância entre as duas margens do que, ainda assim, é Uno.
 
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O Ser humano completo supremo na linguagem é o Deus Supremo na não linguagem. A ponte dos homens confirma o desmoronamento da Torre de Babel. E esse desmoronamento não é o resultado do ciúme de Deus, mas sim do seu amor. O Pai que ama o seu filho frustra-o dos caminhos fáceis, como a mãe que bica o seu filho estimulando a saída do ninho e a urgência do voo.
 
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No seu estado pré-verbal a criança vive no eterno presente de si-mesma, em que o Paraíso não tarda a transgredir-se na erosão do tempo. Com a aquisição da linguagem, a criança perde a sua primeira virgindade, mas mantém uma outra que a retém no início do Ser que não tarda a perder-se para a potência da acção, a urgência da conquista. A conquista do mundo será a conquista de si-mesma, a explosão do Início no jogo do Universo embriagado. A ausência de conquista é como a conquista da plenitude: o regresso à Origem do Verbo, para que o seu próprio Ser se venha a perder no tempo em que só os pais eram os deuses, no não tempo dos primeiros anos de vida, aquele que nos lança à memória da escuridão, à saudade do repouso, à eternidade do oceano em perpétuo movimento pacificado.
 
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Mito, imperialismo, messianismo, o "falta cumprir-se Portugal"... Eis a fórmula da esperança, do desespero da espera eternamente retornada. O Quinto Império é o sonho grandiloquente do homem que não conseguia ser homem, é o produto de um complexo que só pôde ser ilusoriamente sobrepujado através da morte redentora, da mitificação do encoberto. Todo o Império resulta da loucura, da vontade de tornar grande o pequeno, de fixar o Eu na morte de Édipo. A saudade portuguesa e o seu mito imperialista retardam a possibilidade de se ser simplesmente, porque o sonho é convidado a substituir o corpo, porque o futuro, o regresso contínuo ao passado, é recrutado na incapacidade do presente. Diria que "falta cumprir-se o presente", aqui, agora, no passado revisitado e logo abandonado, no futuro desejado de ser presente, no presente que já somos na felicidade consumada.
 
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A Palavra é o pudor de Deus. Quando se vê na linguagem, já a sua omnisciência é toda a potência do mundo.
 
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A autonomização, a interpretação de um papel ou máscara, é o meio caminho para a sua inutilidade na comunhão.
 
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A consciência implica o fenómeno, o fingimento, espelho que ousa reflectir a verdade num reflexo lunar, que é somente a realidade distorcida na pura dissolução do Divino.
 
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O verdadeiro místico reproduz o silêncio irreproduzível. O falso místico, que por aí vemos a fazer o exercício das terapias enquanto promessas de milagre ou magia, produz somente a sensação do silêncio, o pecado de fazer ver a luz humana no lugar da Luz eterna.
 
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O trauma da separação inicial confronta-se com o medo da morte criando a fobia do não encontro com a Origem, o momento não assistido da criação. A separação é somente a confirmação da descontinuidade do que se destina à União, ao religare (religião) do que nunca chegou a separar-se.
 
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O apego é somente o medo da morte, da impossibilidade de encontrar no outro o momento da União original.
 
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Só uma densa camada de recalcamento pode fazer encobrir a verdade fascinada da mulher face ao falo primitivo. A Origem é sempre fascinante, porque é familiar.
 
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A fobia do amor é o temor da anquilose do Ego e o Ego é a tentativa de regressar ao amor.
 
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A angústia de separação é só a incapacidade de fusão primária.
 
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O poeta e o artista não produzem, reproduzem. São os agentes da representação.
 
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Não há criação, senão na consciência. Aí o poeta finge criar. Fora dela, o poeta é só um imitador: imita-se a Si-mesmo, porque o objecto a reproduzir está no Todo que nunca deixou de ser.
 
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E, ainda assim, o messianismo, o espiritualismo, o abstraccionismo, são doenças da alma que não encontra a sua natureza íntima, são o desequilíbrio do Ser que não consegue reificar a sua sexualidade, que não consegue redimir-se enquanto terra. A Natureza é a via do equilíbrio, aquilo que jaz no meio termo entre o Divino e a pura escatologia, entre o Absoluto e o relativo, a via do meio que permite a pacificação manifesta, realista, do ser humano.
 
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Não há concepção, não há criação, não há liberdade. Só há formatação, concretização, materialização, carnalização, do que sempre lá esteve, sempre lá está e sempre lá estará. Não há "pensar", só há "repensar".
 
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Todo o "religare", todo o "simbólico", é a aproximação ao momento originário.
 
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O destino está todo no Princípio. Os gostos, as preferências, os gestos, o mais ténue movimento, estão todos contidos no momento primário, no Logos inicial. O que é do ser individual parece diferenciar-se pelo meio e a cultura (que também é meio), como a linguagem que se torna língua, mas também o meio é a expressão do Início na multiplicação da aparência, do simulacro dos seres, que não são plural verdadeiramente, mas sim Singular, uma só coisa, um só momento, preso ao fluxo e refluxo, expiração e inspiração do mesmo Todo, do mesmo Nada, do mesmo movimento de repouso eternizado.
 
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Toda a existência é uma in-xistência. Toda a in-xistência é uma existência. O Divino existe no fenomenológico e o fenómeno é o in-xistir na mente do ser. A cognição é o dentro que é o fora (fora da essência, do númeno, fora e também dentro, porque tudo o que está fora está em manifestação "do dentro", assim "existir" é, de facto, "e-xistir").
 
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A psique individual e a Psique de Deus são duas expressões aparentemente inversas do Mesmo, ou seja, do que é e Não é verso e reverso.
 
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O transbordo dos seres é a ausência de sexualidade. A sua fusão é o corolário da cena primitiva e já as fronteiras deixaram de o ser. O sexo no seu sentido mais puro não existe; no amor puro só existe a masturbação. Amar sem limites é amar-se a Si-mesmo, na ausência de mediações, na ausência do outro.
 
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No Amor, no Uno, toda a agressão do "outro" é auto-agressão. Magoar quem se ama no transbordo é destruir a possibilidade de se ser feliz, de coisificar o Eu. E já a defesa mostra que ainda o amor não é Amor, porque há ainda um Eu que quer sentir-se nos seus "bordos", nas suas ilusórias fronteiras.
 
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A necessidade é a relatividade do ser. A relatividade alimenta a necessidade, como a peça de um puzzle que procura o repouso do puzzle finalizado.
 
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O devir é só a ausência de consolo, o défice de Infinito. Todo o porvir é um regredir.
 
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A vulnerabilidade é o alimento do amor.
 
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Cada acto é um só Universo, uma multiplicidade de Universos, o multiverso de leis e das relatividades que elas tornam necessárias.
 
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O livre-arbítrio é a determinação da ilusão da liberdade de escolha.
 
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Vens para esta discussão, trazes as referências que fazem de ti um homem, e ainda te atreves a presumir que não possuis preconceitos, que és livre e que auferes de uma "mente aberta"? Ninguém é livre, até a tua tolerância ou aceitação são as que as tuas referências permitem. Não és livre, pois até a tua percepção é aquela que o teu Eu restringe. Não és livre jamais, pois o teu caminho de descondicionamento, a tua tentativa de te libertares será sempre feita com base no que possuis, no que retiras da Realidade, no que a tua subjectividade pretende ou deseja desvelar (a mesma que tentará sempre resistir ao que dói, ao que custa ao conforto interno).
Quando ganhas consciência da Vida já esta é a própria consciência, e já a consciência está minada pelo ponto de partida que a alteridade entrosou no teu corpo outrora selvagem. A partir daí, tudo o que entendes é condicionado pelos primeiros entendimentos, e estes pelos anteriores, e estes pelos dos outros que te antecedem e, quiçá, te fazem nascer, e os deles pelos das suas próprias alteridades arquetípicas. Somos somente a ilusão do que somos, e também o mundo será a ilusão que a nossa ilusão lhe confere. Ser livre é uma impossibilidade e até o seu pré-requisito - a consciência - é uma impossibilidade, porque não há "ganho de consciência" que não seja feito a partir de uma referência "relativa" e com vista a reificar ou a reagir a essa referência. Tudo o que conhecemos, aliás tudo o que "auto-conhecemos", é, assim, a adaptação do conforto próprio ao desconforto do mundo, para que este se torne mais confortável no percepto daquilo que nunca passou de desconforto próprio.
Não há, assim, qualquer possibilidade de pensar a partir do "vazio". Todo o pensamento se faz a partir de referências, pontos de vista específicos que minarão, condicionarão qualquer possibilidade de Hiper-consciência. O Estado mais próximo de tal consciência, da visão do Super-Homem, corresponde a um nível de Totalidade heteronímica, poética, que leva o ser relativo a despersonalizar-se, a atentar a loucura (por incapacidade de suportar tal intoxicação perceptual), a perder-se enquanto homem e a recriar-se no Demiurgo, que assim se manterá se esta Totalidade não é ainda o cenário negro de um Todo-Nada (portanto, de Deus). Daí que talvez o homem tenha de se perder se quer alcançar o Todo. Daí que o auto-conhecimento, a consciência abrangente, talvez sejam profundos inimigos de uma Liberdade no sentido puro, divino. Atingir-se-ia mais profundamente este estado de Liberdade pelo mero "desligar" meditativo, após um processo de "auto-conhecimento" revelador das quimeras condicionadoras, mas jamais após um processo de "auto-conhecimento" do mundo (mundo que, neste sentido, não existe, senão no mundo próprio da consciência da personna).
Por outro lado, por que não simplesmente aceitar e fazer o luto do simples facto de sermos condicionados, de essa ser a condição da nossa máscara, quiçá exibida com o orgulho da identidade que pretendemos manter a todo o custo? Porquê o sentimento de culpa em nos constituirmos como um Arché específico e em o mantermos na nossa imersão relativizadora do mundo?...
Temos ainda outra opção temporal: assumirmos tantas máscaras quanto as que nos servem e são úteis. Sermos todas as referências que fazem a "normalidade" de cada Época, sermos o Arché dominante de cada tempo, a partir do qual estaremos sempre adaptados à dança de todos os "relativos", de todos os códigos, de todas as linguagens.
Temos assim três grandes possibilidades: Sermos o Nada divino, totalmente livres, sermos o Arché dominante que firmámos precocemente e adaptarmos a realidade às nossas necessidades (termos livre-arbítrio...), ou sermos o caos que permite modificarmos o nosso Arché segundo os códigos de cada tempo (pois tudo é relativo e os Valores de hoje não são os Valores de amanhã).
A nossa psique tende a requerer uma certa estabilidade, uma certa estrutura, um Arché um tanto ou quanto definido e pouco flexível, sendo que a ansiedade surge muitas vezes nas tentativas de sermos Nada ou de sermos simplesmente Caos. Mas sermos Caos pode ser somente o Arché "primevo" adaptado à dança do tempo, coisa factível sobretudo se aceitarmos que a ideia do Universal é uma quimera..... Quantos de vós estão preparados para aceitar que não há uma Verdade objectiva moral alcançável, que não há Arquétipo Ético senão o que cada tempo e cultura estabelece como tal, que a História é uma mera questão de construção e de contrato de intenções, que a Verdade é somente a construção feita à medida de cada Arché individual, que os próprios Valores do passado são continuamente modificados de acordo com as necessidades do presente, que a realidade está visceralmente dependente do contrato de linguagens e de códigos semiológicos que utilizamos e que "fazem" o nosso percepto? Aceitar que "tudo é relativo", que tudo é a construção própria feita à imagem do Eu com necessidades subterrâneas (as quais também não podem ser plenamente conhecidas, senão parcialmente na reconstrução do passado, pois lembrar é, na realidade, reconstruir, reaprender), é o primeiro passo para entendermos que seremos sempre a nossa própria sombra (reflectir é ver o reflexo do Eu), que a própria tentativa de conhecer o mundo é inútil, que o auto-conhecimento é somente um exercício de confirmação narcísica, e que mais vale sermos "livres" no transformismo constante do Eu na paródia do mundo do que vivermos perpetuamente infelizes porque não alcançamos o que o nosso próprio Arché (na relação culposa com o Arché Pater/Mater) nos manda alcançar, e que mais valia nada demandar porque o nosso Arché já devia ter deixado de o ser para outro ser e outro ser, nesta impermanência que o mundo é (não sendo), neste multiverso de "normatividades" em que a Lei e a Justiça dançam com a nossa própria noção de "Valor" e "Norma" (nossa já não nossa, porque não há um "nós"). Não querer esta dança permanente é arriscar a eterna saudade do Arché infantil (aquele a que tendemos a agarrar-nos como leões, ainda mais quando o mesmo vacila, vacila no presente na recordação do passado no qual algo pode ter falhado, e se não falhou é o presente que falha na recordação do passado que não falhou), portanto a inadaptação ao presente de cada tempo cuja infelicidade consequente pode vir a ser compensada com a tentativa de o ser se tornar Super-Homem, Absoluto, Deus, ou seja, dono de todos os tempos, de todos os Archés, do Nada que é o vazio em que "todos" se tornaram já UM.
 
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Só aceita a pura relatividade aquele cuja origem é absoluta. Só aceita a mudança aquele que não teme perder-se nela. É preciso muita Ordem interior para não querer fazer parir uma estrela que dança. A Ordem interior é uma rede de Esquemas Cognitivos; esta rede não é sempre a mesma, e a referência modifica-se com o tempo, mas haverá sempre uma Estrutura para perceptuar a realidade. Aceitar que os Esquemas se modificam e que o Eu de hoje é diferente do Eu de amanhã é, no fundo, confirmar a força do Esquema/Arché primário, a certeza de que a Primavera da vida teve floração suficiente para que as mudanças do ser nunca fizessem enfraquecer a ideia de que ainda há algo do Ser primaveril em todos os outros seres com o mesmo nome.
 
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O ocaso do presente tem o poder de provocar o ocaso do passado. A tristeza tem o peso esmagador de alterar a percepção da própria Realidade, escurecendo-a, alterando igualmente as memórias (a sua percepção, o sentimento relativamente a elas, o peso das mesmas no presente), minando a própria volição, arma requerida à mudança. O Passado determina, então, também a própria capacidade para alterar o futuro, e, portanto, a percepção desse mesmo passado. O presente, já esse, mesmo quando desabrido, só determina na relação dialéctica com o Eu do passado, um pouco como se a tragédia do presente fosse somente o catalizador da Tragédia do Passado. Alterar o presente é, assim, inútil (a longo prazo), se a Estrutura em si não sofre mudança. Se é que a Estrutura pode ou deva ser mudada... tal tentativa acarreta um conflito: este é a vida é um risco, a sua ausência é a frustração é a inércia. O terapeuta é a "interferência" do presente, o catalizador do Passado, o factor de mudança; se é para "melhor" ou "pior", tal já se trata de um mero jogo avaliativo abstracto (o toque muda, não necessariamente para melhor, o conflito pode ser um mal necessário, os efeitos do toque não são, de todo, completamente previsíveis ou controláveis, o terapeuta não é, verdadeiramente, um demiurgo totipotente, e o seu toque pode, na relação dialéctica com o "Universo paciente", produzir imensos efeitos, alguns até potencialmente catastróficos, o que nos leva a questionar a eficácia de certas terapias - vide a questão do relativismo dogmático com estas potencialmente associado - e o jogo altamente "relativista" da "psico-análise").
A "sorte" do presente é, assim, em grande medida, a predestinação do passado, da capacidade de relação e avaliação com/do mundo envolvente. As relações dialécticas do Eu interno com o Eu objectal afectam a saúde do corpo (corpo fantasmático, corpo físico), directamente pelo efeito do meio, indirectamente via psique. E o Eu afecta o mundo que o rodeia, o que faz de cada um o "terapeuta" do outro. Os actos de agora condicionam os actos do futuro um pouco por mecanismo compensatório, na base de uma equilibração de limites eternamente móveis e instáveis.
No fim, obtemos um ciclo vital de relações, um Sistema complexo de vitalidades, em que a lógica de luta ou fuga tem de entrar inalienavelmente em jogo. A humildade de um é contrastada pela dominância do outro (humildade e dominância reais ou meramente representacionais? As relações reais não serão somente a projecção das relações fantasmáticas?), a tentativa deste segundo em ser humilde rapidamente se vê contraditada pela dominância do primeiro. Para além disso, o sujeito tenta sempre tirar mais do que dar. Mesmo quando parece dar, oferecer atenção, passa ao outro a sua própria compreensão do mundo, um pouco como se nunca chegasse verdadeiramente a sair de dentro do seu invólucro. A concordância não é comunhão, é somente o disparo simultâneo e co-ilusório de um punhado de neuroquímicos.
(Psicanálise, Psicodinâmica, Psico-Dialéctica, Psico-Dialéctica-Sistémica, o Infinito...)
 
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A relatividade pura torna as fórmulas peças de museu, inúteis para a regularidade que não existe.
 
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Até o "estudo de caso" é a preocupação da regularidade. Na ausência desta, todos os estudos seriam inúteis, toda a Ciência/Epistémi destoaria da realidade imprevisível, o relativismo seria a pura indeterminação.
 
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O ser individual é gerido pela autodeterminação, que é a condição de uma Condição (de não liberdade).
 
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A única especulação que interessa verdadeiramente é a (não) especulação da Imaginação.
 
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Maior inocência que a noite do ser é a noite de todos os seres. O ser(aí) é já representação do teatro da Vida. Antes da consciência existe inocência; antes do nascimento, a inocência é ainda maior. Antes de todo o teatro, a pureza da inocência eleva-a à Não Existência.
 
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O ênstase do Princípio propicia o êxtase do imediato. Entre os dois há só o Infinito.
 
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Esquecer a Origem é esquecer o devir, perder a vontade, deixar de ser, ou Ser verdadeiramente no eterno presente.
 
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Ambicionar é querer o que já nos pertence. É corresponder aos fantasmas do Início, e aos fantasmas dos fantasmas do Início, ad infinitum. Corresponder-lhes é obter o que se ambiciona, o que já se possuía, daí que toda a ambição é vã, toda a vontade é fútil, o objecto de um monstruoso jogo de determinação, de uma vontade superior que nos escapa e que também Lhe escapa.
 
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O Inverno é a alucinação da Primavera. Contém-na, como o Caos contém a Ordem, que É não sendo. A Primavera é o renascimento da Ordem, tomada de forma de um Inverno/Inferno que a idealizou. Eternamente, porque é um círculo de Permanência na substância da lucidez.
A Primavera é o início do desastre do que será redimido no Inverno. E o Inverno voltará a desejar/intencionar a Primavera.
 
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O Amor Espiritual é a inversão da sexualidade do amor passional. O Amor Espiritual iguala o amor passional se a União da noite dos tempos é o inconsciente do sonho próprio.
 
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A atracção, o desejo, a sexualidade, são a perda da nudez. O sexo é a sua recuperação. O falo marca o pólo Espiritual da desunião que tende para a fascinação do pólo passivo, o retorno à União.
 
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A cultura cobre a nudez da Sabedoria. A razão dianóica cobre a nudez da razão noética. O Espírito (não)vê a nudez com (sua) (não) potência. A Civitas vê a nudez com o pudor do prazer a refrear. A matéria vê na nudez a potenciação do desejo.
 
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A dialéctica, a concretude, o brincar da criança que já se afasta do Paraíso que a iniciou, é a Divina comédia, o jogo simbólico de Deus.
 
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O verdadeiro Amor despolariza os seres, fusiona-os num só Ente, que não se sente, não dura, não vive, por se (não) consciencializar no eterno presente do si já Não Si.
 
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O Amor Universal é o Amor nunca citado, nunca vivido, o que sempre está onde está o que não é sendo sempre o que É não sendo. O Amor é o silêncio, a noite suprema da ausência de signos, pólos e até vacuidades.
 
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O Amor não é a tolerância do silêncio, mas sim o silêncio da tolerância.
 
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O amor terreno tenta o silenciamento que trará o Amor Universal.
 
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O amor passional quer a loquacidade do prazer enquanto falso silêncio do sofrer e quer a fusão temerosa enquanto falso silêncio do Ego. A fusão terrena é a tentativa de segurar o Eu na ilusão de um Todo. Todavia, se o Eu se conseguisse, de facto, segurar, reificar, encontrar na sua Estrutura Original, encontraria talvez o verdadeiro Amor, no exacto momento em que abandonaria a relação com o amor passional.
 
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Mesmo no plano do amor passional o excesso de linguagem e de racionalização tende para a destruição da subtilidade da União arquetípica, original, primitiva, primaveril.
 
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O Amor subtrai-se ao Logos, à linguagem, à sociedade. O Amor é a subtracção entre o Divino e o Verbo. Como a subtracção de Pascal Quignard: Homo - Logos = Animal.
 
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Todo o homem do segredo é um dissimulado à custa de querer encarnar a ilusão da forma. Simula para sobreviver e é a própria necessidade de sobrevivência na forma que comprova a sua honestidade, a sua incapacidade de ser segredo pleno. O segredo não é compatível com o mundo. Não obstante, é a sua intenção, a prefiguração da Ordem, da forma em que o ruído tornou o segredo indizível, inalcançável, amnésia assaz irreversível.
 
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As fachadas sociais apagam o silêncio da emoção (Verbo). O silêncio da emoção apaga o silêncio do Divino (pré-Verbo).
 
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O Silêncio do Divino contém em si todas as iniciações possíveis. Nele, a própria fascinação é castrada. O silêncio da noite intemporal é a pura indiferenciação. O silêncio arquetípico é o silêncio que já começou a deixar de o ser para as coisas se serem.
 
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Se o Verbo vive no esquecimento, o Divino nem sequer o chega a permitir. A anamnesis só é possível no reino do Verbo. O Início é, então, o segredo; já o Divino é o puro Silêncio.
 
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O Segredo dos Primórdios implica que a grande Obra seja necessariamente anónima.
 
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As grandes obras da Humanidade não estão assinadas, não possuem História e não cedem facilmente à erosão do tempo.
 
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Também a sexualidade é, de algum modo, a conformação do Segredo, do silêncio que lhe propõe o secretismo da descoberta da nudez. O corpo e o sexo não são estruturas dessacralizadas, como propôs um certo cristianismo, antes são objectos que confirmam a nobreza do momento primevo, a beleza de teor arquetípico. Até a sua proibição, o seu secretismo, a sua castração às mãos de uma religiosidade exotérica, terão sido elementos fundamentais para fazer do sexo a aventura inesquecível da descoberta. Os momentos da modernidade dessacralizada, aqueles em que o sexo é já um vazio de olhar, em que o corpo já não produz a admiração, o espanto do temível desvelamento, são também os momentos que subtraíram o sonho e o mistério à voz criadora do momento da descoberta do corpo. Ao desaparecer o tabu do sexo, desapareceu também parte da beleza da sua descoberta, grande parte da aventura do confronto com as estruturas proibicionistas, agora tornadas "liberais" e indiferentes. De certo modo, o arquétipo castrador é também o impulso derradeiro de libertação. Se não existe o ensejo de aprisionar (por parte de um Pater), também desaparece a necessidade (por parte do filho) de moldar um qualquer caminho de descondicionamento, de libertação face às Estruturas super-morais. É como permanecer mais perto do sossego do divino, na ausência da aventura da descoberta na encarnação. É que só mesmo através do corpo, através da substância e da auto-consciência é possível possuir o "antes e o depois" requerido ao caminho evolutivo. Sem atrito não há caminho, não há descoberta, há somente a paz, que, de qualquer modo, não levará muito tempo até conhecer o seu estertor.
 
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Enquanto criação humana, enquanto estrutura narrativa, o mito é posterior à sexualidade, e engloba uma diferenciação linguística, social, capaz de incluir a reprodução geracional de padrões culturais, comportamentais e de parentesco. Falamos, claro, do mito mais enquanto constructo psico-sócio-familiar e histórico-cultural, e não do mito no sentido mais colectivo e singularmente primevo. No fim, ambos são construções humanas, já diferenciadoras e algo temporais no relativo a um Paraíso "pré-arquetípico", aquele que respeita ao Uno imanifesto e fusional (a noite eterna dos tempos).
O que acontece, portanto, é que o Homem sublima para as altas instâncias do Uno o que não é verdadeiramente Primevo, Original.
 
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É, assim, o Homem o construtor da sua própria Primavera, da sua (não sua) "cena Primitiva".
O Homem constrói o sonho, o mito que o comandará. Projecta os Valores que projectarão a acção e a cultura, e estas, por sua vez, projectam novos Valores. É, assim, a estrutura fantasmática do Mito e dos Valores um constructo plástico, em permanente reconstrução, metamorfose.
Dizendo de outro modo, o Inconsciente Colectivo torna-se Consciência Colectiva (a qual não deixa de se inscrever no inconsciente individual, pela forma como o Superego ajuda a esculpir o mundo fantasmático do ser).
 
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O tempo é a condição da degradação do mito. O mito enquanto sublimação de Valores construídos e sujeitos à mudança é, então, uma construção já "pós-Arquetípica", podendo até levar a identificar como "Arché" verdadeiramente primevo aquilo que o não é. Atemos, mais uma vez, a perspectiva relativista, segundo a qual os Universais são a ilusão de uma espécie de contrato social. Aparentemente, podemos contrapor ao "Universal cultural", o Universal físico, de raiz primariamente genética. Mas tenhamos cuidado! O que o corpo nos diz em termos aparentemente Universais pode também ser o reflexo do tempo Histórico, porque o contrato Histórico interfere com a expressão do corpo.
Da mesma maneira como o mito pode ser um falso "Arché", também o "Princípio" do ser individual pode ser somente a ilusão do "Princípio". O que se visa recuperar não é, na verdade, o verdadeiro "Arché" - este já irrecuperável - mas sim o que é entendido como tal, relembrado como tal. Como se, ao contrário do que diz a perspectiva platónica, já não fosse possível desvelar, mas somente reconstruir. Assim, toda a anamnesis acaba por ser uma re-mitificação.
 
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O Arché passa por ser, então, não só o Universo singular do verdadeiro "Princípio", mas aquilo que a cultura projecta como tal, o "Princípio" construído enquanto Mito original. De algum modo, a cultura vai criando historicamente diversos "Archés", várias estruturas míticas que apresentarão o padrão de "moralidade", "normalidade", "sanidade", de comportamento exemplar, paradigmático, o que ajudará as culturas a subsistirem ao tempo e ao terror da História.
Algures, num tempo específico, diversos comportamentos terão sido eleitos como exemplares no sentido em que propiciam a sobrevivência do corpo da própria cultura. As culturas que apresentavam comportamentos destrutivos teriam perecido algures nos meandros da "evolução histórica". O que significa, que as culturas que sobreviveram poderiam possuir comportamentos semelháveis, com um certo isomorfismo ético-moral, isomorfismo interpretado pelos homens como prova de que os Valores em questão seriam Universais, de um Uno visto como basilarmente genético pelos materialistas e visto como demiúrgico ou mesmo divino pelos espiritualistas. Quando, na verdade, se trataria de um Universal transcultural.
Acredito que comportamentos considerados como universalmente imorais como o incesto não o seriam se as possíveis e verificáveis consequências físicas do mesmo não tivessem levado os homens a vê-lo como um "comportamento a evitar", algo que foi generalizado nas culturas e, mais tarde, nos mitos, algo tornado "comum" num sentido meramente transcultural.
O Universal transcultural não deixa, ainda assim, de ser um Universal, e a Moralidade não se perde face ao que se apresenta. Somente perde algum do seu conteúdo mágico, primevo, genealogicamente primordial. O imoral continua a sê-lo, talvez não no sentido de um Uno verdadeiramente primevo, mas no sentido do Universal transcultural ou mesmo no sentido meramente sócio-cultural... pois, o imoral pode ser somente o que se considera como tal no relativo ao contrato nomotético criado por cada cultura, cada sociedade, cada tempo histórico. O facto de, por vezes, a moralidade estar confinada à variância sócio-cultural e temporal - relativa ao facto de cada cultura marcar o conjunto dos critérios, padrões e referências do que é e não é normal/saudável/moral - não significa que esse "moral" seja necessariamente menos possante face a algo que consideremos como Universal.
Obviamente, no sentido estritamente Espiritual, considera-se a Ética como sinónimo de Indiferencialidade, e isso, de algum modo, acarreta uma hierarquia, que aqui posso resumir:
Divino Imanifesto » Universal Arquetípico (Mito) » Universal transcultural (sub-arquetípico, também mítico) e Linguagem » Língua e Cultura » Sociedade » Família
É o tempo que faz deslocar o nível menos diferenciado para o nível mais diferenciado. Já o caminho evolutivo envolve a inversão do sentido da hierarquia, mediante o trabalho de descondicionamento. Parando no nível do Universal Arquetípico, o homem é capaz de fundir-se com algum do seu primitivismo (ou será "primativismo"?...), de perfazer o encontro da diferencialidade sexual, que é o objecto da Psicanálise freudiana de amplitude clínica e também daquilo que firmava a religiosidade arcaica, xamânica, ctónica, nocturna (aqui o Sagrado é o Sexual). Somente na Espiritualidade oriental e também no Esoterismo é ambicionado o objecto de pura libertação, de superação do corpo, de qualquer tipo de condicionalismo e, portanto, da própria manifestação (este nível é negado pelo materialismo, para o qual tudo é corpo físico, não existem sequer diferentes planos de manifestação espiritual, e a Liberdade é igualada ao design genético... coisa, de algum modo, mal suportada por um certo Espiritualismo que não quer aceitar o facto de sermos condicionados e estarmos fatalmente agarrados ao condicionamento genético... mais uma vez nos questionamos: será a essência da Libertação e a carência de um Absoluto Espiritual a necessidade sublimatória de um ser que não é capaz de lidar com a sua própria angústia de castração?...).
 
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O homem singular atribui um sentido à vida. O Homem-Deus desvela o significante onde estão contidos todos os sentidos possíveis.
 
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O Amor precisa da guerra para se tornar Ele mesmo. Tal como o Divino que requer a consciência na formatação do Cosmos. É a aventura de Psique no alcance de Eros. O Amor-Uno implica a resistência do amor humano: o primeiro é a Unidade inconsciente, o segundo é o receio da fusão primária, da cópula incestuosa com a Mater. O receio edipiano marca a guerra da dualidade, da temporalidade. Já, no Uno, todos os mitos terão sido extintos (nunca chegaram sequer a existir).
 
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A visão do Amor é cega, resguarda o eterno silêncio. E, assim, é o Amor o encontro da Rosa no coração do deserto. É um despertar no sono do tempo, é o Tornar-se Testemunho do incomensurável, incognoscível, indizível.
 
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A criança no útero da mãe recria o raio cósmico do coito de Deus.
 
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O coito entre dois corpos recria a cena primitiva da infância. Difere do coito de Deus, que suspende todas as infâncias.
 
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O verdadeiro Amor, a paixão Universal, implica o sacrifício dos corpos unidos na confirmação das suas infâncias. Ele está para além de qualquer infância, porque não é início de nada, senão o tempo abolido na Eternidade de todos os inícios.
 
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Amar um outro é confirmar a comédia da retórica. Permitir a assimilação no Uno é exterminar a própria necessidade de retórica. Daí que a ausência absoluta de guerra implique tão-só a ausência de vida.
 
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Na busca do Divino procuramos confirmar-nos. No seu encontro acabamos por nos perder.
 
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Todo o verdadeiro filósofo - todo o verdadeiro terapeuta - é pouco sociável, porque requer a urgência da nudez primária e a crueza da noite indiferenciadora. Ser cordial é perder a Simpatia Original. Ser "simpático com" é não ser Simpático plenamente. Ser "para os outros" é permanecer na negação de "ser os outros".
 
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Quem Une come, devora, assimila. A antropofagia encontra o seu Sagrado mais puro na vontade da aniquilação do múltiplo na Unidade devoradora (como nos ritos dionisíacos...).
 
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Não há união nem desunião, há só o Uno, que, de tempos a tempos, ganha forma.
 
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É a própria tentativa de recuperar a infância perdida do Eu que implica que o amor não seja o Amor do desvelamento da infância eterna de todos os Eus.
 
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Não existe a consciência individual, só o fluxo das consciências alheias, que não são elas mesmas senão o Verbo gerador.
 
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Crescer é deixar-se fascinar pelo Universo na servidão involuntária à Ordem Divina.
 
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A inteligência criadora não é uma inteligência, porque a criação transcende a competência. Ser competente é obedecer, ser clone do comportamento instituído, morto-vivo numa sociedade de autómatos. Ser sábio é perverter a inteligência, gorar as instruções dos livros e mandamentos, desafiar as leis do demiurgo, ousando ser a Lei própria ou mesmo a incerteza permanente. A Sabedoria cresce na mesma medida em que decresce a inteligência, se corrompe a cultura e se deprava a Sociedade. A Sabedoria não se aprende ou se busca, não se obtém senão pela desocultação da obviedade do Espírito em desvelo. E essa Sabedoria decerto não o parecerá para o Ser desocultado, o mesmo que terá perdido irremediavelmente toda a inteligência, toda a aprendizagem, todas as capacidades, porque estas já são o Ser Total que não se distingue delas, das mesmas que já não requer porque já é o Uno omnipresente.
Escrever isto como quem tenta reificá-lo no plano de uma Totalidade que É mas ainda não se desocultou perfeitamente é confirmar a inteligência do homem limitado, que, ainda assim, visa a certeza da sua capacidade, a coisificação da sua diferença, o que, mais a mais, comprova a sua pequenez, a sua finitude, a sua mortalidade.
 
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A auto-consciência é o equívoco do ser que não existe existindo.
 
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O auto-conhecimento, no seu sentido profundo, é uma impossibilidade! Para se conhecer, é necessário que exista uma separação relativa entre o Sujeito que conhece e o objecto que é conhecido. Se o objecto do conhecimento é o próprio Sujeito, então é necessário que este se abandone a si mesmo para conhecer o Objecto "Sujeito". No entanto, o acto de conhecer implica uma mente, uma estrutura onde radique a consciência, a mesma que teria de ser superada para que o Sujeito se abandonasse a si mesmo de modo a se conhecer, a si já não si. A exteriorização do Ser relativamente a si mesmo implica a sua morte, e nesta já o Ser e o si-mesmo (o objecto) se fundiram, se implicaram mutuamente no Uno indiferenciado. E se é Uno já não é Separatividade, um Eu que possa conceber-se como tal.
É por isso que haverá sempre uma parte profunda do nosso ser individual que estará irremediavelmente perdida no subsolo da memória, pois nem o Eu lhe acede (porque não consegue arrancar-se de si mesmo, daí que muitos dos nossos defeitos só possam ser apercebidos pelas vítimas - os outros - dos mesmos), nem o outro tem a convivência necessária com o Eu para neste poder penetrar.
A Espiritualidade, no seu sentido mais genuíno, implica a morte dessa ilusão mercantilista das "terapias do auto-conhecimento", pois nem o Espírito é o "Eu", nem o Uno é conhecimento, pois, no silêncio, já a Razão Pura (?) se perdeu para gerar o Divino. Fica, assim, o auto-conhecimento a ser o marco psicanalítico (para a Psicanálise mais profana nada mais existe, e o Uno é o ser individual com um nível refinado de auto-consciência e potência realizadora e ética) necessário enquanto passo de um processo meditativo - o amor no sentido do "apego" - que visa a Meditação final enquanto "Voz do silêncio" implicativa de uma visão do Amor no sentido de um Uno que é anterior ao próprio Princípio (Arché). O amor afrodítico ou o self psicanalítico é, assim, condição do amor de Eros (no sentido que lhe foi dado pela mitologia grega, perspectivável na obra de Apuleio) ou do Self no sentido do Buda-Dharma.
 
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Todas as Terapias remarcam a sua validade no preciso momento em que passam a valer mais pelo conteúdo e o Ideal, do que pelo aspecto exterior. Aí pouco interessa quem as pratica, se o Silêncio é implicado no que as procura. Fundeando a visão da Totalidade, profissões, artesãos, disciplinas, tudo isto é ilusório, tal como quem pensa que um "auxiliar" ousa necessariamente menos que um "terapeuta" e o "terapeuta" ousa necessariamente menos que o "médico", com base no aspecto "exterior" dos anos de estudo (e em academismos trôpegos, que parecem valer mais pelos hierarquismos do que pelo que verdadeiramente interessa). Pratique-se o abandono das ilusões, da farsa da exterioridade, a mesma que já terei apresentado várias vezes no passado (não por inconsciência ou limitação, mas porque o discurso deve apropriar-se ao contexto, às limitações do público que o lê).
É perfeitamente aceitável pensar que o terapeuta tradicional sem formação académica pode saber do que faz, e não tenho dúvidas de que a sua proximidade à nudez arquetípica pode ser infinitamente vantajosa (face aos que jazem mergulhados na verborreia académica e na intoxicação conceptual, passe-se o que já tem constituído a minha própria mea culpa).
E - acrescento - nada me opõe verdadeiramente à inteiridade das terapias ditas "não convencionais". Elas trazem consigo o que falta ao Ocidente, incluindo uma visão da doença enquanto palco de um desequilíbrio dos planos corpóreos superiores (ao físico) ou até mesmo enquanto resultado do saldo kármico e da acção antitética. E uma possível comunicação entre elas e as terapias ocidentais é perfeitamente concebível: na ciência (nos seus diversos sentidos, etimológico e moderno), na hermenêutica, na linguagem. (Planos dissemelhantes do Corpo têm em comum a modificação consequente do plano físico.)
No fim, tudo é Uno, e todas as nomeações e catalogações terão sido transtornadas no palco infinitesimal da Unidade, aquele que torna todas as fronteiras ilusórias tentativas de minar a liberdade na qual nos inscrevemos no nosso sono divino, no Silêncio das amarras da manifestação.
 
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Identificarmo-nos com um outro é conceder o que já não nos pertencia.
 
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Todas as relações são relações de incesto. E se a frase fere, se preludia a sua não aceitação é porque a defesa do Self não permite inteirar as verdades desagradáveis, as realidades que a Realidade não conformou à norma e à moral (e, por isso, ferem a homeostasia interna ao desafiarem a referência normativa impregnada no Eu). Simples são os que refutam aquela frase, como simples são os que a proferem porque requereram chocar os desavisados como quem quer afirmar o Ego frágil, como simples também são os que com ela não se chocam porque é a defesa que embotou a sensibilidade, dessensibilizou a emocionalidade. Mas como tudo é tão ilusório!! Pois que o que hoje choca amanhã será vulgar, o que hoje parece certo amanhã será frustre. O Absoluto é o momento, quando a colecção de momentos é o Relativo, a frustração da efemeridade, que ninguém quer aceitar porque a ausência de uma Estrutura ofende a segurança egóica, a manutenção da personna que se requereu escolher (?) na sempre necessária adaptação à realidade de erosão, ao espaço de perpétuas ofensas, lutas e dissimulações. E é assim que nos agarramos a nós mesmos, pedindo socorro ao fantasma interno, maternal, o mesmo que nos olha e julga no momento da dissidência, o mesmo que promete fender-nos no preciso momento em que condenamos a Sociedade do bem e do mal à ilusão de uma simples abstracção, o fantasma que vê em nós o seu próprio fantasma de prolongamento egóico, e que já via na sua estrutura mistérica (ou seja, da infância) o seu fantasma arquetípico de poder demolidor, o mesmo que permanece sempre na densa sucessão de gerações, não cedendo nunca à morte (nem ao divã) nem à ilusão de tentar fazer disto a minha própria ilusão, a ilusão do autor que sabe que a sua própria angústia é somente o momento efémero numa sucessão de um momento maior, o de um tempo que não cessa, que, por isso, é Absoluto, Divino ou Permanência, salvem-se os jogos simbólicos esotéricos, muitas vezes estupidamente literalizados (não entender a realidade esotérica como simbólica, alegórica, é, tal como julgar que há fronteiras ou absolutos, não ter entendido nada de nada, como se algo houvesse para entender nesta eterna extensão de um movimento que não cessa, que é metamorfose interminável).
 
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No coito, encontramo-nos com o útero materno. Um regresso que é a expectativa da recuperação do Paraíso, da nudez libertadora, do tempo em que nada havia a provar, de uma infância despreocupada, sem pudor, sem vergonha, sem o "outro", sem a mentira. O mundo é uma ficção, a mudança eterna do que não É, a transfiguração reflexa do que as coisas São, a corrosão do Princípio radical que permite a cessação do sufoco dos espelhos que nos iludem. A materialidade, as trevas femininas, permite-se dar sentimento à Ausência, e este parece ser o único sentido possível. O Espírito puro, as trevas masculinas, dão fim ao caminho de erosão, mas já aqui não há aventura, a mesma que prefigura a recuperação da Ausência de aventura. Como tudo acaba por ser tão simples, é somente a questão de "Ser ou Não Ser", e os homens complicam tanto esta nudez, tornam tão opaca e opressiva a Infância na qual deveríamos permanecer eternamente, não a Infância Divina, mas a Infância que já fomos e queremos voltar a ser, uma em que tudo era tão simples e não existia esta luta tão grande entre os homens em nome de um Eu que é, na essência, a criança dominadora das brincadeiras dos homens. Urge reactualizar a nossa própria Origem, urge trazer ao presente o sentido de Sermos, para que possamos definitivamente fazer o luto da perda do Paraíso, para que possamos finalmente ser homens, simplesmente seres plenos de sentido e entendimento, porque plenos do sentimento de Sermos e Estarmos.
 
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Transportamos connosco a criança que determina o adulto que pensamos ser, com vista a ser a criança que nunca deixámos de ser. Crescer é, então, decrescer. Evoluir é crescer verdadeiramente, regredir no tempo, lançando-o no Divino que em nós pede para (não) Existir. A criança é o Arché coexistente ao ser. O Divino é o que antecede e finaliza o Arché, podendo também sê-lo na vastidão do Absoluto a incluir todos os arquétipos. Ser criança é ser feliz, na ilusão de ser livre! Ser Divino é ser livre genuinamente, na ilusão de coisa alguma.
 
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No momento em que a reprodução humana passar a ser movida pelo intento altruísta a espécie extinguir-se-á. (E aí far-se-ia justiça ao pecado original, que mais não é do que o infinito de actos que fazem desmerecer a continuidade da nossa existência).
 
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Estar no caminho para o Espírito é querer ser a Origem e temer a diluição no teatro de máscaras (estar imerso inconscientemente nesse teatro carnal é não estar no caminho para o Espírito). Estar no Espírito é ter superado a Origem, ser a liberdade pura da Origem própria, e não temer a possibilidade da submersão no teatro da vida, que aqui é só a compaixão ou a distracção luciferina. A Origem é a relação incestuosa com a Mater, a sua transcendência é o Amor mais puro. Como acontece com Fabrício em «A Cartuxa de Parma» de Stendhal, que assume a suprema ingenuidade arquetípica no formato de um Ideal Superior, concretizado no (não) Amor incestuoso com a sua tia, e só mais tarde transportado para um Amor mais genuíno (por Clélia), coisificado no "Silêncio" da Escuridão.
 
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A fobia das convenções sociais atesta o desejo da Idade da Inocência. E o desejo da Infância é a busca da confirmação do Ser que teme desagregar-se no mundo de estranhas sombras, demónios escondidos atrás de máscaras de concupiscências laceradas pela violência da loucura. Só a criança, o douto ignorante, o sábio selvagem, é capaz de tomar as rédeas do Amor no sentido mais puro, na sua tez de imortalidade alquímica. O Amor mais genuíno é uma impossibilidade da vida. E é por isso que milénios de literatura conceberam a morte dos amantes no momento da concretização do Amor, que é o derradeiro segundo da implosão dos seres num só elemento, no vazio da existência cósmica. O amor terreno é a confirmação da dualidade. O Amor espiritual mata os amantes, porque já não são dois, são já um só, um Uno que dará ao mundo o ovo cósmico de um novo trajecto, um novo caminho de tragédia predefinida. E é também por isso, que, em vida, o amor mais profundo cessa todas as palavras, remata todas as intenções, esgota as respirações, remete para o silêncio prístino do nocturno, o instante sem tempo em que a própria fonte da vida ecoa como cascatas de água enregelada, congelada pela imortalidade quase alcançada pelos elementos transtornados pela química dos seres. O Amor é o colapso de todos os ruídos, é a Utopia, a perfeição, a finalização de todas as consequências, e é por isso que o Amor mais profundo não existe, senão na eterna Ilusão, no Ideal Supremo, aquele que o Romantismo urgiu alcançar, sem que alguma vez fosse possível ousar o incognoscível; é por isso que os amantes deste Ideal, deste númeno monadístico, nunca se encontram, porque o encontro envolve dois seres, e a unidade é já o encontro sem encontro, o todo sem pólos, a noite em que todas as concretizações terão sido lançadas no vazio da infância divina, da inocência mais precoce.
 
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O Amor fusional é a tentativa de reproduzir na terra o Amor do Ideal de todos os tempos. Acarreta quase sempre tormenta, a tempestade ou mesmo o colapso dos seres, porque estes se dividem entre o desejo de comunhão e a defesa das suas próprias fronteiras. Mas não será a própria comunhão o desejo de regressar ao ovo originário inquebrável? Não é a defesa do Eu por medo de deglutição pela Mater a prova cabal de que a comunhão se vê como o perigo de extinção, quando o próprio Eu deveria conter-se suficientemente a si mesmo de modo a querer, a desejar sublimar-se na noite de todas as tragédias?
 
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O amor platónico é o verdadeiro amor, porque o encontro na carne confirma a ausência de comunhão. O amor carnal é o verdadeiro amor, porque o encontro no Espírito é o receio do prazer, da afirmação do próprio sexo na consumação do coito. O verdadeiro Amor é a renúncia ao Ego em nome do Outro, no palco da traição de todas as sensações possíveis, do vazio que não tarda a antecipar a Sublimação.  
 
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Amar puramente é não estar em relação (no relativo). A relação é a "arte da guerra", a "arte de amar". O Amor Puro não é a Arte, porque a ausência de tragédia desobriga a existência de estratégia. A Noite quebra o jogo, a ilusão da cave de receios, leva ao esquecimento terreno na terra do Nunca. O dia é o esquecimento da Unidade, a saudade da Glória Divina, a ambição da Perfeição em que todos os jogos, relações, combates terão sido sacudidos para o momento originário que não tarda a preludiar-se na aurora do Universo de atributos.
Esquece quem és, renuncia à existência e receberás o Reino de Deus, o Paraíso onde não terás qualquer felicidade, porque Nada serás!
Luta pela vida, combate na guerra das relações, enche-te de ilusões e terás o Paraíso da Terra onde só o sentimento de culpa poderá impedir a tua felicidade. Mas cuidado, pois a felicidade nunca dura para sempre, e uma nova meta quererás possuir, até que, na plenitude do conflito com todos os "outros" que têm as suas próprias metas, correr-se-á o risco de tudo implodir num fantástico holocausto. O vencedor será o que tiver a melhor vista para o Holocausto: a Testemunha, não um qualquer homem, pois nenhum ser egóico terá sobrevivido à implosão para a qual deu o seu valioso contributo.
 
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O amor enquanto virtude aristotélica é a "arte" consumada por anos de aprendizagem, por vivências, aventuras e até ausências das inúmeras presenças a dois. É o "caminho do meio" que a vida sábia prefere à paixão escandalizadora das oscilações do mundo material. É a via psicanalítica na utilização de uma sabedoria da existência no equilíbrio, sem Egomania, sem carnalização excessiva, sem mergulho obsessivo na mundaneidade, mas igualmente sem Teomania (e sem fusão dos dois em um, sem catexia, para além da virtude do evitamento da construção de relações objectais nos quais é colocada a rede de segurança do Eu), sem sublimação Espiritual, sem mergulho obsessivo no Nada ou na Terra do Nunca. O crescimento é isso mesmo. É a consecução da via evolutiva em vida, neste mundo, com a capacidade de superar a Origem e o Arché Pater, com vista a firmar um novo Arché que possibilite dar "sol" a muitos outros, incluindo todos os que continuarão a reinar na Terra. É a pacificação do Eu na sua relação consigo e com o outro. Esta - sim - é a verdadeira via Espiritual, com todas as outras a serem esta, apesar de disfarçadas de vias racionais e de desapego (o desapego face ao mundo advém do exercício da segurança interna. O Eu securizado é naturalmente desapegado, pouco exigente de subterfúgios carnais e "objectos" relacionais falsamente securizantes; o exercício "cognitivo-comportamental" e "meditativo-transcendental" do desapego parece-me como mera "fuga para a frente" - talvez não tanto se estas estratégias, particularmente a parte "psicossomática" da meditação, visarem o auto-conhecimento -, meio tosco de consumar o desprendimento. O amor é a consequência óbvia do auto-amor, não de uma imposição "pedagógica"), ou a serem simplesmente vias pouco realistas de firmar a tolerância e a compaixão.
O amor a dois é a via da compensação do elemento masculino com o elemento feminino. Os dois não se perdem, as suas fronteiras mantêm-se, somente se tornam mais permeáveis. A relação é a arte que se firma após o período inicial de fusão (é aí que temos o verdadeiro amor, a verdadeira "arte de amar"). No final, a via da compensação da relação precoce (uterina, arquetípica, fusional terrena... não confundir com o Amor fusional enquanto Divino, Nada, aquele que inexiste) será mínima e os dois serão somente companheiros de uma aventura de crescimento irreproduzível.
 
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Estar em relação com os outros utilizando-os como meio de conhecimento próprio parece ser a melhor via para perder a relação com os outros. Estar com os outros e "ser os outros" é a melhor via de alimentar relações de perfeita confiança.
Estar em relação com os outros e não usar a relação para o auto-crescimento é desperdiçar as relações, perpetuar o isolamento. Sem as relações é impossível ao Eu conhecer-se, confiar, amar-se a si próprio, e, por consequência, amar os outros.
Portanto, como pode o Eu pouco seguro de si mesmo crescer por meio da exploração das relações que arriscará, inclusive, a criação de falsas relações (portanto, não relações) de auto-engrandecimento?
Parece-me que a solução reside na recíproca dedicação ao outro, em que o Eu ganha pela dedicação que o outro confere ao Eu. O problema é que a patologia do Eu leva quase sempre à Egomania (senão à simples auto-subtracção), o que faz com que seja impossível para esse Eu dedicar-se ao outro, simplesmente "escutar".
O Eu patológico perpetua a existência na concha, mesmo na suposta "relação" com os outros. Enquanto não resolver os seus conflitos internos será incapaz de se "exteriorizar", de "ser para os outros". Ora, se a resolução dos mesmos conflitos requer a presença do outro, é, então, necessário que o Outro seja "dominado" por este Eu dominante, ou não chegará sequer a haver relação (porque o Outro não se deixou dominar pela necessidade do Eu patológico). A problemática que se gera tende a perpetuar a existência de conflitos, internos e externos. A Terapia urge como objecto necessário à resolução (quiçá conflito) ou modulação desta inércia.
 
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Há os dominantes e os dominados. As relações são jogos animalísticos. Comummente dominantes escolhem como amigos ou amantes seres que gostam de ser dominados, quiçá protegidos. O ser dominante pode querer, a toda a força, forçar o auto-encontro pelo domínio do outro, e o outro mantém a segurança objectal interna através da protecção conferida pelo domínio do primeiro.
Vejamos uma dinâmica que agora se verifica muito: uma Mater dominante pode ser um resultado da sua própria Mater dominante, e pode querer dominar um homem mais inerte, futuro Pai ausente. Mater dominante + Pai ausente podem resultar num filho com tendências homo-eróticas, porque o elemento feminino dominou o elemento masculino. A filha também poderia ter tais tendências (contudo, menos provável) se a dominância da Mater fosse de mote a deglutir a auto-identidade da filha. Podíamos apresentar muitas outras dinâmicas, mas mesmo estas são aqui mostradas de modo extraordinariamente simplista, porque entra sempre uma infinidade de outras variáveis em jogo. É esta infinidade de variáveis que faz com que as dinâmicas existentes sejam tão diversificadas, muitas vezes difíceis de se prever. O que, para uns, é, exteriormente, a prova do "relativismo dogmático" da psicanálise (acusação muito popperiana, muito científico-liberal-falsificabilista), e, para outros, será, externamente, a prova de uma enorme complexidade, dificilmente concebível pelo poder de uma previsibilidade de estudos de ciência clássica (eventualmente, até mesmo, pela previsibilidade dos estudos de carácter estatístico-probabilístico, daí a importância do método hermenêutico e da lógica de "cada caso é um caso" que tantas vezes tenho defendido; note-se que o critério falsificabilista de Popper não é directamente adaptável à lógica dos estudos sociais...).
As dinâmicas psicanalíticas são inesgotáveis e, simbolicamente, é possível conceber uma infinidade delas nas relações do dia a dia; na verdade, as dinâmicas são constantes e estão presentes na mais espúria das preferências, atitudes, comportamentos. Tudo é susceptível de interpretação simbólica! Nada escapa à Psicodinâmica, Psico-Dialéctica das relações.
 
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Também as relações terapeuta-paciente "padecem" de uma carga simbólico-sexual impartível, inextinguível por qualquer tipo de imperativo ético. A relação clínica acarreta uma tensão proxémica, uma aprendizagem dual feita em duplo sentido.
 
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Se o caminho interessa mais do que o Destino, é porque a meta utópica, o estado de Amor Divino inalcançável, corresponde àquela "Singularidade" do Absoluto que transcende trilhos, florestas, desertos, conceitos, a dor, o sofrimento, o tempo, a entropia, e até as iluminações e o próprio Nirvana, enfim... algo que é simplesmente incognoscível e, portanto, indizível, mentalmente cegante, que, mais a mais, se define por Nada ser. A aproximação ao Absoluto feita em vida carnal é "somente" aquele estado de "flexibilidade terapêutica" que permite conceber que tudo É e Não É, se bem que, atendo um critério ou definição precisa do que pretendemos caracterizar, é provável que um "É" seja mais verdadeiro que outro "é"; e é assim que, pessoalmente, tenho comummente uma atitude "terapêutica", segundo a qual afirmo a subtileza nos níveis mais densos e a densidade nos níveis de maior subtileza. O Absoluto, tal como o sinto, corresponde à predisposição para aceitar a mais absurda das realidades, porque ser Uno é aceitar a Unidade e a "Omni-potencialidade" de todos os "relativos". Estar ao nível de um 'Nous' é conceber todas as possibilidades (até porque a Filosofia tudo permite, e a retórica, se esgrimida com sabedoria, e também com alguma corporeidade emocional visível contagiante, pode ser usada para tornar tudo verdadeiro, ou tudo falso, compreendendo os próprios conceitos de "verdadeiro", "falso", "bem", "mal"...) - incluindo a faculdade de a subjectividade contaminar o processo de Justiça dialéctica (porque as emoções - a Doxa - têm as suas preferências) -, permitir todos os sentidos, aceitar a totalidade de relativos (e que o relativo entendido como real é somente o verdadeiro do contexto dominante, aceite, entrosado, condicionado enquanto tal, e visto muitas vezes como sinónimo de "moral" e "normal"), flexibilizar infinitamente a escolha do relativo (ou do paradigma) que mais se adequa ao contexto ou critério em causa (ou do paciente que temos em conta), enfim... ser livre para tudo ser, mesmo com o risco de alcançar o estado de um Super-Homem a/imoral. Mas este é somente o Absoluto possível em vida, aquele estado que nos dá a sensação de que somos capazes de tudo entender, de tudo explicar pela Razão, como se já os próprios conceitos não importassem, e até o insight ou a gestalt fossem já secundários (terão sido fundamentais durante uma boa parte do processo, um que requeria o sentir como peça fundamental), porque já não são as partes que se unem e transcendem num Todo, já é o Todo que dá Luz às partes. Quando chegados a este processo, uma certa tentação teomaníaca apodera-se de nós, e é até fácil vir a parir novos Dogmas, Verdades das quais nos consideramos donos e senhores, porque entendemos ser uma só Verdade, quando, na realidade, tudo poderá ter sido só o excesso de um Paradigma, aparentemente racional, sub-repticiamente emocional. Ora, como vinha dizendo, este não é ainda o Absoluto a que podemos chamar Divino, a meta derradeira, a Noite de todos os Cosmos, "Deus", se lhe quisermos chamar isso, porque, se fosse, Nada seria já, e todo este sofrer ou ruminar já teriam cessado, já teriam sido projectados na memória quântica dos tempos (no máximo dos máximos, este é somente a ilusão do Absoluto, um relativo que, na melhor das hipóteses, se aproxima do Absoluto por excelência).
O que todas as formas de Conhecimento humano pretendem, incluindo a religião, a Espiritualidade, a ciência, a filosofia (sublinhe-se a "ocidentalidade" destas divisões), é o alcance desse estado quântico, o que, ainda assim, significa que todo o Saber concorre para o Não Saber, que toda a Sabedoria pretende deixar de o ser, que todo o Sábio é um ignorante e pretende deixar de ser sábio ou ignorante. O sofrimento reitera o alcance desse estado. E o medo do Nada reitera a manutenção eterna no caminho para esse estado. Entre os dois está uma infinidade de possibilidades, onde podemos colocar o homem, os animais, as guerras, as linguagens, as línguas, o prazer, a dor, etc., enfim... a vida em si-mesma que, não obstante a nossa meta de Libertação, é, ainda assim, viciante, francamente aditiva. Vício que se perfaz na eterna insatisfação, no eterno retorno neurótico, no eterno querer Ser, no eterno afirmar-se, tudo o que perfaz a tragédia da vida, a comédia das relações, o que enche as existências, o que permeia o movimento, que, mesmo não tendo qualquer sentido, é o preço a pagar para querermos crescer, saber, conhecer, experimentar, sofrer, sofrer sempre para não sofrer, nada ser, e, mais tarde, voltar a querer ser, num movimento indefinidamente perpetuado de evolução e involução, expansão e retroacção, o ciclo sem sentido, a circularidade que se confina numa gigantesca Roda da Lei, lei inquebrantável, em que todos representam um papel, um destino a cumprir, para que o Plano possa ser consumado... Mas que Plano este? Que Sentido este? É que, apesar dos esforços dos filósofos, acabamos sempre por dizer o mesmo de maneiras diferentes, alcançando sempre o mesmo, na mesma incessante dúvida, e, perante isto, só vejo uma possibilidade: atacar a caixa de chocolates.
 
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A renúncia é ainda desejo. A morte, o Adeus, a ausência de retorno, é a certeza do Silêncio, da consumação do Eterno Presente, o alvor pacificante. A morte do Ego é também a vida do ser na renúncia ao saber, ao atrito, ao deliquescer. Ser simplesmente é o destino! Ser aqui, agora e sempre, Ser sem ser, Livre sem o fantasma do passado, porque o Passado é o presente eternamente confirmado, frugalmente obstinado.
 
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A Existência é a insistência do despertar no núcleo do ser, para que as crostas, as peles, se percam na nulidade da noite dos tempos. Na noite do ser, no seu nicho mais íntimo, desértico, nuclear, irrompe a luz rósea do despertar, a "aurora de róseos dedos" que se consome no prelúdio do fim de todos os inícios, de todas as manhãs douradas, para que a nova aurora sucumba na temporária atemporalidade, na quase eterna irrupção das ondas de uma dança de infinitos. Nas trevas do ser encontram-se as trevas de todos os seres. No mergulho mais íntimo da confluência dos demónios da mais ténue partícula interna é possível desocultar a mais exterior, nominal, monadística de todas as realidades, a Realidade de todos e de ninguém, o númeno da unidade em que toda a bipolaridade terá sido siderizada pelo canto divino. É, então, preciso mergulhar muitíssimo dentro de nós para que possamos abandonar-nos. O interno é a via do externo. O íntimo é a via do despudor. A alienação pessoal é a via altruísta, como o Ego implodido na explosão do Todo, o mal na via do Espírito, o diabólico a visar o simbólico, o demoníaco a mirar o etéreo, porque no Inferno se encontra o Céu, no Hades se visa o Olimpo, no inconsciente se reconhece o Eu, no Arquétipo do Pater se constrói o Arquétipo próprio, o ser auto-fascinado, auto-siderado, premente da paz há muito destinada, do Graal ou da terra prometida, da rosa há longo tempo demandada e agora estendida ao outro, ao par, ao que já era Eu sem o sabermos, ao que queremos em nós perdido, para que o Amor mais puro surja no outro lado do horizonte, que é a noite de todas as ilusões, desiludidas no acto copular dos pequenos deuses, agora Deus Uno, a totalização de um Nada ser, Nada sofrer.
 
 
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Devorar terras e latitudes de falésias conspurcadas,
no curso do rio que flui no regresso à fonte,
trilhar sonhos e perspectivas,
frustrar as sombras pervertidas,
querer ser o ninho de outro mundo,
como gotas de um oceano flamejante
a exigirem ser um só rio de um só eco,
voz distante de um mundo de sons,
primavera de um caos de notas preludiadas,
nota única de um sonho volúvel,
o esquecimento das Eras,
a volúpia de uma teia dançante,
inexprimível pelo errante,
irredutível à predação das feras. 
 
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A terceira Idade, a Idade do Espírito Santo, o Quinto Império espiritual, venha a nós o vosso Reino (o destino do "lusíada" no termo da viagem/Odisseia ou da Guerra/Mahabharata/Ilíada/Eneida, a "mensagem" do peregrino, o fado da "esfinge" na figuração da comédia de ilusões), o Espírito que somos já e nunca abandonámos, a ilusão de uma carne conspurcada pelo eterno retorno das eras milenarmente sucumbidas.
 
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Políticos há muitos, políticos inspiradores há poucos, políticos inspiradores e com bom coração, partiu o último deles. O mito diz que sofreu e mesmo assim perdoou. O mito é a verdade do silêncio do homem que não existe; existiu, voltou à Origem, à Paz depois de um longo percurso de luta!! E o mundo já não é o mesmo. E já estaremos quase esquecidos quando a imagem do homem ainda permanecer no Eco da Esperança, que é aquilo de que o planeta precisa. Descansa Madiba, que nós te seguiremos, na vida, na morte, no sono, no sonho! [escrito no dia da morte de Nelson Mandela, 05/12/2013, publicado no 'Público', dia 10/12/2013]
 
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Sentes-te pequeno, queres ser lembrado na imortalidade. Fazes a Obra, tornas-te grande, imortalizas a tua ilusão. E que a ilusão, a grandeza e a eternidade te sejam concedidos, merece-los se a Obra une, se criaste Amor!
 
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[Texto de auto-apresentação, no contexto de integração na Maçonaria]:
Escrever este texto nesta fase na minha vida parece, de algum modo, vir criar um certo conflito comigo mesmo. Numa altura em que me preparo para publicar aquele que penso vir a ser o meu derradeiro livro, a ideia de escrever surge em mim com uma liberdade que há muito tempo não sentia. É que, perante tantas desilusões face a uma possível compreensão do que publico, tomei, precisamente há dias, a decisão final de interromper o processo de escrita de livros, que o mesmo não é dizer que deixarei de escrever ou pensar... tal seria, para mim, impossível. Desilusões, umas após outras face ao mundo, desde sempre e desde muito cedo... E a desilusão maior é precisamente essa confirmação de que o mundo em que vivemos é pura relatividade, uma Ilusão, um mural de alegorias e de imagens que, de uma vez por todas, mostram ser mero "fumo".
Sei que, em parte, escrevia para agradar a uma certa Elite; nada de concreto, tem mais a ver com os fantasmas internos, aos quais tentamos sempre corresponder. Mas, decididamente, depois de alguns acontecimentos em que a defesa da Ética e da Verdade, às quais dou a prioridade absoluta, pareceu ser tentativamente derrubada pelos supostos homens da Cultura e da Elite, dou por mim, mais uma vez, a concluir que a Verdade mais pura, a existir, reside somente na Singularidade, na diferença virginal, e que toda esta ilusão a que se chama Sociedade, assim como as suas Elites e Autoridades, estão muito longe de terem sequer a consciência necessária ao "desvelar".
Diga-se, em boa verdade, que aquilo que escrevo agora não é necessariamente algo sobre o meu EU, mas mais sobre um estado impermanente de "espírito", que de Espírito verdadeiramente pouco tem. Mas tinha de dizê-lo, pois este acto de escrita acordou o desabafo relacionado com os actos de escritas - entre outros - que têm preenchido os meus mais recentes anos.
Devo dizer que algo que, de algum modo, expresso na minha obra é o conflito entre dois lados que existem em mim, e que honestamente não poderia deixar de referir: o lado Espiritual, que acredito ter dominância, e que apela aos Valores e à Verdade, algo que existe em mim por Necessidade não redutível a qualquer possibilidade de exorcismo psicanalítico; e o lado material/saturnino, que tenta reduzir o lado Espiritual à necessidade de o pequeno homem que sou procurar as Estruturas do Espírito para se preencher e reificar, tornar um Grande Homem.
O Espírito existe per si ou é a compensação de um processo interior? A minha procura filosófica incessante pode ou deve ser reduzida a um processo fantasmático interno?
O que é certo é que a minha vida sempre esteve cunhada com a procura da Verdade, e esta sempre valeu por si e pela Objectividade que a mesma reitera, independentemente de existir um qualquer conflito edipiano que marca essa procura. A procura em questão sempre me marcou, tanto numa infância "diferente" de "bullizado", quanto na adolescência parcialmente reprimida, quanto na vida adulta em que actualmente me encontro.
Os livros sempre foram a minha grande companhia. Claro que também amei e fui amado, claro que também tive as minhas tropelias físicas, e claro que também sou um homem carnal com desejos e vigor físico. Foi até uma fase dessas que me levou a escolher o curso de Fisioterapia, se bem que, no fim do mesmo, já estava virado sobretudo para os interesses psicanalíticos e da Psicologia e Neuropsicologia.
Os interesses não têm sido poucos e todos os territórios do Saber têm passado por mim, sendo que a Filosofia tem tido sempre a primazia.
Em 2012 e início de 2013, depois de uma rápida passagem pelo materialismo dialéctico e pelo pós-marxismo, acabei por abraçar o pós-modernismo, e, de forma algo espontânea, acabei por "despertar" para a temática da Espiritualidade. Percebi que aquilo que estava implícito na minha perspectiva de idade pós-moderna poderia ter a ver com o mundo do Espírito...
E isso levou-me a, até agora, com uma velocidade vertiginosa, a operar uma grande revolução dentro de mim, o encontro mais verdadeiro, prístino, com aquilo que sabia ser o meu caminho. Nunca me senti tão próximo da minha essência como quando se começou a desvelar o mundo das Espiritualidades, um pouco como se estivesse, de facto, a viver uma anamnesis platónica. Tudo aquilo fazia sentido, tudo aquilo era tão óbvio, tudo aquilo era já o meu Eu, sempre lá esteve e estava à espera de "algo" para despertar. A noção do Universo demiúrgico, encarnado, como ilusório, a noção do Nous, o Arché, os Logoi, tudo isto que o meu lado saturnino pretende reduzir a uma projecção mental, mas que, ainda assim, é tão Real, a Verdade no seu sentido tão axiomático, axial, a pura obviedade!... Obviedade, porque tudo isto era já o meu Eu (desde há vários anos), mas precisava, de algum modo, da confirmação, como quem precisa que lhe digam que "não está louco".
Recentemente, consegui perceber que mesmo o meu lado saturnino não poderia apagar o meu destino de conluio com a Verdade, até porque ela É o que É independentemente dos pré-requisitos psíquicos de quem a desvela. Estou ainda numa fase de identificação, cada vez mais árdua, do conjunto de ilusões em que o materialismo e a sociedade ocidental me mergulharam. Processo que já iniciei há muito, mas falta ainda a "desilusão" final!... Falta também a perda do meu próprio orgulho, da minha presunção, do meu Ego, se bem que estes instrumentos me impelem à descoberta, me auxiliem no processo de Ser. Tudo com vista à visão da indiferencialidade das coisas, do que elas são verdadeiramente na sua pura continuidade, num caos Divino que se disfarça de Ordem de um caos de relatividades.
E, mais do que nunca, numa fase em que sinto uma nova pacificação do meu ser, preciso de uma nova orientação, preciso de saber qual o próximo passo. Pois, difícil para mim não é compreender, difícil é saber para onde hei-de dirigir o meu esforço, difícil é também encontrar outras pessoas que se encontrem no processo de desvelo, outras pessoas que possibilitem o caminho conjunto com um Sentido... coisa egóica, no sentido em que há a procura da "compreensão", mas também coisa supra-egóica, porque há a procura de algo mais.
 
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Queres retirar-me a religião?
Poderá, alguma vez, a medicina
compensar-me na Ilusão?
Queres que seja montanha ou consciência,
caminho desperto, rei do coração?
Poderá a filosofia dar-me o consolo
como o corpo da demência,
como a poesia e a devassidão?
 
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Queres retirar-me a clomipramina?
Poderá, alguma vez, a filosofia
compensar-me na Ilusão?
Queres que seja montanha ou consciência,
caminho desperto, rei do coração?
Poderá o Espírito dar-me o consolo
como o corpo da demência,
como a poesia e a devassidão?
 
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Duvidar é só a consequência de um transtorno da serotonina. Ser inerte é só o défice da dopamina. O amor ou o prazer preenchem o sangue de endorfinas. Queres a felicidade mais pura? Busca a droga, o "paraíso artificial" embriagador, o ansiolítico e outras proezas da medicina: aí terás toda a metafísica necessária!
 
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Não caias nas agruras do Espírito. Despreza os que tentam dar-te a consciência. É tão bom ser simples, feliz na inanição, no objecto inerte da sobrevivência, na escravatura dos dias de monocordia prazenteira. Sê feliz com o pouco que somos, que é tanto para outros. Recolhe da natureza tudo o que esta concede da sua beleza Universal. Bebe os sons e as letargias, consente o teu corpo à preguiça mais odiosa, aos prazeres mais invejados. Deixa que o teu corpo experimente o sexo tórrido de uma poligamia orgulhosa, arrisca ser só o presente entontecido, deixa-te levar na alucinação uterina. Mergulha na Primavera da tua condição, aceita-te como és e expõe o teu destino com o orgulho do que é único e irrepetível. Não tentes libertar-te de nada senão da infelicidade. Os filósofos e os sábios invejarão a tua liberdade. Tentarão dizer-te que não és livre, que és somente um iludido, um vendido à perdição mundana, um degenerado involuído. Quando são eles os iludidos, os agrilhoados pelo pensamento, os obsessivos categóricos que não ousam o prazer e a libertação, os conformados pelo senso de uma obrigação: a de se libertarem, quando a sua própria ilusão os impede de ver nessa "liberdade" a busca do conforto, da satisfação, a mesma que "os simples" já possuem na adaptação a um mundo "normal" no qual os filósofos se sentem "estrangeiros", desadaptados, inadaptáveis.
 
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Ser poeta, trilhar inexoravelmente o caminho da loucura, da liberdade de ser transtorno, do domínio de todos os caminhos possíveis como quem adia indefinidamente o encontro do que nem chega a ser demanda, roçar a Verdade e mostrar-lhe a língua, provocar os deuses com a subtil irrisão, ser Atena de mil formas e Ulisses de mil ardis, alquimia sem destino, obra ao negro provocatória, o caos de mil e uma noites, consentindo adiar a diluição, mergulhar no eterno de formas lugubremente consentidas, preludiar o infinito de explosões de cosmos infinitamente transformáveis (em crescendo e descrescendo...), cosmos dentro de cosmos, em que o mais pequeno do mais pequeno possui infinitas latitudes, dízimas infinitas de cores impossíveis de nomear. O poeta é o viajante, o peregrino de uma viagem de deboche: o deboche de todas as dimensões possíveis, de todos os Universos que criam entre si pontes inumeráveis. Mas quais Universos? Quais pontes? Não há limites, não há dimensões, não há nomes nem escadas nem mapas nem esquemas, há somente o movimento perpétuo, a dança de todas as virgindades, o poeta como ovo imaculado de todos os ovos de todas os germes possíveis. O caos, o Nada, as trevas de todas as tempestades, de todas as tragédias, de todas as epopeias... Transpõe tudo isto até ao limite do indizível e encontrarás o Poeta. O verdadeiro poeta não escreve com palavras... não escreve sequer...
 
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Ser louco sem implodir. Implodir sem o temer. Ser poeta e desprezar os tolos. Tentar ser Tudo e sofrer por não o conseguir. Ter orgulho desse sofrimento!
Deixai-me ser "Deus", deixai-me lembrá-lo a todos os pequenos!!
 
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O pior erro das Ciências Sociais, Humanas e Espirituais: tentar compreender e legislar aquilo que não é regular, legislável. A cada um a sua própria "receita", a cada um a sua própria dinâmica, a cada um o seu próprio caminho, a cada um o seu próprio destino.
 
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Ser homem, força telúrica de um só sentido, dimensão definida de um só destino, condição, montanha própria, como quem aceita a limitação de se ser Eu simplesmente, máscara vencida, correspondida por si mesma, vendada no seu prazer, na felicidade que é só o prazer mantido, projectado, antecipado. Desistindo de ser Super-Homem, demiurgo, Deus, e ser apenas o peso próprio, que é já tão difícil de suportar. Aceitar as fronteiras do mundo, poder ser somente a ilha própria, a lei própria, o deus de si próprio, e nem isso sequer... aceitar a degradação, o momento da perda, o instante em que a insignificância, o erro, a derrota se apoderam de nós. Ser homem simplesmente, fazer o luto da pequenez, ter orgulho de ser pequeno, ser e não procurar ser mais, ser a dúvida e não procurar corresponder-lhe, tolerar o desconhecido e viver a magia de um mundo que é feito de véus, infinitamente permutáveis, infinitamente escamáveis. Ser Eu e agir na grandeza da certeza de querer ser Eu somente, poeta da nossa falésia, do nosso pequeno monte descoberto, do nosso carvalho suportando a agrura do tempo, as tempestades de lágrimas, os rios de vento. Para que surja finalmente o momento, o segundo quase perdido do encontro, encontro próprio no encontro com o outro, as defesas perdidas, as muralhas desemparedadas, o segundo já perdido do amor incondicional, de um "ouvir" da amizade, que é o instante da pura redenção, o único segundo humano. Aqui terás sido Espírito, e a Razão, os ritos, as crenças, as filosofias, os paradigmas, a arte e os livros, tudo isto terá sido tornado inútil, matéria estéril que atrofia as relações de homens estupidamente racionalizados. Ser homem, não ser Civilização. Ser homem, coração encontrado na ilusão.
 
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O sol remete para o ocaso todas as esperanças de ver a luz na frugalidade do olhar reflectido nas águas túrgidas, empoladas pelos ciclos da vida nocturna. Na noite, a dúvida desperdiça-se em mil tentativas de vivificar a ânsia da vida dormente, o estertor do sonho recria o prurido de matérias e ferrugens, putrefacções da carne divinizada pelo som perdido no eco litúrgico da poeira cósmica, do leite derramado pelo arco-íris da matriz tecedora do mapa dos universos de leis caotizadas pela dispersão de olhares perdidos na temeridade do esquecimento. Recria nos teus poros o leito de todos os céus esculpidos pelas mentes bárbaras da Torre de Babel, retém a liberdade dos povos na aurora da tua paixão, manifesta em ti o princípio de um acorde de nostalgia, como um oceano de nuvens a projectarem a sombra merecida no mar de ácidas lavas, retorna ao vulcão fulgurante que projectas no teu olhar, sucumbe ao amor transtornado dos loucos que rugem pela voz do vento da paixão, preludia a estocada funesta dos sonhos corrompidos pelas grilhetas da tua própria misantropia, esgrime o desejo perdido no ódio à tenacidade,
preenche o vazio dos que odeiam arqueologias,
tentaculiza a verdade dos sóis e das engrenagens,
recua perante o frio enchendo-te da sua luz,
sê livre, sempre, aqui, em todas as realidades,
mata a tentação de te escoares em vis barragens,
mata a tentação de não seres o caos merecido,
a loucura dos grandes, o crime enaltecido,
suspende a tua lei, levita, levita sempre,
suspende a gravidade, suspende a tua mente.
 
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Descansa, cessa de buscar,
de perder o fio da vida,
a ilusão enternecedora.
Não procures explicar,
Ser deus ou devaneio,
quando a Vida é já tão curta
e o seu fluxo perde a tenacidade.
Querer assustar a Verdade,
como quem a apanha no momento dúbio,
é querer o amor e o transtorno da ansiedade,
E é tão fácil ceder, conceder na teimosia,
partilhar o sono com as tardes há muito idas
da inocência de outros tempos,
como a infância de outras Eras,
que é só o momento do mistério,
o que move a urgência de querer ser,
de querer voltar ao primevo Império,
de urgir no tempo prometido,
que é a paz de onde algures me retiraram.
Sê criança, não ouses crescer,
Trai todas as expectativas, tudo o que pedem,
Trai-te a ti mesmo não traindo a tua ilusão,
Mergulha no sonho, nele permanece,
Sê grande em ser pequeno,
Ser homem simplesmente,
Como quem quer ser feliz somente,
Não pensar, não ser transtorno,
Ser só a terra, e as tardes douradas,
A emoção de ser sentindo,
Sem Razão, só distracção,
Ser Eu mesmo, sem disso duvidar,
Ser Eu mesmo, e afirmar o orgulho de o ser,
Ser Eu mesmo, e não ambicionar,
Ser Eu mesmo, e nunca despertar,
Ser Eu mesmo, o guardador de rebanhos,
Tudo ignorar, tudo ser,
Ser o orgulho de não querer saber,
de não me importar sequer por não querer saber,
de não me importar com seja lá o que for,
senão com a felicidade e o egoísmo dos simples,
da criança mais plácida,
Agnus Dei despido de sacrifício.
Entro no Inverno, deito-me, prenuncio a noite de mim, a noite de todos os mins, nesta prometida hibernação, nesta nostalgia do Absoluto. Boa noite e até à próxima manifestação...
 
 

in «A Clínica do Sagrado. Medicina e Fisioterapias, Psicanálise e Espiritualidade» (2014, Edições Mahatma)

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