sexta-feira, março 09, 2007

A culinária terapêutica: cadeias de movimento, diferentes paradigmas

Um erro teorético comummente conformado por muitos fisioterapeutas ou professores de fisioterapia consiste no acto de confundir o conceito de “cadeias musculares” de Souchard com o conceito de “cadeias musculares” de Busquet. Há quem se dê ao trabalho de comparar os dois conceitos ou métodos de intervenção. Quem efectua tal comparação tende a dizer que o método das “cadeias musculares” de Busquet representa uma inovação em comparação com o método de Souchard; que as “cadeias musculares” segundo Busquet incluem estruturas que as “cadeias” de Souchard não incluem, que o conceito de Busquet atinge auspícios que Souchard nunca imaginou. Ainda mais tende a dizer que o método de Busquet apresenta-se a anos de luz de distância do método Mézières, em termos de conceptualização.
Ora, não sei como é possível que tanta gente, o que inclui fisioterapeutas excelentemente formados em todos estes métodos, caia em tamanho engano. Comparar Souchard com Busquet é como comparar o músculo multifidus com a “massa comum”; é verdadeiramente comparar laranjas com maçãs. Os métodos são simplesmente incomparáveis, pois o conceito de “cadeia muscular” é diferente em ambos os métodos; se Souchard identificou diversas cadeias musculares posturais ou estáticas, Busquet identificou diversas cadeias musculares de natureza dinâmica. Para Busquet, a única cadeia muscular estática existente corresponde à cadeia posterior, aliás “cadeia estática posterior”. As suas cadeias “cruzadas”, “de flexão” e “de extensão” são cadeias de movimento e não estáticas. Como tal, Busquet afasta-se do conceito de “postura” ou de “reeducação postural”, sendo que o que ele efectivamente fez foi visualizar o corpo num historial de massas musculares intervenientes na função dinâmica. Acontece, então, que, em termos de “Postura”, Busquet não se afastou tanto de Mézières quanto Souchard: para ele, tudo está dependente da “cadeia estática posterior” (o que ele inteligentemente fez foi valorizar mais o papel das fáscias do que dos músculos propriamente ditos – uma evolução análoga ao conceito anglo-saxónico de “Trilhos anatómicos”), à semelhança do pressuposto no método Mézières. A partir do momento em que focamos as outras cadeias, saímos do conceito de “Postura” e entramos no de “Movimento”.
Claro que certos “intelectuais da fisioterapia” (conceito não meu, mas do excelente Paulo Araújo) podem sempre vir argumentar que “Postura” é na realidade um conjunto microscópico de inúmeros “movimentos”, oscilações e ajustes, ou que o “Movimento” é um todo que é mais do que a soma de diversas “posturas”, mas, excelências, convenhamos que o mais simples e parcimonioso é preferível à complexificação exagerada... Postura é Postura. Movimento é Movimento. Tal como uma laranja é diferente de uma maçã, apesar de ambas serem igualmente constituídas por átomos.
Mas, voltando a encarrilar no tema, devemos ter em conta que o conceito de “cadeias musculares dinâmicas” de Busquet ultrapassa grandemente a temática da “Postura”, para abraçar certas temáticas não muito dissemelhantes de certos “padrões de movimento”, que uns certos proponentes de Kabat ou de Bobath têm tantas e inúmeras vezes referido. Aqui chego ao ponto de me perguntar se haverá por aí muitos fisioterapeutas que reconhecem certas semelhanças no domínio de certos conceitos. É que só temos um mundo, apesar de tanta diversidade cultural. E em diferentes partes do mundo, o corpo não tende a funcionar de maneira diferente. Ora, então eis que proponho que os tais “intelectuais da fisioterapia” ousem comparar Busquet, fruto francófono, com o PNF, fruto americano, e com Bobath, fruto anglo-saxónico, e com o Tai-chi, fruto oriental. O prof. Paulo Araújo e a terapeuta Eva Albuquerque já fizeram a mesclagem PNF – Tai-chi... Será que outro alguém ousará fazer mais “truques de culinária”?...

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