A descoberta de um conjunto novo de leis fisiológicas que o método Mézières viria dar relevo enceta por uma história que cada mézièrista conhece bem (Mézières, 1965; Geismar, 1996; Nisand, 1996; Nisand & Geismar, 1996).
A própria Mézières conta (Mézières, 1965): “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947, nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba ‘cifose’, nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas. Tratava-se de um sujeito longilíneo, muito alto e magro. Um colete de couro e ferro não havia conseguido parar, como esperado, a progressão da doença.”
Nesta época, a ginástica postural clássica era realizada com base nas leis fisiológicas que reforçam o papel do fortalecimento muscular. E foi esse mesmo tipo de trabalho que foi feito inicialmente com a doente. Mézières (1965) refere: “Nós tentámos, naturalmente, os exercícios de ‘endireitamento’ e o trabalho dos músculos dorsais com vista a fortalecer os extensores do dorso, mas a rigidez era tal que nada era possível realizar. Deitando, então, a nossa doente, no chão, em decúbito dorsal, nós realizámos a flexão dos ombros e vimos, para nosso espanto, produzir-se uma enorme lordose lombar. Para não acrescentar um mal à cifose já presente, nós realizámos a báscula posterior da bacia e, para nosso novo espanto, vimos a hiperlordose lombar esquivar-se e deslocar-se para a nuca.”
Depois de repetida várias vezes a experiência, Mézières e os colegas acabaram por admitir uma verdade que viria a ser anunciada como uma nova lei: que “todo o encurtamento parcial da musculatura posterior leva a um encurtamento de todo o conjunto desta musculatura” O que corresponde à noção de cadeia muscular, onde “toda a modificação de comprimento no sentido do alongamento ou no sentido do encurtamento de parte da musculatura tem repercussão sobre todo o conjunto”.
Françoise Mézières acrescenta: “Tanto que como o alongamento da musculatura lombar se traduzia pelo encurtamento da curvatura cervical, a lei é que o alongamento de um qualquer músculo posterior leva ao encurtamento do conjunto da musculatura posterior”. É o que costumamos de chamar de noção de compensação.
“Então, para esta paciente, nenhum músculo posterior era demasiadamente fraco ou longo, nem mesmo os da região cifosada; pelo contrário, todos estavam curtos, rígidos e fortes demais. O sujeito não era de forma alguma esmagado pela acção da gravidade, mas sim achatado pela sua própria força, a de seus músculos dorsais. Era preciso, ao invés de fortalecer esta musculatura, descontraí-la, alongando de uma ponta à outra da coluna vertebral, como se se tratasse de uma lordose.”
Actualmente sabemos que a “cadeia posterior”, identificada pela primeira vez por meio das observações de Mézières, inclui um comportamento dinâmico, o qual integra um conjunto muito avultado de estruturas musculares, como o diafragma e a musculatura anterior. Esse comportamento dinâmico integra um conjunto de inúmeras compensações, geradas por mecanismos protectores, sendo que estes são devidos ao reflexo anti-álgico à priori (Mézières, 1970, 1984). Assim sendo, sabemos actualmente que uma cifose pode ter origem em: (a) excessiva força ou tonicidade da musculatura dorsal, (b) compensação gravítica da lordose existente numa outra parte da cadeia muscular posterior, ou seja, a cifose é consequente da existência de uma parte retraída da musculatura posterior, (c) retracção da musculatura inspiratória acessória, em sinergia com a retracção da cadeia inspiratória ou diafragmática, e (d) retracção das cadeias musculares anteriores, encurtamento derivado da zona posterior e transportado pelo diafragma à zona anterior, na forma de uma ou mais compensações.
Entrámos, efectivamente, num conjunto de noções variadas que inicialmente Mézières não dominava. A fisioterapeuta resumia, efectivamente, as suas observações em duas partes: (1) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo e (2) ela é sempre forte de mais, curta de mais, potente de mais. E, para os proponentes de Mézières, o princípio preliminar de que todas as deformações têm origem num encurtamento da musculatura posterior manteve-se incólume até à data.
Deve, também ser acrescentado que a própria Françoise Mézières terá cedo percebido que existia uma sinergia importante entre a musculatura posterior e o diafragma e os músculos rotadores internos das ancas.
Assim sendo, a desmontagem dos princípios far-se-ia na forma de um tripé de intervenção, com vista à harmonia muscular ou bela forma (considerada a morfologia perfeita, assente num conjunto de curvaturas vertebrais e eixos segmentários com expressão “normal”): deslordose, expiração e desrotação. Estes três princípios de tratamento são o que todos os métodos francófonos de reeducação postural têm mantido como base incólume de acção.
Geismar (1993) resume as bases científicas do método Mézières num conjunto de sete princípios, os quais iremos manter na linguagem original:
Primeiro princípio: «Tout vient de l’enraidissement des muscles postérieurs». Princípio considerado primacial, paradigma de todos os métodos ditos “mézièristas”. Por outro lado, tem sido diluída a sua importância por autores mais modernos (Souchard), que, como veremos mais tarde, podem não ter compreendido completamente o alcance do princípio.
Segundo princípio: «Il n’est que des lordoses; La lordose est responsable de la cyphose; Tout est compensation lordotique». Mais uma vez, um princípio fundamental, quase um pleonasmo relativamente ao anterior.
Terceiro princípio: «Solidarité du tronc et des membres; Influence de la rotation interne des membres». Este princípio anuncia uma das lógicas de sinergia muscular. Efectivamente, visto que os rotadores internos das ancas possuem uma inserção importante a nível lombar (principalmente o músculo psoas), eles aparecem retraídos na maioria dos casos de deformidade, e têm de ser vistos como característica inerente à “lordose”.
Quarto princípio: «Influence du blocage diaphragmatique». Mais um princípio relativo à lógica da sinergia muscular. O diafragma é um músculo lordosante, com poderosas inserções lombares. Por outro lado, relaciona-se, de forma sinérgica, com os músculos inspiratórios acessórios, os quais possuem inserção a nível cervical.
Quinto princípio: «Il n’est de bonne tenue de tête sans quadriceps». Este é um princípio relativo à importância de se fortalecer a musculatura dinâmica, na qual se inclui o músculo quadricípete.
Sexto princípio: «Des abdominaux». À semelhança do anterior, é um princípio que reforça a importância de se fortalecer os músculos abdominais (de natureza dinâmica), nomeadamente os músculos rectos e oblíquos.
Sétimo princípio: «Les effets des attitudes capitales». Princípio relacionado com a lógica das compensações e dos reflexos protectores.
Importante será referir que Mézières e os mézièristas sempre escreveram para os especialistas da área, e sempre num tom de ressalva tecnicista. Daí que muitos dos princípios de Mézières não tenham sido adequadamente traduzidos para uma linguagem mais globalizada e acessível. Os seus princípios ficaram efectivamente reservados a um conjunto particular de médicos e terapeutas. Para além disso, a natureza teorética e axiomática de certos princípios viria a ser afirmada de forma muitas vezes pouco científica e mal categorizada, o que fez com que muitas das bases teoréticas mais tarde laboriosamente elucidadas por Souchard tivessem permanecido mal explicadas até que o anterior autor as tivesse enunciado.
A própria Mézières conta (Mézières, 1965): “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947, nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba ‘cifose’, nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas. Tratava-se de um sujeito longilíneo, muito alto e magro. Um colete de couro e ferro não havia conseguido parar, como esperado, a progressão da doença.”
Nesta época, a ginástica postural clássica era realizada com base nas leis fisiológicas que reforçam o papel do fortalecimento muscular. E foi esse mesmo tipo de trabalho que foi feito inicialmente com a doente. Mézières (1965) refere: “Nós tentámos, naturalmente, os exercícios de ‘endireitamento’ e o trabalho dos músculos dorsais com vista a fortalecer os extensores do dorso, mas a rigidez era tal que nada era possível realizar. Deitando, então, a nossa doente, no chão, em decúbito dorsal, nós realizámos a flexão dos ombros e vimos, para nosso espanto, produzir-se uma enorme lordose lombar. Para não acrescentar um mal à cifose já presente, nós realizámos a báscula posterior da bacia e, para nosso novo espanto, vimos a hiperlordose lombar esquivar-se e deslocar-se para a nuca.”
Depois de repetida várias vezes a experiência, Mézières e os colegas acabaram por admitir uma verdade que viria a ser anunciada como uma nova lei: que “todo o encurtamento parcial da musculatura posterior leva a um encurtamento de todo o conjunto desta musculatura” O que corresponde à noção de cadeia muscular, onde “toda a modificação de comprimento no sentido do alongamento ou no sentido do encurtamento de parte da musculatura tem repercussão sobre todo o conjunto”.
Françoise Mézières acrescenta: “Tanto que como o alongamento da musculatura lombar se traduzia pelo encurtamento da curvatura cervical, a lei é que o alongamento de um qualquer músculo posterior leva ao encurtamento do conjunto da musculatura posterior”. É o que costumamos de chamar de noção de compensação.
“Então, para esta paciente, nenhum músculo posterior era demasiadamente fraco ou longo, nem mesmo os da região cifosada; pelo contrário, todos estavam curtos, rígidos e fortes demais. O sujeito não era de forma alguma esmagado pela acção da gravidade, mas sim achatado pela sua própria força, a de seus músculos dorsais. Era preciso, ao invés de fortalecer esta musculatura, descontraí-la, alongando de uma ponta à outra da coluna vertebral, como se se tratasse de uma lordose.”
Actualmente sabemos que a “cadeia posterior”, identificada pela primeira vez por meio das observações de Mézières, inclui um comportamento dinâmico, o qual integra um conjunto muito avultado de estruturas musculares, como o diafragma e a musculatura anterior. Esse comportamento dinâmico integra um conjunto de inúmeras compensações, geradas por mecanismos protectores, sendo que estes são devidos ao reflexo anti-álgico à priori (Mézières, 1970, 1984). Assim sendo, sabemos actualmente que uma cifose pode ter origem em: (a) excessiva força ou tonicidade da musculatura dorsal, (b) compensação gravítica da lordose existente numa outra parte da cadeia muscular posterior, ou seja, a cifose é consequente da existência de uma parte retraída da musculatura posterior, (c) retracção da musculatura inspiratória acessória, em sinergia com a retracção da cadeia inspiratória ou diafragmática, e (d) retracção das cadeias musculares anteriores, encurtamento derivado da zona posterior e transportado pelo diafragma à zona anterior, na forma de uma ou mais compensações.
Entrámos, efectivamente, num conjunto de noções variadas que inicialmente Mézières não dominava. A fisioterapeuta resumia, efectivamente, as suas observações em duas partes: (1) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo e (2) ela é sempre forte de mais, curta de mais, potente de mais. E, para os proponentes de Mézières, o princípio preliminar de que todas as deformações têm origem num encurtamento da musculatura posterior manteve-se incólume até à data.
Deve, também ser acrescentado que a própria Françoise Mézières terá cedo percebido que existia uma sinergia importante entre a musculatura posterior e o diafragma e os músculos rotadores internos das ancas.
Assim sendo, a desmontagem dos princípios far-se-ia na forma de um tripé de intervenção, com vista à harmonia muscular ou bela forma (considerada a morfologia perfeita, assente num conjunto de curvaturas vertebrais e eixos segmentários com expressão “normal”): deslordose, expiração e desrotação. Estes três princípios de tratamento são o que todos os métodos francófonos de reeducação postural têm mantido como base incólume de acção.
Geismar (1993) resume as bases científicas do método Mézières num conjunto de sete princípios, os quais iremos manter na linguagem original:
Primeiro princípio: «Tout vient de l’enraidissement des muscles postérieurs». Princípio considerado primacial, paradigma de todos os métodos ditos “mézièristas”. Por outro lado, tem sido diluída a sua importância por autores mais modernos (Souchard), que, como veremos mais tarde, podem não ter compreendido completamente o alcance do princípio.
Segundo princípio: «Il n’est que des lordoses; La lordose est responsable de la cyphose; Tout est compensation lordotique». Mais uma vez, um princípio fundamental, quase um pleonasmo relativamente ao anterior.
Terceiro princípio: «Solidarité du tronc et des membres; Influence de la rotation interne des membres». Este princípio anuncia uma das lógicas de sinergia muscular. Efectivamente, visto que os rotadores internos das ancas possuem uma inserção importante a nível lombar (principalmente o músculo psoas), eles aparecem retraídos na maioria dos casos de deformidade, e têm de ser vistos como característica inerente à “lordose”.
Quarto princípio: «Influence du blocage diaphragmatique». Mais um princípio relativo à lógica da sinergia muscular. O diafragma é um músculo lordosante, com poderosas inserções lombares. Por outro lado, relaciona-se, de forma sinérgica, com os músculos inspiratórios acessórios, os quais possuem inserção a nível cervical.
Quinto princípio: «Il n’est de bonne tenue de tête sans quadriceps». Este é um princípio relativo à importância de se fortalecer a musculatura dinâmica, na qual se inclui o músculo quadricípete.
Sexto princípio: «Des abdominaux». À semelhança do anterior, é um princípio que reforça a importância de se fortalecer os músculos abdominais (de natureza dinâmica), nomeadamente os músculos rectos e oblíquos.
Sétimo princípio: «Les effets des attitudes capitales». Princípio relacionado com a lógica das compensações e dos reflexos protectores.
Importante será referir que Mézières e os mézièristas sempre escreveram para os especialistas da área, e sempre num tom de ressalva tecnicista. Daí que muitos dos princípios de Mézières não tenham sido adequadamente traduzidos para uma linguagem mais globalizada e acessível. Os seus princípios ficaram efectivamente reservados a um conjunto particular de médicos e terapeutas. Para além disso, a natureza teorética e axiomática de certos princípios viria a ser afirmada de forma muitas vezes pouco científica e mal categorizada, o que fez com que muitas das bases teoréticas mais tarde laboriosamente elucidadas por Souchard tivessem permanecido mal explicadas até que o anterior autor as tivesse enunciado.
Publicado na revista "Saúde Actual", Maio de 2007
1 comentário:
sendo uma sexagenária, tive conhecimento desta DESCOBERTA há muitos anos e busquei a Antiginástica que apareceu no Rio de Janeiro.Gostei muito, mas pouco tempo durou. Não havia muita procura. Nada li naquela época,
Mas, só agora, literalmente, hoje, com este Artigo Verdadeiro me sinto apoiada para buscar RPG, para viver em Paz com meu Corpo aos quase 70 anos.
Sei que Palavras não poderão alcançar as emoções sutis de profunda GRATIDÃO a todos, todos mesmo, que tem sinergia com esta divulgação.
Meu Carinho, Mariza das Graças Moraes Dias
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