segunda-feira, abril 16, 2007

Mentalidade dos fisioterapeutas portugueses

Podemos dizer que os fisioterapeutas do nosso país compreendem uma classe em franca expansão. A identidade da nossa classe não está ainda completamente firmada, apesar de existirem resquícios de um certo firmamento identitário. A meu ver, a classe de fisioterapeutas divide-se sobretudo em duas expressões: a antiga e a moderna. A “antiga classe” compreende os diversos fisioterapeutas que espelham os quadros dos hospitais e os grandes lugares da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas. Esta “antiga classe” inclui alguns dos melhores profissionais que a nossa área alguma vez conhecerá. Inclui profissionais com dignidade, com apetrechos de desenvolvimento autónomo e científico; mas ainda assim não deixam de ser profissionais agraciados por um contexto sócio-laboral completamente diferente do contexto actual. Quero com isto dizer que se estes antigos profissionais constituem o cerne da grande evolução da Fisioterapia em Portugal, isso deve-se em muito ao facto de, no seu tempo, a Fisioterapia não ter tido uma expressão científica e laboral relevante, fazendo com que fosse fácil singrar neste “mundo”. Eles eram tão poucos! E tão pouco estava feito! Não era assim tão difícil progredir...
Já o mesmo não pode ser dito do contexto moderno. Somos imensos fisioterapeutas, com necessidades de trabalho num mercado “cheio” de profissionais. Não temos poder para fazer girar a situação, por mais que tentemos... E por mais formação que possuamos nunca é suficiente para as necessidades “académicas”, mas é sempre demais para as necessidades “laborais”.
Para além disso, os novos fisioterapeutas ainda são pouco reconhecidos pelos colegas mais velhos. Ainda há pouco um fisioterapeuta da “velha classe” me criticava dizendo que eu tinha, tal como todos os outros, de “fazer o caminho da pedra”. Que grande “caminho da pedra” que ele deve ter feito!!!... Numa época em que era tão fácil arranjar emprego no seio da Fisioterapia (como era há alguns anos atrás), não acredito que existisse assim tanta “pedra para bater”. Hipócritas destes há muitos na nossa classe! Tantos quantos aqueles que criticam a identidade do Fisiatra enquanto profissional... A avaliar pelas qualidades de alguns fisioterapeutas da “velha classe”, não deixo de compreender o pouco respeito que a classe médica tem pelos fisioterapeutas. Pois, é preciso perceber que o respeito dos médicos, e em especial dos fisiatras, não é uma condição pré-definida, ele tem de ser conquistado com trabalho e formação. E, na minha pouca experiência, os médicos, tanto aqueles com que trabalho como aqueles que avaliam os meus artigos científicos, têm reconhecido melhor o meu esforço científico e curricular do que os próprios colegas. Dentro do mundo da Fisioterapia, a inveja é regra e não excepção. Já vi muitos fisioterapeutas criticarem um colega pelo simples facto de estar a fazer mestrado. Há pouco tempo ouvi fisioterapeutas a chamarem “pedante” ao prof. Raúl Oliveira pelo simples facto de ser professor e ter evoluído. E quantos não riem do Paulo Araújo, chamando-o maluco pelas suas “inovações”, ou do prof. António Manuel Fernandes Lopes (“E até o tratam por Doutor” – como me dizia há pouco uma colega), pela sua invejável posição no mundo da Fisioterapia. À presidente da nossa APF chamam muitas vezes de “Tia”. E ainda há uns dois anos atrás, determinado chefe de serviço dizia-me que “a Isabel de Sousa Guerra está a levar nas lonas no Egas Moniz com o novo sistema hospitalar”... E a Prof. Doutora Gomes da Silva que se dá ao luxo de utilizar o título de “Professora Doutora”... “É por isso que estamos como estamos” – dizia-me outro chefe de serviço.
É verdade! Há muita intriga no meio da nossa classe. Muita inveja dos que ainda vão fazendo alguma coisa. É verdade que a APF constitui uma elite, mas mil vezes a elite inteligente, que vai tentando fazer alguma coisa por nós, do que aqueles pacóvios invejosos que enchem os serviços dos hospitais ou os outros fisioterapeutas hipócritas que são, por exemplo, directores de serviços.
Saiba-se que o futuro da fisioterapia pertence aos jovens e inteligentes fisioterapeutas da actualidade... refiro-me, claro, aos que ainda vão tendo a dignidade de percorrer determinado percurso científico e laboral, sem aceitar qualquer contexto de trabalho e desenvolvimento. Dentro da “nova classe” temos fisioterapeutas bem formados, mas com grandes dificuldades de inserção profissional. É de reparar que, dentro da “velha classe”, são muitos os fisioterapeutas desactualizados e sem grande maturidade intelectual e académica. Refiro-me não aos fisioterapeutas que fizeram a Fisioterapia singrar, mas a todos aqueles que se sentaram à sombra da bananeira, aqueles que só dizem mal dos velhos colegas que se mexem e dos novos que são promissores.
E não me venham com a conversa da Experiência. E com o argumento de que “o velho é que é bom”. O bom fisioterapeuta não pode ter muita experiência, pois, no nosso país, quanto mais experiência se possui mais se chafurda (e por mais tempo) no que a Fisioterapia tem de mau. É preciso ser-se profissional de várias experiências, não necessariamente de muitos anos, mas sim de diversos contextos. O fisioterapeuta experiente não é aquele que se mantém no mercado por mais tempo. É sim aquele que luta durante mais tempo por um lugar onde pode ser um fisioterapeuta digno!!! E aquele que vive mais a experiência que possui. Aquele que investiga, aquele que lê, que estuda, que “pensa”, que luta sem medo daqueles que se acham “donos do sistema”. O bom fisioterapeuta será sempre um ser inconformado, como o foram os grandes mestres da humanidade. Mas, no nosso país, tende a barrar-se o caminho aos inconformados, chamando-os de pedantes e criticando a sua experiência, e acusando-os de lançar o ódio à classe.
O meu blog tem sido mais criticado e atacado do que perspectivado com optimismo. Por vontade de muitos colegas, eu não escreveria o que escrevo. Também por vontade de muitos colegas eu não tinha publicado metade do que já publiquei. Lembro-me que há uns anos atrás umas “especialistas” em neurologia, fisioterapeutas experientes, acusavam-me de não saber o que dizia acerca das minhas críticas ao sistema de Bobath. As mesmas senhoras alegaram que era impossível constituir um artigo sobre a intervenção do fisioterapeuta na espasticidade. Aquilo que alguns fisioterapeutas do Hospital de São José e outros do CMR Alcoitão consideraram impossível de se fazer foi conseguido por mim e outros co-autores num artigo que agora está publicado na revista Sinapse. E nós não somos especialistas!...
E podia contar muitas outras histórias, como aquela em que certa fisioterapeuta chorou no dia em que falei dos “rolos de reeducação postural” no meu blog. Que mal ter desmistificado determinada prática!... Para os fisioterapeutas da “velha classe”, ou nada se faz ou se fez de mais... Não se pode é chamar a atenção. Arriscamo-nos a ser engolidos pelo sistema!...

(Dedico este texto a todos os fisioterapeutas que, à minha semelhança, têm sofrido com o jugo de poder e inveja de muitos dos nossos colegas – e isto inclui velhos e novos profissionais. O pior inimigo do Fisioterapeuta é o próprio fisioterapeuta, disso não tenhamos dúvidas... Os que tentam “progredir” vêem os seus esforços ser diluídos num mar de desilusões!!!)

4 comentários:

Daniel C. disse...

Sim senhor, muito bem referido.

Ora aqui está uma excelente análise da realidade profissional no nosso país, tendo como ponto de partida a análise histórica e comportamental dos nossos colegas.
De facto existe essa luta fraticida entre profissionais, o que não deixa de ser triste, já que se por um lado queremos reconhecimento e autonomia, por outro invejamos quem faz muito pela nossa profissão aprendendo, investigando, publicando artigos, no fundo construindo o corpo de conhecimentos que nos poderá valer a autonomia e definição profissional.

Pelo que percebi de alguns posts que aqui colocaste tb tu foste vítima dessa "antiga classe" que chegada ao poleiro mais por escassez do que por mérito próprio, olhava para ti pelo canto do olho e te desprezava ou desvalorizava o teu esforço porque para elas a dita "experiência" valeria muito mais do que a EBP.
Pelo que vi isso apenas te motivou a continuar a evoluir e até a escrever este blog, pelo que me resta "agradecer" esse estimulo por aquilo que aqui escreves e pelo muito que contribuis para a evolução da classe.

Abraço

Luís Coelho disse...

Este tipo de "força", não a recebemos todos os dias!... Mt obrigado e até breve

Por Rugero Bulzing disse...

Um retrato bem pintado, semelhante e muito com o que aconteçe aqui no Brasil.

Fisiomais Lda disse...

OLá Luis, estava aqui a navegar á procura de informação até que encontrei o teu blog!!!!
Já vi que gostas de partilhar as tuas ideias e formação, desde já muito obrigado por isso.
Relativamente à mensagem que aqui escreves,... sim realmente é muito feio!!! Se somos bons, olham-nos de lado, se somos maus... também nos olham de lado.........
A fisioterapia, e o GRUPO DA FISIOTERAIA em muito tem de evoluir!!!
Tu não és sempre bom, nem sempre mau!!!!
Tu não acordas todos os dias com a mesma disposição, com os mesmos gostos, com as mesmas ideias!!!!!!!!!!!!
Agora o triste é nós batalharmos diáriamente por evoluirmos... pessoalmente, e ainda assim ouvir-mos este tipo de comentários!!!!!
Quando passaste pelos maiores hospitais do pais, em estágios e em trabalho e visto das maiores barbaridades na área da fisioterapia e no proprio sistema de saude!!!!!!!!!!!!!!!

Temos todos muito que evoluir.... quando os nossos próprios colegase amigos,... mostram inveja e má cara ao nosso desempenho e coragem... o que não dirá um inimigo!!!!

Muitos parabéns por as mensagens que tens deixado no teu blog!!!
Gostei

Suse Joana