A discussão acerca da formação dos profissionais de saúde portugueses assume-se como um tema de estrita actualidade e necessária provocação discursiva, com base numa necessidade urgente de análise psicossociológica abrangente. É certo que o número de escolas superiores de enfermagem e de tecnologias de saúde aumenta de forma exponencial, mas menos incontroversa é a questão relativa à qualidade da formação gerida nessas mesmas instituições.
Num país em pleno crescimento como o nosso, não é irrealista considerar que a educação constitui a base do crescimento sócio-económico e cultural das empresas e instituições. Uma boa educação é e será sempre a base fundamental da cristalização de uma cultura fecunda e da morigeração de uma sociedade. Mas ainda assim, não podemos deixar de considerar o conjunto das necessidades recursivas e de mercado da sociedade ou sistema em questão (admitindo, claro, que essas mesmas necessidades variam consoante as modificações sofridas pela estrutura funcional do tecido social).
Ora, acontece que, por qualquer razão difícil de compreender, o discurso educacional do nosso país parece ancorar na estandardização imoral e na anquilose visionária; isto no sentido em que as nossas Instituições “vendem” um discurso apelativo à Educação, nomeadamente à realização de formação superior, sem que sejam tidas em conta as necessidades reais dos cidadãos especificamente formados. Simplificando, deve ficar bem explícito que o número de cursos superiores (e respectivas vagas de funcionamento), seja em universidades públicas seja em universidades privadas, é bastante superior às necessidades profissionais do mercado português. Claro que pode sempre ser afirmado que o que tem de mudar é o mercado e não o paradigma educacional, mas eu diria que a mudança do mercado exige a prescrição de mudanças sociais extremamente lentas (por mais dinâmico que seja determinado Governo), não assimiláveis pelo “crescimento numérico” das vagas do ensino superior.
É importante ter em conta que, desde o 25 de Abril, as universidades têm vivido um momento especial, em busca de ampliar a sua relevância social. Se as universidades eram muito respeitadas no Estado Novo, é certo que o seu papel social não era bem compreendido e que as necessidades universitárias não correspondiam às necessidades de mercado. Por outro lado, com a entrada na democracia, houve uma revolução nas “ciências da educação” e no modo de perspectivar as Universidades de tal modo célere e agigantada que rapidamente chegámos a um estado de caos no mundo da informação e da formação superior. Aliás, é importante atender ao facto de que muitos cursos médios passaram a constituir cursos superiores, com a democratização do sistema. Muitas escolas passaram a universidades. E as universidades cresceram a olhos vistos. E, claro, estando o sistema liberalizado, as universidades particulares multiplicaram-se sem controlo.
Infelizmente, no decorrer de todo este processo “histórico”, nunca foi criada legislação palpável acerca do número de vagas passíveis de serem criadas para os diversos cursos superiores, assim como nunca foi criado um sistema exigente e coercivo de regras de delimitação da criação de novos cursos nas diversas universidades.
Enquanto fisioterapeuta que sou, posso testemunhar o exemplo da educação em Fisioterapia, enquanto “modelo” da tendência sócio-histórica anteriormente referida. Lembro-me perfeitamente que no final da década de 1990, estava a iniciar o curso de Fisioterapia, o qual era considerado como sendo de “saídas fáceis” e de acessível inserção numa carreira do Serviço Público. Por esta altura, existiam, a nível nacional, cinco escolas de Fisioterapia: a Escola Superior de Saúde do Alcoitão (ESSA), a instituição mais antiga e de referência incontornável, as três escolas superiores de tecnologias de saúde (Lisboa, Coimbra e Porto) e uma escola num Instituto Piaget no norte. Posso garantir que, por esta altura, a Fisioterapia ainda estava ao nível do bacharelato e a única escola que possuía um corpo técnico especializado e de referência era a ESSA. Mesmo nesta escola, a grande maioria dos professores não possuía formação para além da CESE ou da DESE. E aproveito para dizer que, apesar de ser uma instituição privada, a ESSA possuía um nível de exigência de ensino notório, com uma educação do tipo “universitário”, mas com uma exigência superior à de muitas universidades (e públicas). Falo tanto como fisioterapeuta como alguém que realizou outras formações noutras universidades.
Por volta de finais de 2003 já estava no término do curso. Mas, em poucos anos, as coisas mudaram muito significativamente, e a realidade agora era outra. A Fisioterapia era agora uma licenciatura (do tipo bietápico), o que fez, em termos práticos com que diminuísse a carga horária de trabalho e com que as aulas teóricas passassem a ser de presença facultativa. A exigência geral do curso diminuiu, ao invés de aumentar. E muitos professores de referência “fugiram” para outras escolas... Outras escolas... Agora vem a grande “evolução”!... As escolas de ensino da Fisioterapia passaram de cinco para dezassete. E vem depois toda a panóplia de consequências...
Como é possível tantas escolas terem sido tão rapidamente aprovadas e legitimadas, com corpos docentes formados muitas vezes com fisioterapeutas sem qualquer tipo de competência académica?... É impossível perceber! Ora, é certo que o número de pessoas que necessitam de Fisioterapia é enorme, mas também é certo que a grande maioria dessas pessoas compreende uma classe idosa e dependente do Serviço Nacional de Saúde, o que faz com que sejam mais facilmente tratadas em “massa” e, muitas vezes, somente por auxiliares. Se a isto acrescentarmos o lógico aumento do número de fisioterapeutas, então podemos perceber que a Fisioterapia deixou de ser considerada uma “profissão de futuro”.
Sejamos concretos! O número actual de fisioterapeutas é superior a 4000. Há cinco anos era inferior a 3000. E a Associação Portuguesa de Fisioterapeutas prevê um aumento do número de fisioterapeutas para um número próximo de 7000 até 2010. Como tal, todos aqueles que entram com notas de 16 e 17 nos cursos de Fisioterapia e que sonham com uma carreira de sucesso podem contar com a existência de uma profissão destinada ao desemprego. É claro que as coisas podem mudar. Um programa eficaz de crescimento dos cuidados de saúde primários e continuados pode ajudar a empregar muitos fisioterapeutas. Mas, ainda assim, é necessário haver um “corte” de raiz ao nível do número de vagas e do número de cursos. A entrada no processo de Bolonha poderia e deveria ajudar a aplicar o “golpe” necessário, através da criação de novas exigências de formação por parte dos corpos docentes. Porém, estamos a assistir a um contínuo adiamento do processo de aditamento dos princípios de Bolonha, sendo que se tem permitido a “evolução” académica do ensino dito politécnico (no qual se inclui grandemente a Fisioterapia), com a desvantagem de serem criadas as condições de legitimação das diversas instituições (e bem sabemos que é cada vez mais fácil fazer um mestrado ou um doutoramento...).
Como iremos mudar as coisas? Apenas com frieza! E muito rigor. É tempo de deixarmos de permitir a irracionalidade. É tempo de protegermos os nossos formandos, os jovens que mais tarde quererão trabalhar e viver de forma autónoma.
Num país em pleno crescimento como o nosso, não é irrealista considerar que a educação constitui a base do crescimento sócio-económico e cultural das empresas e instituições. Uma boa educação é e será sempre a base fundamental da cristalização de uma cultura fecunda e da morigeração de uma sociedade. Mas ainda assim, não podemos deixar de considerar o conjunto das necessidades recursivas e de mercado da sociedade ou sistema em questão (admitindo, claro, que essas mesmas necessidades variam consoante as modificações sofridas pela estrutura funcional do tecido social).
Ora, acontece que, por qualquer razão difícil de compreender, o discurso educacional do nosso país parece ancorar na estandardização imoral e na anquilose visionária; isto no sentido em que as nossas Instituições “vendem” um discurso apelativo à Educação, nomeadamente à realização de formação superior, sem que sejam tidas em conta as necessidades reais dos cidadãos especificamente formados. Simplificando, deve ficar bem explícito que o número de cursos superiores (e respectivas vagas de funcionamento), seja em universidades públicas seja em universidades privadas, é bastante superior às necessidades profissionais do mercado português. Claro que pode sempre ser afirmado que o que tem de mudar é o mercado e não o paradigma educacional, mas eu diria que a mudança do mercado exige a prescrição de mudanças sociais extremamente lentas (por mais dinâmico que seja determinado Governo), não assimiláveis pelo “crescimento numérico” das vagas do ensino superior.
É importante ter em conta que, desde o 25 de Abril, as universidades têm vivido um momento especial, em busca de ampliar a sua relevância social. Se as universidades eram muito respeitadas no Estado Novo, é certo que o seu papel social não era bem compreendido e que as necessidades universitárias não correspondiam às necessidades de mercado. Por outro lado, com a entrada na democracia, houve uma revolução nas “ciências da educação” e no modo de perspectivar as Universidades de tal modo célere e agigantada que rapidamente chegámos a um estado de caos no mundo da informação e da formação superior. Aliás, é importante atender ao facto de que muitos cursos médios passaram a constituir cursos superiores, com a democratização do sistema. Muitas escolas passaram a universidades. E as universidades cresceram a olhos vistos. E, claro, estando o sistema liberalizado, as universidades particulares multiplicaram-se sem controlo.
Infelizmente, no decorrer de todo este processo “histórico”, nunca foi criada legislação palpável acerca do número de vagas passíveis de serem criadas para os diversos cursos superiores, assim como nunca foi criado um sistema exigente e coercivo de regras de delimitação da criação de novos cursos nas diversas universidades.
Enquanto fisioterapeuta que sou, posso testemunhar o exemplo da educação em Fisioterapia, enquanto “modelo” da tendência sócio-histórica anteriormente referida. Lembro-me perfeitamente que no final da década de 1990, estava a iniciar o curso de Fisioterapia, o qual era considerado como sendo de “saídas fáceis” e de acessível inserção numa carreira do Serviço Público. Por esta altura, existiam, a nível nacional, cinco escolas de Fisioterapia: a Escola Superior de Saúde do Alcoitão (ESSA), a instituição mais antiga e de referência incontornável, as três escolas superiores de tecnologias de saúde (Lisboa, Coimbra e Porto) e uma escola num Instituto Piaget no norte. Posso garantir que, por esta altura, a Fisioterapia ainda estava ao nível do bacharelato e a única escola que possuía um corpo técnico especializado e de referência era a ESSA. Mesmo nesta escola, a grande maioria dos professores não possuía formação para além da CESE ou da DESE. E aproveito para dizer que, apesar de ser uma instituição privada, a ESSA possuía um nível de exigência de ensino notório, com uma educação do tipo “universitário”, mas com uma exigência superior à de muitas universidades (e públicas). Falo tanto como fisioterapeuta como alguém que realizou outras formações noutras universidades.
Por volta de finais de 2003 já estava no término do curso. Mas, em poucos anos, as coisas mudaram muito significativamente, e a realidade agora era outra. A Fisioterapia era agora uma licenciatura (do tipo bietápico), o que fez, em termos práticos com que diminuísse a carga horária de trabalho e com que as aulas teóricas passassem a ser de presença facultativa. A exigência geral do curso diminuiu, ao invés de aumentar. E muitos professores de referência “fugiram” para outras escolas... Outras escolas... Agora vem a grande “evolução”!... As escolas de ensino da Fisioterapia passaram de cinco para dezassete. E vem depois toda a panóplia de consequências...
Como é possível tantas escolas terem sido tão rapidamente aprovadas e legitimadas, com corpos docentes formados muitas vezes com fisioterapeutas sem qualquer tipo de competência académica?... É impossível perceber! Ora, é certo que o número de pessoas que necessitam de Fisioterapia é enorme, mas também é certo que a grande maioria dessas pessoas compreende uma classe idosa e dependente do Serviço Nacional de Saúde, o que faz com que sejam mais facilmente tratadas em “massa” e, muitas vezes, somente por auxiliares. Se a isto acrescentarmos o lógico aumento do número de fisioterapeutas, então podemos perceber que a Fisioterapia deixou de ser considerada uma “profissão de futuro”.
Sejamos concretos! O número actual de fisioterapeutas é superior a 4000. Há cinco anos era inferior a 3000. E a Associação Portuguesa de Fisioterapeutas prevê um aumento do número de fisioterapeutas para um número próximo de 7000 até 2010. Como tal, todos aqueles que entram com notas de 16 e 17 nos cursos de Fisioterapia e que sonham com uma carreira de sucesso podem contar com a existência de uma profissão destinada ao desemprego. É claro que as coisas podem mudar. Um programa eficaz de crescimento dos cuidados de saúde primários e continuados pode ajudar a empregar muitos fisioterapeutas. Mas, ainda assim, é necessário haver um “corte” de raiz ao nível do número de vagas e do número de cursos. A entrada no processo de Bolonha poderia e deveria ajudar a aplicar o “golpe” necessário, através da criação de novas exigências de formação por parte dos corpos docentes. Porém, estamos a assistir a um contínuo adiamento do processo de aditamento dos princípios de Bolonha, sendo que se tem permitido a “evolução” académica do ensino dito politécnico (no qual se inclui grandemente a Fisioterapia), com a desvantagem de serem criadas as condições de legitimação das diversas instituições (e bem sabemos que é cada vez mais fácil fazer um mestrado ou um doutoramento...).
Como iremos mudar as coisas? Apenas com frieza! E muito rigor. É tempo de deixarmos de permitir a irracionalidade. É tempo de protegermos os nossos formandos, os jovens que mais tarde quererão trabalhar e viver de forma autónoma.
____
Publicado parcialmente no boletim da APF de Setembro 2007
Publicado na revista 'Medicina e Saúde' de Fevereiro 2008
11 comentários:
Olá, Luis
Estou escrevendo apenas para deixar o endereço de um site, que acredito que vc já tenha acessado e que muito tem a acrescentar a nossa profissão e ao seu blog.
http://www.pedro.fhs.usyd.edu.au/
Abraços
Muito obrigado por todo o apoio Chris
Estou passando para deixar alguns sites sobre a terapia morfoanalítica, que foi mais um dos métodos criados a partir do método Mézières.
http://www.abtm.com.br/
http://www.terapiamorfoanalitica.com/
http://www.psychosomato.com/
http://th.morphoanalytique.free.fr/cont/acc.htm
Abraços
Obrigado pelo teu apoio Chris. Tens página de Hi5? Ou qualquer outro meio de te contactar? Bjs
Oi, Luis
Não tenho pagina de Hi5, mas se vc tiver MNS e quiser me add o meu é chris-chri@hotmail.com
será um prazer trocar ideias sobre nossa profissão
pode mandar e-mails para mim para o chrismmaia@gmail.com se quiser
Saudações caro colega de profissão, Luís Coelho...
Sou fisioterapeuta brasileira,moro na terra das Cataratas(Iguassu Falls)em Foz do Iguaçu,Paraná.Em busca de informação sobre o panorama da educação e mercado de trabalho em fisioterapia no BrasilXEuropa,descobri sua publicação no site.Confesso estar abismada com o que relatou e muito me indigna também.Pois saiba que parecido é o cenário encontrado aqui(guardadas as proporções de nossos países).Trabalho com reeducação postural acerca de 8 anos,amo o que faço e tento passar isso para meus pacientes e alunos de graduação.
Tenho pretensão de fazer cursos na área de postura na França e Portugal.Obviamente possuo um desejo de expandir e dividir conhecimento na área.
Pode me auxiliar na orientação sobre os cursos?Um grande abraço!
Angélica Maria Pacagnan
fisiossrp@hotmail.com
Saudações futuros colegas de profissão,
Bom, estive passando pelo site, estava em busca de alguns metodos da fisioterapia na frança, pois estive morando durante 3 anos e com isso, pude perceber o quanto a frança necessita de fisioterapeutas, leio muito artigos da frança e os cursos que analizei, são de extrema produtividade, aonde pretendo depois de formar fazer alguma especialização. Mais durante isso, li algumas postagem no blog e pude perceber que vocês estão mais avançados que eu (primeiro periodo), portanto gostaria de trocar alguns conhecimentos, dicas, especialização, pesquisa de mercado por região.
Desde ja, obrigado pela atenção,
meu e-mail é leonardofisioterapeuta@yahoo.com.br
Olá Luis,
Sou fisioterapeuta brasileira assim como a cara colega Angpelica Pacagnan que já postou em seu blog.
Ao persquisar um pouco mais sobre as condições de aprimoramento profissional e oportunidades de emprego em Portugal descobri seu blog o qual me chamou atenção, por sua consciência, indignação e protesto. Como nossa colega brasileira já disse, aqui no Brasil a situação também não é das melhores, existem muitos cursos de graduação(privados e públicos), mas pouco criteriosos além de muitas falhas em seu programa de ensino, como pude ver nos meus anos de graduação.
É muito bom saber que existem pessoas ao redor do mundo que buscam a valorização do profissional fisioterapeuta, e que não pensam apenas no benefício próprio. Ao mesmo tempo é muito triste saber que outros países, até mais desenvolvidos que o Brasil política e financeiramente, partilham dos mesmos problemas que nós fisioterapeutas brasileiros. É verdadeiramente uma pena!
A princípio, como disse no começo de meu desabafo, pesquisava sobre cursos de aprimoramento profissional e oportunidades de emprego em Portugal, pois estou em processo para adquirir dupla cidadania(sou neta de português)e possuo especialização em RPG, além da grande vontade de conhecer Portugal!
Se você puder me disponibilidar maiores informações ou sites seria muito grata!
Abraços,
Sarah Bruno.
sararib_1985@yahoo.com.br
OI! lUIS,
Sou fisioterapeuta, terminei a especialização em Fevereiro de 2009em Ortopedia e Traumatologia pré e pós operatório imediato e ambulatório- UNICAMP/SÃO PAULO.
Moro em Belém/PA.
Estou pesquisando mestrado em Portugal e achei seu blog
Será que vc poderia me orientar nessa batalha!!
Um abraço
Aliny Reis
e-mail: aliny-reis@hotmail.com
orkut: Aliny Reis
ola luis,
sou fisioterapeuta formadada pela puc/mg faço especialização e gostaria muito da sua ajuda.
estou querendo fazer o meu mestrado em geriatria ai potugual e gostaria que vc pudesse me orientar a melhor faculdade para isso e relatar um pouco dessa area de geriatria ai em portugual. ja li alguns artigos dai dizendo da importancia que vcs tem com a terceira idade...
muito obrigada. mariely
marielycarvalho@yahoo.com.br
Enviar um comentário