sexta-feira, dezembro 15, 2006

De Mézières a Souchard: Traições e evoluções

Um dia hei-de aprofundar o tema... Mas fique-se já sabendo que é impossível aos olhos do estudioso negligenciar as semelhanças e as diferenças entre o método original de Mézières e os princípios da Reeducação Postural Global de Souchard.
Em termos sintéticos, poderemos dizer que, em grande escala, Souchard não acrescentou tanto quanto isso ao seu método para além do que já estava dito e feito em Mézières. Criou “novas posturas” e salientou a importância de se colocar todas as estruturas musculares simultaneamente em tensão. Ou seja, uma postura para Souchard constitui a súmula de todos os posicionamentos de estiramento da cadeia muscular. Já em Mézières, é muito comum tratar primeiro parte da cadeia para passar depois a outra parte da mesma (inicialmente, parte respiratória e zona superior da cadeia posterior, e depois, zona inferior da cadeia posterior). A tensão colocada em Mézières é grande no sentido em que a deslordose requerida é máxima, sendo que a realização de posturas em flexão é factível; por outro lado, o RPG é mais politicamente correcto e esteticamente aceite, pois utilizam-se mais frequentemente as posturas em coluna neutra.
Para além de tudo isto, deve ser acrescentado que o trabalho em Mézières é mais passivo do que o trabalho em RPG. No RPG o trabalho é mais activo e não nos podemos admirar do aparecimento quase obrigatório do Stretching Global Activo, método grupal em que o alongamento é realizado de forma extremamente autónoma e consciente.
Em ambas as abordagens é tida em conta uma complexa teoria de “cadeias musculares”, mas enquanto que no RPG se considera a existência de várias cadeias musculares, em Mézières considera-se que as “diferentes cadeias musculares” são todas uma só cadeia e estão totalmente dependentes da zona posterior. Em resumo, Souchard traiu o conceito de cadeia muscular unitária ao propor a existência de várias cadeias musculares. Na realidade, essas várias cadeias estão todas unidas entre si, partindo tudo da cadeia muscular posterior. Por exemplo, o RPG pode ver as hipercifoses dorsais como consequência de uma retracção da cadeia antero-interna do ombro, mas o método Mézières vai sempre perspectivar esta retracção como consequência de uma lordose “primária” (uma retracção da cadeia posterior terá sido transportada sob o aspecto de uma compensação até à região anterior, e a cadeia inspiratória terá mediado o “transporte” dessa compensação ou retracção).

domingo, dezembro 03, 2006

Trilhos anatómicos, segundo Myers

Trilhos miofasciais




















Linha superficial posterior

















Linha superficial anterior




















Linha profunda anterior




















Linha lateral




















Linha espiral




















Linha do membro superior




















Linha funcional




















sexta-feira, dezembro 01, 2006

Noção dinâmica da Cadeia muscular posterior: perspectiva segundo o paradigma do método Mézières

Como já tenho afirmado afincadas vezes, a base paradigmática de toda e qualquer deformação postural centra-se na existência de lordoses, entendidas como encurtamentos da cadeia muscular posterior.
Como sabemos, a cadeia muscular posterior constitui-se de feixes de músculos e fáscias com um poder de encurtamento e uma tendência para a retracção sem paralelo no sistema muscular tónico do corpo. Aliás, segundo o paradigma do método Mézières, tudo, absolutamente tudo parte do encurtamento da cadeia muscular posterior. Todos os encurtamentos relativos a outras cadeias musculares, como por exemplo o encurtamento das cadeias cruzadas anteriores na hipercifose dorsal, advêm na transmutação do encurtamento da cadeia posterior para a anterior eventualmente mediada por meio da cadeia inspiratória (diafragma).
As cadeias musculares têm, portanto, de ser vistas como unidas entre si, numa sinergia indecomponível. Por exemplo, a musculatura mastigadora e a língua são pontos de comunicação da cadeia posterior para a cadeia anterior. Por outro lado, o diafragma está unido a todas as cadeias, possuindo um papel reforçado na estruturação de contraturas desses mesmos conjuntos musculares, das quais a lordose lombar é a mais exemplar.
Ora, sabemos, portanto, que, segundo a perspectiva anteriormente apresentada, o corpo tem apenas uma cadeia muscular, e essa cadeia é fundamentalmente posterior; é lá que tudo começa e que tudo termina. Daí que as novas tendências, em termos metodológicos, de se falar num conjunto multifacetado de cadeias musculares (Souchard, Busquet) ou de trilhos anatómicos (Rolf, Myers), apesar de parecer inovadora, peca por trair a noção de unidade global do método original de Mézières.
Devemos, então, falar de uma só cadeia muscular, de um só músculo total do corpo. Claro que tal não significa que não possamos decompor analiticamente essa mesma cadeia. Aliás, a própria cadeia muscular posterior propriamente dita, conhecida como grande linha mestra posterior na linguagem de Souchard, cadeia estática posterior na linguagem de Busquet (lembremo-nos que para este autor, só há uma cadeia estática, que é a posterior; todas as outras são de natureza dinâmica) e linha superficial posterior para Myers (ou seja, devemos atender à existência de outros músculos ainda mais profundos, como o transverso abdominal e o multifidus), pode ser subdividida. Assim sendo, à semelhança do que fez Leopold Busquet, a cadeia posterior pode ser dividida em cadeia posterior superior (com limite inferior ao nível da bacia) e cadeia posterior inferior.
Da divisão anteriormente anunciada, advêm questões de grande relevância para a compreensão das deformidades e o próprio treino da flexibilidade.
Acontece que, segundo inúmeras observações realizadas em ambiente clínico e desportivo, tem havido uma tendência para se considerar que existe um equilíbrio sinérgico muito especial entre as duas partes (superior e inferior) da cadeia muscular posterior. Este equilíbrio é muito semelhante ao tipo de equilíbrio existente entre grupo muscular agonista com tendência ao encurtamento e grupo muscular antagonista (ao anterior) com tendência ao alongamento.
Assim sendo, passemos a analisar a questão anteriormente exposta. Reparemos na grande maioria dos atletas. E reparemos especialmente nos elementos do sexo masculino. A grande tendência destes indivíduos é de possuírem uma certa tendência para a retracção dos ísquiotibiais e tricípete sural. Porém, não é muito comum possuírem lordose lombar aumentada. Eventualmente, poderão ter alguma cifose, mas esta pode ter múltiplas origens... Por outro lado, olhemos para as ginastas e a grande maioria das professoras de fitness. É muito comum vermos estas atletas passearem o seu corpo como se fossem modelos, exibindo a sua coluna profundamente “direita” ou “recta”. “Que boa postura que tenho!”, pensará esta atleta e todos os que para ela olham; e isto pelo simples facto de permanecer “direita”. Pena é que tal endireitamento signifique tudo menos uma boa postura, pois o que existe verdadeiramente é uma lordose excessiva a nível lombar e também a nível dorsal (provocando rectificação desta parte da coluna, assim como da cervical por compensação). Ora, minhas caras professoras de fitness, as mesmas que conseguem perfeitamente levar as mãos aos pés com as pernas esticadas e ultrapassar esse nível, saibam vocês que também vós sois retraídas. Estas atletas possuem retracção da parte superior da cadeia muscular posterior. E os primeiros de que falei, esses possuem uma retracção da parte inferior...
E é sempre assim que as coisas tendem a acontecer. Uma retracção da parte superior da cadeia muscular posterior tende a libertar a parte inferior da cadeia e vice-versa. Grande parte dos que não conseguem chegar com as mãos aos pés no teste Sit and Reach possuem uma retracção dos ísquiotibiais e, eventualmente, da banda íliotibial. Estas estruturas, quando retraídas, roubam o espaço de manobra funcional. Por outro lado, as retracções ao nível do ráquis roubam mobilidade à coluna, dificultando, por exemplo, a descida no Shoulder Bridge do Pilates, mas raramente impedem a chegada das mãos aos pés, sendo que este trajecto é feito fundamentalmente à custa da distensão dos ísquiotibiais.
Há, ainda, a somar o facto de que o alongamento da musculatura da coluna produz muito menos dor do que o alongamento dos ísquiotibiais, o que é explicado pela natureza da musculatura (a cadeia muscular posterior superior é constituída por uma miríade de pequenos músculos paravertebrais, sendo que o seu alongamento global, por maior que seja, produzirá pouco alongamento a nível muscular individual; já a cadeia muscular posterior inferior é constituída por muito menos músculos, sofrendo cada um deles proporcionalmente uma grande distensão aquando do alongamento); isto faz com que qualquer alongamento global da cadeia posterior, mesmo em pessoas com grande flexibilidade dos ísquiotibiais e lordose lombar/dorsal, seja sentida quase sempre na região popliteia.
Percebemos, então, que o comprimento excessivo da parte superior da cadeia muscular posterior tende a ser compensado com o encurtamento da parte inferior e vice-versa. Isto também poderá significar que, em casos muito particulares, a pessoa criou outro género de compensação. Por exemplo, aquando da minha formação em Mézières, o meu mestre Jean-Marie Drouard viu e mostrou uma doente que sentia dores a nível cervical e dificuldades de deglutição, sendo que, de resto, parecia ser completamente flexível (aliás, a doente era bailarina). Rapidamente, o formador percebeu que a retracção se encontrava ao nível da língua; no tratamento trabalhou a respiração com enfoque na expiração, ao mesmo tempo que puxava pela língua da bailarina como se a quisesse arrancar suavemente. O efeito foi espantoso, principalmente na fala da doente. Percebemos também qual a causa deste encurtamento tão específico: uma vida inteira a forçar o corpo ao alongamento rápido e intensivo.
Ora, eis que chegamos a um ponto fundamental da nossa discussão. Se é importante trabalhar a flexibilidade da cadeia posterior, será que o treino de flexibilidade não poderá provocar determinadas deformidades, se mal orientado? A resposta é Sim! O trabalho de flexibilidade deve ser realizado lentamente e sem tensão excessiva, ao longo do tempo, e sempre de forma global, incluindo toda uma cadeia. Se tal não acontecer, ao se realizar o alongamento (analítico), estamos apenas a transportar a retracção de um para outro lado da cadeia muscular. Daí que não seja estranho que várias pessoas verifiquem um aumento da lordose lombar ou aparecimento de uma rectificação dorsal depois de meses a trabalharem a flexibilidade dos ísquiotibiais. As pessoas associam esta transformação à melhoria postural, mas eis que o mais importante ficou por compreender: não houve verdadeiramente qualquer aumento de flexibilidade, houve apenas um transporte de um encurtamento de um para outro lado da cadeia muscular.
Aumentos significativos e verdadeiros da flexibilidade muscular são sempre muito difíceis de se obter, pois o corpo tem uma tendência enorme para se proteger dos estados de tensão. O que devemos fazer então? Devemos alongar sempre em “campo fechado” (Souchard), ou seja, em cadeia muscular, fechando os seus extremos, mantendo a respiração plena com enfoque na expiração, e uma atenção sempre presente relativamente ao aparecimento de compensações.
Por outro lado, conseguindo alongar completamente a cadeia posterior, é possível que a tal “compensação lordótica” viaje para o diafragma ou a cadeia anterior. Como o contrário dificilmente se verifica, então é possível conceber o plano mais eficaz de stretching global, o qual consiste no alongamento das cadeias pela seguinte ordem: cadeia inspiratória (o alongamento diafragmático tem de estar sempre presente) »» cadeia anterior (consequência) »» cadeia posterior (parte superior »» parte inferior).
Para finalizar, não devemos deixar de dizer que este género de compensações e/ou equilíbrio está presente, de uma forma mais ou menos idiossincrática, em todas as pessoas. Passo agora a uma citação da obra de Bertherat “Le corps a ses raisons”:
«Para corrigir as nossas fealdades importa, pois, corrigir os nossos pontos rígidos.
Ainda céptico, um dos estagiários julgou ter encontrado uma falha na teoria.
- Tudo isso é muito interessante, mas como explica o problema dos indivíduos demasiado flexíveis. A hiperlassidão existe, como sabe.
Françoise Mézières exibiu um sorriso malicioso.
- A hiperlassidão, meu amigo, só existe nos dicionários. Na vida real, nunca houve uma pessoa excessivamente flexível. - E, antes que o estagiário pudesse protestar, acrescentou: - Não tardará a ter a prova disso.
Com efeito, poucas horas depois, ela recebia diante de nós uma rapariga de quinze anos, que se fazia acompanhar do seguinte diagnóstico médico: hiperlassidão, com fragilidade de ligamentos.
E, rindo, a moça mostrou-nos os cotovelos, que giravam de forma preocupante. De pé, observada de perfil, as pernas pareciam igualmente ter deslizado nas suas articulações. Os joelhos eram em recurvatum, ou seja, as rótulas pareciam ter recuado, impelindo o joelho para trás.
Françoise Mézières indicou-lhe que se inclinasse para a frente e ela, aparentemente com a maior facilidade, pousou as palmas das mãos estendidas no chão. Até quase podia pousar os cotovelos. Todavia, a rotação interna dos joelhos era impressionante: as rótulas, em vez de se voltarem para a frente, convergiam.
Em seguida, a rapariga deitou-se de costas e Françoise Mézières, auxiliada por dois estagiários empenhou-se em alongar os músculos posteriores, tornando-se necessário um esforço pronunciado para obter uma desrotação dos joelhos. Os adutores estavam encolhidos e duros como cabos de aço. “Detesto pôr-me em fato de banho por causa deste vazio entre as coxas”, confessou a moça.
Quando, por fim, se conseguiu o alongamento dos músculos posteriores e, em resultado disso, a desrotação dos joelhos, verificámos que lhe era impossível alongar pé. A rigidez dos músculos posteriores da perna não o permitia. Deparava-se-nos, por conseguinte, rigidez após rigidez. Onde se encontrava o anunciado excesso de flexibilidade?»

quinta-feira, novembro 30, 2006

Ainda o Pilates

O Pilates é e continua sempre a ser um dos assuntos que mais me interessam e me despertam. Recentemente, várias pessoas têm dirigido comentários acerca dos meus artigos e de certas coisas que defendo. É complexo o assunto de se a coluna deve permanecer neutra ou, então, em retroversão aquando do treino de Pilates. Eu defendo mais a última do que a primeira, apesar de muita da fisioterapia é praticada com a coluna neutra. Quanto à minha defesa de que os fisioterapeutas são os únicos que devem exercer o Pilates, no fundo o que quero dizer é que o Pilates só deve ser “professado” por quem percebe da coisa, por quem é criativo, por quem “chega lá”; isto inclui muitos não fisioterapeutas e, inclusive, exclui vários fisioterapeutas ignotos. Quanto à formação, muitos fisioterapeutas me questionam se as formações de Pilates que têm sido realizadas só para fisioterapeutas são ou não de qualidade. A minha resposta é simplesmente “não sei”, pois nunca realizei qualquer dessas formações. Porém, essas mesmas formações estão ligadas a uma escola muito específica de Pilates (prefiro não dizer o nome, pois não tenho a certeza). E o que os fisioterapeutas (e não só) devem ter em consideração é que há muitas escolas de Pilates (ex.: Pilates Studio, Stott Pilates, Pilates Institute, Power Pilates, etc.). Por favor, informem-se dos princípios por que se rege a vossa escola. Por exemplo, a Stott Pilates é uma escola tradicional que realiza um Pilates com permissão de um nível de esforço e de certas compensações, com as quais eu não concordo (é provável que esses cursos que por aí se estão a fazer correspondam à adaptação à saúde e reabilitação da prática destas escolas). O Pilates Institute, onde realizei a minha formação, é uma escola moderna, em que é controlado o nível de esforço realizado e as compensações não são permitidas em absoluto. É, portanto, uma escola já por si adaptada aos problemas dos indivíduos. Por outro lado, enquanto que no Pilates Institute se defende que a coluna deve permanecer neutra, nas escolas clássicas defendem que a coluna deve permanecer completamente apoiada no colchão (ou seja, em retroversão), e eu defendo este último princípio das escolas clássicas. Há uns dias, falei com a Ana Luís do Pilates Institute e discutimos algumas destas questões. Ela defende que as escolas devem definir bem as suas diferenças, e o instrutor deve afincar bem os princípios da escola em que se formou; ou seja, as fronteiras devem estar bem definidas. Eu não concordei em absoluto, e eu, em especial estou a dar aulas de Pilates, em que misturo princípios de escolas diferentes. Pode ser um erro, mas é uma opção metodológica minha...

Corpo e Consciência (George Courchinoux)

Não podemos falar de reeducação postural, Pilates, assim como trabalho holístico, sem falarmos da sempre impartível ligação corpo-mente. Quem conhece, por exemplo, os paradigmas da relaxação psicossomática e da psicomotricidade, sabe que a esfera corpórea e a esfera mental são perfeitamente indissolúveis. Quem pratica Pilates sabe que a concentração é fundamental para o trabalho resultar. Muitas vezes, não me senti bem nas aulas pelo simples facto de estar ansioso ou a laborar em ruminações obsessivas. Por outro lado, quando completamente concentrado, pude desligar-me do mundo exterior e entregar-me à maravilha da “consciência corporal”.
O método “Corpo e Consciência”, que muitos profissionais de saúde e motricidade desconhecem, é particularmente eficaz nos termos do modelo anteriormente elucidado. O criador do método, George Courchinoux, foi grandemente influenciado pelos princípios do método Mézières (aliás, ele estudou e praticou RPG com o próprio Souchard). Para além disso, era sofrólogo (e para quem não sabe, a sofrologia, criada por Caycedo, corresponde a um método austero de treino fenomenológico de integração da sensação corporal, com abertura plena ao Self, e impressão experiencial no inconsciente), e tinha igualmente conhecimento das medicinas de reorganização energética (neste contexto, os conceitos de Ying e Yang, e o conhecimento dos meridianos, laboraram numa eficacidade metodológica única).
O método “Corpo e Consciência” resulta, portanto, da súmula dos métodos RPG, sofrologia e princípios das medicinas orientais. É fundamentalmente um trabalho de grupo, realizado com fins fundamentalmente (psico)terapêuticos.
O método, também denominado de “Ginástica doce e global”, parte de quatro grandes princípios: equilíbrio e harmonização, conhecimento de si, ajuste postural e reorganização energética. O trabalho desenvolvido é diferente consoante as estações do ano, sendo que varia o conjunto dos alongamentos realizados, assim como as estruturas massajadas e reequilibradas.  

quarta-feira, novembro 29, 2006

Fisioterapia e a “Caixa da Previdência”

Dias bem negros se aproximam dos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas será que serão assim tão negros?... Dias bem complexos irão ser os dos utentes da “Caixa da Previdência”, mas não serão dias necessários?... Questões que vão surgindo na nossa mente, questões sem resposta a curto prazo, mas a que a conjuntura rapidamente responderá num curto termo. Refiro-me fundamentalmente à virtualidade de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia nas clínicas particulares. Refiro-me a essa tão grande transformação, a essa tão grande revolução que parece ser inequivocamente irreversível (e necessária).
Questão: quais são as desvantagens directas e aparentes decorrentes do facto de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia em clínicas privadas? A desvantagem directa prende-se com todos aqueles que necessitam destes cuidados e não têm forma alguma de o pagarem pelos seus meios. O outro grande inconveniente prende-se no futuro profissional dos profissionais de saúde e reabilitação. Que será dos profissionais que trabalham nas clínicas fortemente dependentes do dinheiro das credenciais do Estado?... Provavelmente, muitas cabeças irão rolar...
Questão: quais as vantagens, eventualmente menos aparentes, decorrentes do facto de o Estado deixar de comparticipar a fisioterapia em clínicas privadas? Na verdade, as vantagens são muitas; a realidade é a de que aquilo que parece vir a ocorrer em termos das comparticipações afigura-se como a única solução credível para o desenvolvimento dos serviços de saúde e para colocar termo à iniquidade das clínicas que por aí abundam.
Se a fisioterapia deixa de ser paga pelo Estado, concebe-se que toda aquela parte do povo mais jovem e bem provido financeiramente que usa e abusa das credenciais passe a pagar pela sua saúde. É a lógica absoluta a funcionar: as pessoas pagam pela saúde a que têm direito... tal como acontece no contexto de tantos outros serviços de saúde, de tantos outros países ocidentais. Concebe-se que muitos destes utentes passem a comportar-se como utilizadores responsáveis dos serviços de saúde e como “clientes” que exigem resultados em termos terapêuticos, e não a prossecução infindável de tratamentos sem qualquer eficácia (ou de eficácia efémera).
Por seu lado, as clínicas deixarão de perspectivar os fisioterapeutas (assim como outros profissionais) como trabalhadores manuais que vão servindo a manchete do sistema, fingindo que tratam doentes, quando na realidade estão apenas a “dar de comer a vários porcos e galinhas, que teimam em encher a quinta”. As clínicas terão de apostar na qualidade e não na quantidade. E aí, a inteligência e a capacidade do terapeuta passarão a contar! Aí, passará a haver um verdadeiro clima de necessária competitividade, em termos de qualidade, em termos das diversas clínicas existentes e dos profissionais que lhes dão nome. Aí, a saúde passará a constituir um terreno em que será exigida qualidade, e em que a relação custo-benefício será verdadeiramente levada em linha de conta. E os bons profissionais que necessariamente demarcarão os seus lugares nos serviços competitivos terão, logicamente, de ser reavaliados em termos das suas qualificações e rendimentos.
Só espero que aquela massa de utilizadores do SNS que não tem realmente dinheiro para pagar a fisioterapia possa ter acesso à fisioterapia do Estado, realizada com qualidade e entre-ajuda, nos hospitais e centros de saúde.
E só espero que, de uma vez por todas, este Governo se lembre de apostar nos cuidados preventivos e numa abordagem de cerne comunitário e de perfil preventivo. Já está na hora de apostarmos fortemente nos cuidados primários em centros de saúde.
Nota: texto publicado em Cartas ao Director do Público, dia 03/12/2006

quinta-feira, novembro 09, 2006

Injustiças na vida de um fisioterapeuta

Para o tipo de formação que os fisioterapeutas possuem, não posso deixar de afirmar que a grande maioria dos fisioterapeutas do “mercado” permanece mal empregue no tipo de trabalho que desenvolvem. Pelo o que tenho visto, os fisioterapeutas são maioritariamente a mais bem preparada classe de profissionais para lidar com a problemática do movimento, independentemente de falarmos da inserção dos mesmos num contexto clínico ou desportivo. Certos desportos, se não todos os desportos, poderiam ser ensinados por fisioterapeutas. Mas, na realidade, os mais mal preparados professores de educação física e/ou fitness dão as diversas classes de actividades motrizes, ganhando o dobro ou o triplo do que ganha um fisioterapeuta.
Reparemos no seguinte: como professor de Pilates, ganho cerca de 15 a 20 euros numa hora. Canso menos a minha coluna, esgoto-me muito menos fisicamente. Como fisioterapeuta a dar classes a pessoas com problemas e que precisam de uma atenção muito mais personalizada, ganho no máximo 10 euros (e ganho bem para fisioterapeuta). Em certas clínicas, os fisioterapeutas têm de tratar, por meio do exercício e de actividades funcionais, vários doentes ao mesmo tempo, esgotando o físico e os meandros do raciocínio clínico, sendo que ganham por hora, muitas vezes, só sete ou oito euros. E a tendência é para que os fisioterapeutas ganhem cada vez menos, sejam cada vez menos valorizados como profissionais autónomos e inteligentes, e continuem a ser vistos como “massagistas” e não como profissionais do movimento. Bem me podiam explicar para quê aprender tanta anatomia, tanta biomecânica... tanto esforço realizado no curso base... e tão pouco reconhecimento, tão poucos ganhos, tanta injustiça!
E os fisioterapeutas, ainda assim, permanecem agarrados às suas concepções éticas de um doente na sua “unicidade”, evitando trabalhar em ginásios, dando aulas de Pilates ou outras actividades. Não tenho dúvidas de que consigo acompanhar melhor os meus doentes/clientes das classes através dos seus exercícios do que os múltiplos doentes “individuais” em contexto de clínica particular.
E o que está a acontecer é que cada vez mais os professores de educação física e os instrutores de fitness se agarram ao trabalho grupal com um fim propedêutico e terapêutico, enquanto que os terapeutas permanecem no seu trabalho clínico falsamente personalizado. Será que há assim tantas diferenças entre um personal training de Pilates de um instrutor e um tratamento individualizado clássico de fisioterapia para a coluna (subentendendo que o Pilates lá está presente não como fitness mas como método de “tratamento”)? Apenas que no primeiro caso o "cliente" nos paga bem caro e não se queixa, enquanto que no segundo caso o "doente" nos paga bem menos (isto na sorte de ser um doente particular) e tem sempre tendência para se queixar.
As pessoas gostam de se sentir treinadas, não tratadas. Tratamentos é com o osteopata, que isso é que está na moda! Fisioterapia são os calores húmidos e as massagens que aquelas “meninas” dão aos velhos. Pilates é uma “ginástica”, não é fisioterapia.
Tantas ilusões, meras particularidades semânticas e psicologistas!
Os fisioterapeutas só vão conseguir progredir por meio de uma verdadeira “revolução” das mentes dos utilizadores tanto dos serviços de saúde como do fitness. E eis que surge a necessidade de impormos a nossa actividade no seio dos ambientes desportivos, como professores de Pilates, de stretching, de relaxamento psicossomático, e de outras actividades que não entendo como ginástica, mas mais como antiginástica, ao jeito formoso de Bertherat.
Faça-se justiça às nossas formações e às nossas capacidades. Lutemos contra os conflitos de interesse e mostremos que os fisioterapeutas são os profissionais mais capazes para o domínio do trabalho da motricidade aplicada à saúde. Não continuemos a permitir que qualquer instrutor, senão mesmo aquele sujeito que tirou um curso qualquer de fitness à candonga sem possuir um curso superior na área da saúde + motricidade, nos tire o lugar que seria muito mais lógico ser nosso. Não continuemos a ser estúpidos e a pensar que a fisioterapia só se realiza na marquesa da clínica ou hospital. Essa “fisioterapia”, a avaliar pela forma como as coisas estão a andar, tem os dias contados!... Rogo para que conquisteis o mercado "desportivo", lutando contra o clássico conceito de fitness e impondo a nossa visão reeducativa como a grande panaceia de trabalho (psico)físico.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Síndroma da Deficiência Postural


Sabemos todos que existe uma certa tendência para que, numa fase mais ou menos precisa da vida pública nacional, uma certa maleita sofra de um processo de inflação galopante e mediática. É indubitável que o Síndroma da Deficiência Postural, considerada como causa de 10% das dificuldades de aprendizagem em idade escolar, constitui um exemplo de um certo efeito de moda.
Não quero com isto dizer que devamos desvalorizar a relação simbiótica entre corpo e mente que a psicomotricidade e a psico-neurologia muito especificamente têm relevado. Mas, por vezes, exagera-se no cômputo de determinadas perturbações.
Ainda assim, não há dúvidas de que muitos dos problemas de aprendizagem, incluindo a dislexia de desenvolvimento, têm origem numa deformação do esquema corporal, aliás um défice do sistema proprioceptivo. E se a postura está tão dependente do trabalho do sistema nervoso, não podemos negligenciar o papel dos receptores da sensação corporal. No Síndroma da Deficiência Postural, parece haver sempre algum género de perturbação do sistema proprioceptivo, criador de problemas de ordem cerebral, os quais se relacionam com as disfunções cognitivas relacionadas aos problemas de aprendizagem.
O diagnóstico “Síndroma da Deficiência Postural”, associado à escola de Lisboa e ao nome do fisiatra Martins da Cunha é caracterizado por uma série de factores cognitivos. Segundo Alves da Silva, são eles os seguintes: 1) défice de convergência tónica, 2) presença de escotomas, 3) alterações de memória, 4) problemas de concentração, 5) problemas de interpretação, 6) hiperactividade, 7) presença de erros de localização espacial, 8) perda de auto-estima, 9) perturbações de processamento do texto e 10) défice de percepção auditiva.
Os critérios gerais de diagnóstico de Síndroma da Deficiência Postural incluem: a) sintomas cardinais – dor (especificamente raquialgias); perturbações do equilíbrio; alterações da percepção visual; perturbações da somatognósia; b) uma semiologia física característica, podendo incluir: assimetria facial, adopção de uma direcção preferencial do olhar com insuficiência da convergência tónica ocular, e adopção de uma atitude postural cifoescoliótica estereotipada assimétrica, com rotação axial e apoio privilegiado sobre um pé.
O tratamento passa por medidas que envolvem a mudança da mochila, a utilização de calçado apropriado que permita o máximo contacto do pé com o solo, a utilização de vestuário largo, a utilização de mobiliário escolar apropriado que permita a manutenção do equilíbrio das cadeias musculares e a utilização de um colchão apropriado, mas sobretudo pela utilização de lentes prismáticas posturais, pela reprogramação postural (incluindo o trabalho proprioceptivo, as técnicas de consciencialização corporal, a reeducação postural por meio do alongamento global e integração de sensações, e a utilização de palmilhas de reprogramação postural) e a utilização de técnicas psicopedagógicas específicas e adaptadas às dificuldades existentes.
Reparemos que a boa saúde do sistema proprioceptivo está dependente do bom equilíbrio existente entre as cadeias musculares, ou seja, da existência e promoção de uma “morfologia perfeita” (Mézières). O relaxamento muscular é também um dos grandes epítomes de intervenção no respeitante às estratégias de reprogramação postural.
O Síndroma da Deficiência Postural vem mais uma vez lembrar-nos a importância do sistema neurológico nas questões da postura. Ao contrário do que alguns pensam, também os métodos de reeducação postural centrados no alongamento têm como objecto fundamental a integração de um novo esquema corporal, a integração proprioceptiva. Aliás, mesmo no Pilates costuma-se dizer que o mais importante é o conjunto das “sensações” que podemos propiciar aos indivíduos. A anti-ginástica de Bertherat e o método de Courchinoux são igualmente exímios neste tipo de trabalho, aliás modelos do trabalho de integração proprioceptiva.Com tantos recursos existentes na fisioterapia menos convencional, é incrível como a maioria dos casos de Síndroma da Deficiência Postural não passem pelos fisioterapeutas, sendo que, muitas vezes, as actividades de reprogramação postural são realizadas por educadores, entre outros profissionais com uma formação pouca expressiva em termos de métodos psico-corporais.

Le corps a ses raisons

"Dê saúde ao seu corpo: a saúde pela antiginástica" é o infeliz título em português da obra de Bertherat "Le corps a ses raisons". Nesta obra, Thérèse Bertherat explana o fundamental sobre o método Mézières, incluindo a sua descoberta do método e os principais princípios do mesmo. "Le corps a ses raisons" vendeu milhões de cópias a nível mundial e terá sido provavelmente a mais conseguida acção de divulgação do método Mézières. Infelizmente, os princípios mézièristas ainda não vingaram completamente e são pouco conhecidos mesmo entre os fisioterapeutas. Daí que seja tão triste a obra de Bertherat estar simplesmente esquecida; e ainda mais triste é ter comprado a respectiva relíquia em português por apenas dois euros, através de um site de livros usados. Como seria bom divulgar esta obra, dá-la a conhecer aos diversos fisioterapeutas que por aí abundam...

sábado, outubro 28, 2006

Stretching Global Activo

O Stretching Global Activo é a consequência mais óbvia do RPG. Se o indivíduo na sua unicidade é apanágio do método Mézières, o RPG já tinha a tendência para se fixar em posturas determinadas e regras de certo especificadas. A evolução do método para o trabalho grupal de posturas era óbvio, até porque já várias outras pessoas tinham feito passagem semelhante (ex. anti-ginástica de Bertherat... um dia destes, escrevo um artigo sobre o método).


















O sempre belo RPG (Reeducação Postural Global)






rã no ar (abertura ou fecho de braços)


















postura sentada






rã no chão (abertura ou fecho de braços)










De pé, inclinado à frente (bailarina)



Resumamos as coisas da seguinte maneira: o RPG de Souchard pouco acrescenta ao Mézières em termos de filosofia de intervenção. De certa maneira, até tira uma certa "personalidade" e autonomia ao método, pois torna tudo muito mais regrado e ajustado a grupos.
O RPG é a vertente comercial de Mézières. Até as suas posturas são mais comerciais e politicamente correctas: são todas feitas com extremo alinhamento raquidiano. Nem sempre esse alinhamento é vantajoso...

As posturas GDS

"A estrutura governa a função e submete o psiquismo"
Godelieve Denys-Struyf, in "Cadeias musculares e articulares"
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Quem já ouviu falar de Godelieve Denys-Struyf? Provavelmente poucas pessoas. Esta retratista e fisioterapeuta francesa estudou e escreveu sobre o método Mézières e, mais tarde, concebeu uma visão ainda mais apurada da postura, da morfologia e dos traços psicológicos e personalísticos associados a cada estrutura postural (morfopsicologia). O método GDS não é tanto um método de tratamento; é mais uma visão avaliativa e integrativa única que vê o sujeito e a sua morfologia de uma forma verdadeiramente holística (e aqui a utilização desta palavra não é gratuita). As 5, aliás 6 estruturas concebidas por Godelieve devem ser vistas como modelos e também de forma integrativa. Cada uma encarna um "modo de ser", um "modo de estar", um "modo de funcionar", um padrão de activação psiconeurológica e uma gestalt única de conflitos inconscientes, no sentido verdadeiramente psicanalítico do termo.








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De seguida, reproduzo um texto, adiantando uma espécie de pré-publicação de algo que provavelmente virá a sair numa revista

Cadeias musculares e articulares. O método de Godelieve Denys-Struyf

Desde tempos arcaicos, nomeadamente desde os tempos da pólis grega, registou-se sempre um esforço constante pelo estabelecimento de tipos corporais e temperamentais. A concepção de Hipócrates assentava na existência de “humores” fundamentais – de que falariam mais tarde os médicos de Molière –, os quais eram o sangue (tipo sanguíneo), a linfa (tipo linfático ou fleumático), a bílis (tipo bilioso ou colérico) e a bílis negra (tipo melancólico).
A morfologia viria a estabelecer-se como ciência apenas por volta dos finais do século XIX, pela mão de diversos nomes como o de Sigaud, Mac Auliffe, Pende e Viola. Mas os dois grandes senhores da ciência da tipologia morfológica viriam a ser Kretschmer e Sheldon. Do primeiro sai uma classificação resultante nos tipos pícnico (pequeno e cheio; expansivo, alegre e realista), leptosómico (alto e magro; reservado, frio e meditativo), atlético (impulsivo e colérico) e displásico (mal desenvolvido e/ou com anomalias; dono de sentimentos de inferioridade), enquanto que do segundo sai a clássica classificação tripartida de endomorfismo, ectomorfismo e mesomorfismo.
Aparte a óbvia limitação das citadas classificações, principalmente enquanto modelos teoréticos da personalidade, muitas das teorias supracitadas contribuíram para a edificação de uma forma de ver o corpo como estrutura indissociável da mente. Assim sendo, o conceito de morfopsicologia tem precisamente o seu sentido no facto de muitos dos nossos temperamentos estarem estritamente ligados a caracteres de índole física.
Cabe ter em conta que a postura corporal está dependente de um número incomensurável de factores, nomeadamente factores ósseos e hereditários, o equilíbrio das cadeias musculares, factores de ordem psiconeurológica, assim como certos traços de personalidade e características do self.
Qualquer tentativa de perceber, avaliar e/ou moldar a postura de um indivíduo passa pela necessária perspectivação multifactorial dessa mesma atitude postural. Uma visão redutora leva, portanto, a resultados terapêuticos insignificantes. E as visões redutoras são inúmeras: o modelo médico encara a postura como um conjunto de caracteres ósseos irredutíveis, o modelo da posturologia pensa fundamentalmente na sensação corporal ou proprioceptividade, o método Mézières e a Reeducação Postural Global pensam sobretudo no modelo do equilíbrio das cadeias musculares, e outros métodos, como o Pilates, delongam-se no trabalho muscular profundo.
Uma visão verdadeiramente holística da postura corporal passa pelo necessário conhecimento dos diversos modelos de intervenção. Para além disso, não pode esquecer o papel dos factores psicológicos ou, melhor dizendo, psicossomáticos.
Neste contexto, uma retratista e fisioterapeuta bastante desconhecida dos cânones terapêuticos e académicos nacionais foi especialmente previdente no sentido de compreender a postura nas suas múltiplas variantes. Esta fisioterapeuta não criou sequer um tipo específico de intervenção. O seu método é mais uma forma global de ver a postura. Refiro-me ao método de Godelieve Denys-Struyf (GDS).
Apesar de valorizar a unicidade própria da idiossincrasia postural de cada pessoa, Godelieve Denys-Struyf não deixou de conceber uma classificação de estruturas psico-corporais, à luz de uma teoria de arquétipos. Ela concebeu a existência de cinco estruturas, uma dupla, portanto seis estruturas posturais, as quais dependeriam da cadeia muscular mais solicitada (posturas PM, AM, PA-AP, AL e PL).
A postura PM (póstero-mediana) é, provavelmente, uma das mais modelares estruturas posturais patológicas. Nesta estrutura, o equilíbrio adoptado impele o corpo para a frente, sendo que é a actividade dos músculos posteriores que garante a sustentação da atitude. É observável em todas aquelas pessoas que aparentam possuir umas costas bem esticadas, uma lordose geral facilmente verificável. É muito comum entre os atletas e os instrutores de fitness, os quais chegam a pensar que esta é uma postura louvável. Esta postura pode resultar de uma motivação e de uma escolha, sendo característica das pessoas que desejam possuir um grande controlo sobre a sua vida e a dos outros; é, no fundo, uma postura de combate defensivo, que favorece a ideação e a acção. O seu tratamento depende muito mais do que a inibição do seu padrão neuromuscular característico; eventualmente, na tentativa de contrariar a postura defensiva da pessoa, esta reage com ainda mais tensão, pois, no fundo, é a sua própria identidade que está em jogo. A solução parece estar na regularização das tensões, na modelagem. A musculação, algum Pilates e algum Yoga poderão agravar esta estrutura particular.
A postura AM (ântero-mediana) resulta da actividade dos grupos musculares anteriores, os quais garantem o suporte de um desequilíbrio para trás. Esta postura é extremamente característica, sendo que conjuga a hiperlordose lombar (excessivo arqueamento da coluna lombar) com uma compensatória hipercifose dorsal (inclinação anterior do tórax). As pessoas com a postura AM estruturada tendem a viver na espera, limitado o imprevisível. Se a postura é resultado de uma imposição, então ela releva de um problema de auto-estima, uma dificuldade na relação com o exterior, uma tendência ao fechamento e uma atitude de derrota. As opções terapêuticas variam consoante a natureza causativa da postura: a postura pode ser o resultado de uma “personalidade constitucional profunda e realizada”, pode resultar de uma “personalidade relacional ou de fachada” ou então pode ser o resultado de uma “personalidade adquirida mal vivida, em dificuldade”.
A dupla estrutura PA-AP (póstero-anterior – ântero-posterior) é aquela que mais se aproxima da estrutura de músculos profundos e anti-gravíticos, contribuindo, portanto, para a manutenção de determinado alinhamento vertebral e determinado padrão de achatamento articular. Esse achatamento é mínimo se existir um bom equilíbrio corporal. Por outro lado, se existir um fraco equilíbrio, criar-se-á um padrão específico de trabalho muscular profundo exagerado e desinibido, de modo a contrariar a tendência para a queda, criador de tensões e diminuidor da mobilidade articular. Uma atitude PA-AP não forçada, correcta, alinhada, rigorosa e, no entanto, flexível e agradável, constitui o padrão ideal, estando associado às personalidades mais flexíveis e assertivas. Em especial, a estrutura AP constitui uma espécie de estrela central de todas as outras estruturas, o eixo de todas as personalidades, representando uma personalidade lançada para a maturidade, para a liberdade responsável e consciente. A postura AP é aquela que precisa mais de ser preservada, pois é o padrão que permite a acção e a busca práxica da realização; é a estrutura que busca o devir, permitindo o confronto das forças depressivas da morte. A ginástica, o desporto em geral, a dança e as artes marciais, realizados num espírito lúdico e despreocupado, permitem o desabrochar da AP. Mas o seu desenvolvimento está também dependente do acolhimento da mãe AM, do apoio do pai PM e do suporte celestial PA.
Restam as estruturas secundárias AL (ântero-lateral) e PL (póstero-lateral), vistas nos planos frontal e horizontal (as cadeias mais dinâmicas e relacionais, semelhantes às cadeias cruzadas de Leopold Busquet). A primeira associa-se ao fechamento e à retracção, ao medo e à introversão. Já a segunda associa-se a um outro tipo de tensão, mais posterior, mas permite a abertura, a expansão e a extroversão (é este o tipo de cadeia que é mais trabalhada nas extensões, aberturas e torções do Yoga). Possivelmente, estas duas estruturas interagem no mesmo corpo; AL relacionada com a dominância do membro superior direito e PL relacionada com o apoio no membro inferior esquerdo (isto, claro, para os indivíduos destros). A dinâmica destas estruturas importa à compreensão de todas as assimetrias corporais, assim como das escolioses (desvio lateral da coluna vertebral).
Estas estruturas pertencem ao eixo horizontal, um eixo relacional, enquanto que as anteriores pertenciam ao eixo vertical da personalidade.
O trabalho global das “cadeias musculares e articulares” GDS impõe a sempre impartível relação do terapeuta com o doente e deste com o seu próprio corpo. O trabalho terapêutico deve partir da sempre necessária consciencialização da estrutura, de modo a perceber o seu dinamismo e a inverter alguns dos aspectos que caracterizam a sua patologia. E nunca devemos esquecer que todo o indivíduo é irredutível a uma tipologia, resultando o seu padrão postural e comportamental de uma combinação muito própria de elementos das diversas estruturas tratadas.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Dificuldades na pesquisa e investigação

É indubitável que o desenvolvimento da fisioterapia está dependente do desenvolvimento da investigação. E esta assenta na livre pesquisa e na facilitação do acesso às fontes bibliográficas. É incrível como, por vezes, é difícil executar uma simples pesquisa de um artigo simples. Mas mais incrível é encontrarmos tanta investigação inútil, perdida nas bibliotecas de escolas e universidades, no formato de monografias ou teses de pós-graduação.
Porquê “informação inútil”? Porque toda a investigação não publicada é investigação desconhecida e não oficializada. E quase todas as monografias e teses permanecem por publicar, e isto se as mesmas contém estudos verdadeiramente concluídos.
Recentemente surgiu uma necessidade fundamental de obter um instrumento de avaliação das dores lombares, o “Oswestry Disability Index”. Através de pesquisa, percebi que o questionário tinha sido adaptado à realidade portuguesa através de uma monografia de final de curso da Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Como esta escola é para mim uma espécie de “mãe educativa”, visto que foi lá que me formei, dirigi-me em direcção à escola e à biblioteca. Mas rapidamente percebi que, como antigo aluno, tenho o mesmo estatuto que qualquer outra pessoa que nunca tenha estado na escola. Ou seja, tive de pagar uma taxa de utilização da biblioteca como “utilizador externo”.
“Utilizador externo” é uma fraca designação a quem tanto pagou e estudou na referida instituição... instituição que deixa os alunos largados à sua sorte, sem qualquer apoio no que concerne às pesquisas. E eu que pensava que a formação contínua incluía a pesquisa mantida ao longo da vida. Seria de esperar que a “minha” escola me apoiasse nesse processo, mas parece que “antigo aluno” não tem de ser apoiado.
Mas a história não fica por aqui. Quando solicitada a monografia, recebi a informação de que a mesma não podia ser fotocopiada. Só podíamos fotocopiar o resumo, o índice e a bibliografia. Mas que raio de regra tão imbecil! E se eu quiser orientar a minha pesquisa a partir dos passos da outra pessoa? E se eu quiser obter os dados metodológicos do outro indivíduo? E se eu precisar de fotocopiar um instrumento de modo a utilizá-lo mais tarde com determinada população? Sei que hei-de necessitar de obter autorização para utilizar o referido instrumento, apesar de não concordar com tal, pois, para mim, a partir do momento em que determinado instrumento de estudo foi validado, e a partir do momento em que o mesmo existe ele passa a pertencer ao “conhecimento global e objectivo”, sendo que não é pertença de outra pessoa. Por que havemos de temer a utilização livre dos nossos instrumentos? Mesmo que autorizada a sua utilização, ela não será efectuada necessariamente com cuidado e ética...
Por todas estas razões, fotocopiei o referido instrumento, nem que seja para que possa basear-me nele para construir algo meu, evitando obviamente qualquer tipo de plágio. Quando a responsável pela biblioteca reparou em tal acto, disse que não podia levar tais folhas. Eis que, quando tive oportunidade, peguei nas folhas – todas elas – e fui pagar as fotocópias. Surripiei-as sim. Roubei-as, não, pois paguei-as. Quando a responsável pela biblioteca veio atrás de mim para obter as folhas, não a deixei fazer tal coisa e disse que se quisesse chamasse a polícia. Coisa ridícula de se fazer, claro!... E claro que não me considero criminoso. Tudo isto poderia ter sido evitado até porque a pessoa que validou o questionário (consegui obter o contacto dela através da APF) acedeu em colaborar. Mas digo uma verdade. Se não acedesse em colaborar, utilizaria o instrumento à mesma. Referia a autora da validação e tudo o mais, mas não deixaria de utilizar o questionário...

domingo, outubro 22, 2006

Rolfing

A reeducação postural não é só feita de treino de posturas:
O método de Ida Rolf

Método manipulativo, centrado no alongamento por massagem e manipulação das estruturas miofasciais hipertónicas, principalmente aquelas que compreendem a cadeia posterior.
O objectivo é a obtenção de equilíbrio muscular, simetria, harmonia e consciencialização corporal.




As cadeias musculares

A cadeia posterior

A cadeia posterior de músculos é o ponto de partida para a abordagem em todos os métodos de reeducação postural. Como ficou bem expresso pelo método Mézières, tudo é compensação lordótica e todas as deformidades se inscrevem na cadeia de músculos hipertónicos da região posterior do corpo. Na obra de Busquet, este autor especificou a importância da cadeia no seu lado mais fascial e menos muscular propriamente dito.

A cadeia anterior e respiratória


A cadeia anterior, incluindo a sinergia diafragma + músculos inspiratórios acessórios e a sinergia diafragma + psoas (ambas lordosantes), deve ser vista fundamentalmente como sinérgica da cadeia posterior. Certas abordagens como o método Rolfing e os Trilhos anatómicos têm dado mais autonomia a esta cadeia no sentido da explicação de deformidades, assim como têm falado da existência de muitas outras cadeias musculares. Mas parece-me que não vale a pena complicar as coisas e que tal só deriva de falsa intelectualidade. Fiquemos pela parcimónia. Fiquemo-nos pela ideia de que tudo não passa de compensação lordótica e que tudo o resto é somente deformação secundária ou preciosismo muscular.

Daí a intervenção deve partir sobretudo das posturas anti-lordóticas em expiração prolongada. Posturas de alongamento cruzado, como utilizadas no Yoga, provocam mais compensações do que corrigem. E é falsa a ideia de que nos devemos centrar no alongamento anterior para corrigir cifoses. Mais importante é o trabalho expiratório, associado à deslordose.

Em toda a actividade muscular centrada e profunda, como no Pilates, deve ser tido em conta um trabalho muito específico, sem compensações. À partida "fazer abdominais" deve passar somente pelo trabalho postural e respiratório. Tudo o mais tende a ser compensação, esforço lordosante.

Tipos posturais

Formação em Mézières

O método mãe de todos os métodos de reeducação postural.
Imagens da formação a decorrer desde Março de 2006 em Cidadela Arco-Íris, Abrigada, Alenquer:





















O método mézières assenta em três grandes princípios: deslordose, desrotação e desbloqueio diafragmático.

São os princípios base de muitos outros métodos que a partir deste se formaram: anti-ginástica de Bertherat, "Corpo e Consciência" de Courchinaux, "Cadeias musculares e articulares" de Godelieve Denys-Struyf, Reeducação Postural Global e Stretching Global Activo de Ph-E Souchard e "Cadeias musculares" de Busquet.

E não há dúvidas de que o método Mézières apresenta imensas semelhanças com os diversos métodos de relaxamento, e até com a técnica de Rolfing, a técnica de Alexander e o método de Feldenkrais.

Mais informações: mezieres@yahoogrupos.com.br

O órgão antes da função

É cada vez mais difícil precisar a qualidade de formação dos futuros fisioterapeutas obtida nas diferentes escolas que por aí proliferam. Parece-me que, com a implementação do processo de Bolonha, os cursos vão sofrendo progressivamente cortes nos seus conteúdos e na exigência de formação. Um dos mais insuportáveis cortes efectuados ao nível dos programas de cursos está relacionado com a formação em reeducação postural. A grande maioria dos actuais fisioterapeutas não tem formação base em qualquer método de reeducação postural, e os poucos que têm algum género de formação não chegam a perceber bem em que consistem tais métodos.
Nem mesmo eu percebi bem do que tratava verdadeiramente o RPG quando o decano da fisioterapia João Vasconcelos Martins nos ensinou os seus princípios e as suas posturas, na minha formação na Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Mas a curiosidade e a paixão ficaram...
Mais tarde, depois de um percurso mais ou menos sinuoso nos meandros do mundo da fisioterapia, a minha experiência profissional levou-me a abraçar os princípios dos métodos reeducativos. E percebi bem que a fisioterapia, mais do que a "ciência do movimento", deve ser uma "ciência da estrutura", uma "ciência da morfologia", uma "ciência da postura". Não deixa de ser verdade que a função faz o órgão. Mas a função desajustada só poderá produzir um órgão ainda mais desajustado. É o órgão que organiza a função. É a postura que comanda o movimento. É a correcção morfológica que permite o bom funcionamento das estruturas.

sábado, outubro 14, 2006

Um conselho sobre a formação em Pilates


Apesar de não constituir um método de reeducação postural por excelência, o método Pilates apresenta-se como um sistema de treino/tratamento bastante eficaz, principalmente em termos da consciência corporal, equilíbrio e fortalecimento abdominal profundo. Este texto serve apenas para dizer que a formação em Pilates deverá ser considerada pelos fisioterapeutas como de grande importância. Cada vez mais as pessoas procuram o Pilates de modo a obterem tratamento e compensação para os seus problemas de coluna. E, geralmente, os professores que apanham são meros instrutores de fitness, sem formação em saúde, e muitas vezes sem formação superior na área da motricidade. Um simples instrutor com um curso profissional de musculação pode fazer um curso de Pilates e tornar-se instrutor. Será legítimo que as pessoas com problemas sejam acompanhadas por este tipo de "profissionais"?... Será legítimo que estes mesmos "profissionais" sejam vistos como professores especializados, enquanto que os superformados fisioterapeutas são vistos meramente como os senhores das mãozinhas? Penso que tal é especialmente injusto, principalmente porque não há profissionais mais bem formados para lidar com a postura e o movimento do que os fisioterapeutas. Defendo, portanto, que deverá ser a classe dos terapeutas aquela que deve pegar nas classes (assim como no trabalho individualizado) de Pilates.
No domínio da própria prática de Pilates, apenas será saudável a prática de um Pilates seguro e adaptado aos problemas dos indivíduos. Refiro-me a um Pilates doce, apostado no trabalho localizado, sem criação de compensações, e com respeito pelos princípios mézièristas de prevenção das lordoses. Ora, tal só será conseguido mediante a formação numa escola moderna (o Pilates Institute é um excelente exemplo). As escolas clássicas de Pilates prendem-se numa prática muito agressiva, criadora de compensações e geradora de lesões.
Recomendo a visita do site www.pilatesinstitute.org ou a realização de formações de Pilates adaptado a fisioterapeutas.


segunda-feira, setembro 25, 2006

Medicinas não convencionais: o complexo de Jesus Cristo

É bem provável que nos tempos próximos, dados ao manifesto crescente de um constructo de conhecimentos acerca dos princípios éticos, de gestão e organização dos serviços de saúde, a sociologia da saúde venha a conhecer um desenvolvimento notável, muito maior do que aquele que tem vindo a relevar-se nas últimas décadas. A questão das hierarquias e dos poderes, da distribuição mais ou menos equitativa dos recursos, dos conflitos de poder e das lutas variadas pela autonomia profissional, marcam o processo normal do funcionamento das organizações de saúde, em geral, e hospitalares, em particular.
Por uma questão de receio social de certas autoridades, as questões relativas à delegação de poderes e responsabilidades em saúde têm conhecido polémicas e contendas acentuadas, apesar de nem sempre reconhecíveis pelo mundo dos leigos da matéria. Em especial, o conflito ideológico existente entre medicinas convencionais e medicinas tradicionais tem marcado lugar na cena social, muito mais do que as disputas entre médicos e outros profissionais de saúde como enfermeiros e fisioterapeutas.
Uma possível jornada pelo mundo específico das medicinas não convencionais só poderá provocar no profissional consciente e reflexivo a maior de todas as angústias. Recentemente, a exposição “Viver Saúde” da Feira Internacional de Lisboa permitiu a muitos curiosos a visita a postos de divulgação das práticas terapêuticas menos convencionais. Nesta mesma exposição ou feira estavam presentes representantes de práticas como a fitoterapia, a acupunctura, a medicina tradicional chinesa, a osteopatia, a massagem desportiva, a quiroprática e a homeopatia. Em diversos stands, podíamos ter acesso a informações diversas acerca da prática dessas diferentes medicinas. Mas estas mesmas informações e actos de divulgação só poderão mesmo levar o curioso à intranquilidade de espírito, principalmente se se trata de um profissional de saúde, cuja formação é altamente do tipo Evidence Based Practice.
Acontece que estas mesmas medicinas não convencionais encontram-se incluídas numa miscelânea de métodos e técnicas com filosofias muito dissemelhantes, histórias muito próprias, e diferentes níveis de seriedade, o que pode deturpar a realidade de quem observa de fora o funcionamento destas práxis clínicas. Por exemplo, o nível de seriedade da osteopatia pode ser comparável ao nível de seriedade da fitoterapia, mas está muito para além do nível de seriedade da homeopatia e de um número interminável de pseudo-métodos. E para complicar ainda mais as coisas, é possível atender ao facto de que não há uma osteopatia, há várias osteopatias, várias escolas de osteopatia. E há também diferentes escolas de Yoga, Tai-chi e quiroprática: umas mais sérias e científicas e outras menos sérias e idóneas. No fim, pagam os justos pelos pecadores e restamos nós os confusos.
Não me restam dúvidas de que há algo de interessante para se perceber e estudar em diversos métodos de intervenção. Algumas escolas de osteopatia possuem realmente certas técnicas de tratamento do sistema somático particularmente interessantes. Pena é que essas mesmas técnicas continuem por explorar, em termos científicos. Por outro lado, não pode ser ignorado o facto de os osteopatas serem, regra geral, profissionais de fraca formação académica, para além de manterem o espírito assombrado pela sensação de inferioridade face aos fisioterapeutas no que respeita à aceitação oficial por parte do Serviço Nacional de Saúde. Também a quiroprática possui algo de interessante em termos das suas técnicas de intervenção; porém, ainda não conseguiram especificar cientificamente de que forma é que é possível modificar os estados de corpo através da manipulação do sistema nervoso. Igualmente a acupunctura necessita de traduzir para uma linguagem científica toda aquela nomenclatura de pontos acupuncturais e de meridianos nervosos. Não entendo como ainda não o fizeram, tendo em conta a oficial aceitação da existência de um complexo sistema nervoso que nos integra.
E assim poderia continuar eternamente a especificar que aquilo que falta às medicinas não convencionais é precisamente o escrutínio científico. Até agora, os profissionais das medicinas não convencionais só têm conseguido passar um discurso do tipo “banha da cobra”. Parecem-se com autênticos charlatões, confundem-se com eles e chegam mesmo a sê-lo. Por outro lado, este mesmo discurso de nível esotérico parece resultar às mil maravilhas com as pessoas, principalmente todas aquelas que permanecem desiludidas com as medicinas ditas ortodoxas. Referimo-nos a um efeito psicológico e de placebo que acaba por ser de especial valia para que estas mesmas terapias surtam resultados.
No meio de todas estas terapêuticas, as que mais dificilmente se aceitam são aquelas que estão ligadas à Medicina Tradicional Chinesa. É difícil levar a sério um discurso tão obsessivamente dominado por “energias”, “chakras” e “auras”; um discurso puramente maniqueísta, dominado pela barganha da conversa das forças do “bem” e do “mal”. E pior ainda é conseguir dominar o elevadíssimo número de terapias e métodos que vão surgindo e dominando as mentes daqueles que não resistem à perversidade do marketing. Temos o Shiatsu, a massagem Tuina, as pedras quentes e as pedras frias, os magnetismos, a acupunctura sem agulhas, o Tai-chi, o Chi Kung, e, ainda mais incrível, as terapias de vidas passadas, a cristaloterapia, e outras “rodas da fortuna”.
E tudo isto surge envolto numa aura de sensações, numa rodilha de bem-estar permanente, acompanhado da promessa de intervenção verdadeiramente holística (e todas se dizem melhores e mais holísticas do que as outras), e num espírito de prazer constante. E quando vão os proponentes destas terapias perceber que o verdadeiro crescimento espiritual passa por formas legítimas e obrigatórias de sofrimento? E que o sofrimento é necessário ao crescimento? E que o crescimento depende de uma consciencialização lenta, para a qual estas terapias só poderão dar um parco contributo? Quando vão as pessoas perceber que o mais importante no “efeito placebo” não é o conteúdo da própria terapia, mas sim a qualidade da relação que estabelecem com o profissional? E que a qualidade dessa relação depende da honestidade intelectual?...
Em suma, ao invés de se apresentarem como a panaceia absoluta para todos os males, como a cura magnífica, virá o tempo em que os sérios utilizadores destas terapias serão capazes de assumir que não são milagreiros e que não têm de mexer com tudo, que eventualmente só conseguem mexer com uma parte da pessoa. E que têm de existir obrigatoriamente diferentes paradigmas de intervenção, e que estes têm de ser necessariamente limitativos a determinada dimensão do ser humano. Virá o tempo em que assumiremos que a necessidade de sermos um pouco de tudo, sem limites paradigmáticos, advém de uma desordem interior, de uma necessidade de preenchimento de uma insegurança primária. Virá o tempo em que a lei da parcimónia nos fará ver que muitas das terapias existentes divergem em pouco mais do que a nomenclatura e certos aspectos teoréticos irrelevantes.
Cabe ao profissional sério assumir aos outros e a ele mesmo que é apenas um homem e que não mexe com nada que ultrapasse a própria pessoa. E que não a curará, apenas a apoiará nesse caminho sempre incompleto. E que, enfim, Jesus Cristo já só existe nas nossas cabeças.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Para o caso de alguém me querer contactar, o meu número de telemóvel é o 963304478. Dou o número, pois, por vezes, há por aí alguém que queira discutir algum assunto ou conhecer algum sistema de intervenção. Mas, sobretudo, o mais importante é a criação de empatias.

domingo, setembro 10, 2006

Mais uma vez o dia mundial da fisioterapia passou sem que existisse qualquer anúncio significativo da sua existência. Por outro lado, fiquei contente com a publicação do meu artigo sobre métodos de Reeducação Postural na revista Saúde Actual. Esperaria ter algum tipo de colaboração mais permanente. É desesperante a ausência de fisioterapeutas a escreverem para revistas de saúde mais ou menos especializadas. Não sei se é por medo, se falta a auto-estima aos nossos profissionais. Por outro lado, a minha compulsão para a escrita e a publicação não deixa de derivar de uma espécie de "desordem interior", uma cabal obsessão. Actualmente, ando com vontade de desenvolver projectos de investigação acerca de várias temáticas: levantamento dos conhecimentos acerca dos métodos de reeducação postural e necessidades de formação nesta área é um exemplo entre muitos dos que poderão ser prosseguidos. Se algum aluno do último ano de fisioterapia quisesse seguir tal projecto, tal seria brilhante para mim no sentido de poder desempenhar o meu papel de orientador específico.

sábado, setembro 09, 2006

Oito de Setembro: dia mundial da Fisioterapia

Dentro desse prolífico mundo que é o sistema de saúde, a questão relativa aos cuidados de fisioterapia e reabilitação física em geral tem sido permanentemente negligenciada. Agora que se celebra o dia mundial da Fisioterapia, um dia em que diversos profissionais da reabilitação e até mesmo doentes desenvolvem uma série de actividades de divulgação da prática, surge a excelente oportunidade para traçar o perfil de um tipo eterna e progressivamente desprezado de cuidados.
A Fisioterapia constitui muito mais do que uma simples actividade profissional. É a arte do tratamento por meios fundamentalmente naturais. E é uma ciência da postura e da motricidade, fonte inegável de conhecimentos da fisiologia do aparelho locomotor.
Por ter em conta as necessidades pessoais de cada doente em particular, assim como uma visão holística e bio-psico-social do utente, a fisioterapia não é, em termos da sua filosofia basilar de tratamento, muito diferente das medicinas menos convencionais como a osteopatia ou a quiroprática. Entre as diversas “medicinas físicas” vigoram diferenças relacionadas mais com o significante do que com o significado, no sentido da apresentação mais ou menos comercial ou mais ou menos esotérica das diferentes práticas. Na prática propriamente dita, nos seus ditames conteudísticos, as diferenças entre os dissemelhantes cuidados citados são pequenas, talvez com a diferença primária centrada nos aspectos históricos e com as distintas práticas e atitudes relativas à investigação.
Por ser de natureza holística, e pelo facto de o corpo constituir um ente indivisível em si mesmo e com a mente, a prática da fisioterapia não pode ser realizada por partes ou divisões, numa relação fragmentada entre diferentes profissionais de saúde. Acontece que o sistema de saúde, para além dos diferentes subsistemas, pressupõe a realização de tratamentos de fisioterapia como se de um catálogo de vendas se tratasse. Os tratamentos têm nomes específicos, códigos determinados e tarifas regulamentadas. Os aspectos decisórios relativos ao que é ou não realizado no doente pertencem oficialmente ao médico fisiatra e não ao fisioterapeuta. Assim sendo, após uma consulta médica da especialidade, o doente vem “rotulado” com uma prescrição de tratamentos como se os actos de fisioterapia fossem divisíveis como diferentes comprimidos com diferentes objectivos. Negligencia-se, portanto, a natureza indivisível da arte terapêutica, constituída por uma série de actos que são, no fundo, um só acto, assim como as diferentes notas musicais são melodia e esta constitui um todo indissociável, constituído por muito mais do que a soma das notas musicais que o compõem.
Assim sendo, a fisioterapia só pode constituir um acto de eclectismo fundamental, baseado na ciência da reabilitação, assim como esta assenta numa combinação sempre complexa de diferentes técnicas e métodos terapêuticos, muitas vezes extremamente semelháveis entre si. Por outro lado, certos métodos, como a reeducação postural, que partem das consequências para as causas dos sintomas, e permitem a análise e reeducação da base corpórea e postural da qual deriva e decorre a maioria dos problemas reumáticos do doente, constituem uma verdadeira terapia de base funcionante, um pouco como a psicanálise da ciência/arte da mente.
Como prescrever medicamente este tipo de actividade terapêutica? Como “ordenar” um tipo de actividade que compõe um acto de escultura corporal? É obviamente impossível fazê-lo! Mas, de qualquer maneira, a questão pode até nem ser muito relevante, pois este tipo de actividade de fisioterapia especializada só está à mercê de uma minoria de fisioterapeutas (estes sim, os verdadeiros escultores, e como tal, os verdadeiros decisores), que possuem o tempo, disponibilidade, interesse e dinheiro suficientes para adquirirem a formação pós-graduada requerida. Por outro lado, quem, nos tempos que correm, se interessa por uma prática terapêutica de efeitos lentos apesar de globais? E será que interessa às clínicas privadas de fisioterapia que por aí abundam a realização de uma prática morosa centrada num só doente, que ainda por cima terá como efeitos a prevenção da totalidade dos problemas músculo-esqueléticos do mesmo, levando à redução da necessidade dos diferentes cuidados continuados de fisioterapia?...
Eis que começam a emergir as questões sócio-políticas da fisioterapia e da saúde em geral. Usualmente, os utentes de cuidados de fisioterapia demoram-se semanas a meses a tratar muitas vezes disfunções que poderiam ser resolvidas em poucos dias. Isso acontece não só por descuidos no diagnóstico e pela fraca formação de muitos fisioterapeutas, mas também pelo facto de os doentes serem comummente sujeitos a regimes esgotantes de sessões de fisioterapia que parecem não ter fim. Os doentes são tratados muitas vezes com técnicas medíocres, por auxiliares de fisioterapia com pouca formação. Na altura de serem tratados por fisioterapeutas, os doentes tendem a deparar-se com um profissional cheio de trabalho, esgotado pelas exigências do regime de trabalho a que se encontra vinculado. Se o doente realiza fisioterapia com uma credencial da “Caixa da Previdência” terá direito ao menos possível e será provavelmente tratado em conjunto com muitos outros doentes (pena que o Governo não valorize a importância da fisioterapia; talvez pense que não deve investir dinheiro e recursos na população majoritária na utilização dos cuidados de saúde: os idosos). Se estamos a falar de um doente de um bom seguro as coisas melhoram para ele. E se estamos a falar de um doente particular, aí é provável que o mesmo já tenha direito às tais técnicas de fisioterapia global e especializada (mas, mesmo assim, o que pode ser feito em quatro sessões é feito em oito ou doze, para que o rendimento seja maior).
É tudo uma questão relativa à relação custo-benefício. Apenas o bom profissional, com uma formação ética imaculada, poderá fazer a diferença no seio das constrições do sistema! Mas são precisamente estes profissionais, e todos os outros com formação mais abrangente, que começam a constituir a excepção e não a regra neste país. Afinal de contas, a competição entre as crescentes escolas de fisioterapia é enorme, e a mesma só pode ser balizada pela criação de cedências, ao invés de se promover a exigência. Por outro lado, muitas das clínicas particulares de que falamos não estão interessadas num profissional de qualidade, pois este pode colocar em risco os necessários percursos de pactuação com o sistema. Preferem um profissional menos formado que tenha grandes capacidades de tratamento célere do maior número possível de doentes.
Assim sendo, e acrescentando o crescente número da oferta de fisioterapeutas em relação à procura, a profissão vai decrescendo em termos de qualidade e aperfeiçoamento. Tendo em conta a contextura de um crescente número de profissionais, deveria ser valorizado o profissional eficiente, com mais formação científica e especializada. Ou seja, deverá acabar a filosofia do “mais um fisioterapeuta”, trabalhador manual que faz o que outro poderia fazer, para ser arreigada a filosofia do “fisioterapeuta especializado e dedicado”, profissional conhecedor de eleição, capaz de realizar o que muitos outros não têm ainda capacidade para fazer.
As carências de reconhecimento profissional, a falta de investimento tecnológico, a existência de falsos fisioterapeutas a trabalhar, as fracas condições de trabalho, as parcas remunerações e todo um outro conjunto de questões implicariam uma defesa oficiosa da classe por parte de uma Ordem profissional. Mas ainda estamos longe desse passo, pois os fisioterapeutas nem são reconhecidos como profissionais autónomos, antes como parte de um rótulo de “profissionais de diagnóstico e terapêutica”. Pena é que sejam os doentes que mais percam com todas estas deficiências!...

sexta-feira, setembro 01, 2006

E a reabilitação física? Os cuidados de saúde eternamente desprezados

Texto escrito há alguns meses que nunca foi publicado:


O sistema de saúde é, em grande medida, o espelho dos valores dominantes de cada país, reflectindo o seu contexto social, cultural e económico. Como valor fundamental, a saúde da população (física, psicológica e social) reflecte o estado da arte da prestação funcional do povo, em termos laborais, culturais e familiares. O desenvolvimento de um país depende, em larga escala, da qualidade dos serviços que atestam as nossas capacidades físicas e mentais, que o mesmo será dizer que o funcionamento do Sistema de Saúde constitui um dos principais indicadores do estado de maturação social da nação.
Assim sendo, preocupa correntemente os actores sociais o estado da arte da saúde em Portugal. Preocupa muito especialmente os órgãos de comunicação social, sendo que comummente os mesmos se vêem submersos por todo um conjunto de questões polémicas e sensíveis à opinião pública: as listas de espera cirúrgicas, a política do medicamento, os deficientes cuidados de hospitalização, o défice de médicos nos centros de saúde, entre outras.
Por vezes, a comunicação social vê-se inclusivamente preocupada com questões de saúde indubitavelmente mais relevantes, como é o caso da nova política dos cuidados continuados, sobrepujando a minimalista visão da saúde como compreendendo um sistema que integra unicamente os cuidados primários e os cuidados hospitalares.
Porém, eis que chega o momento de reflectirmos sobre um tipo específico de assistência em saúde, esta sim num decrescendo de importância relativamente ao tratamento mediático: a reabilitação física.
Tendo em conta a evolução da cronicidade de inúmeras patologias e disfunções, é provável que a maioria da população venha a necessitar, em algum dia das suas vidas, de um ou mais tratamentos de fisioterapia. O futuro da capacidade laboral e da qualidade de vida dessa mesma população está claramente dependente da qualidade dos cuidados prestados, pelo que é importante que o cidadão tenha acesso à mais qualificada intervenção com o mais qualificado dos profissionais.
Assim sendo, é indubitável a necessidade de conceber um atendimento o mais personalizado que for exequível, com um profissional o mais credenciado possível e tratamentos especializados e qualificados para a concepção da melhoria da qualidade de vida a curto, médio e longo prazo. O tratamento dos utentes deverá ter em conta certos princípios e valores, como a equidade e universalidade de acesso aos tratamentos, não esquecendo a indissolúvel componente humana.
Tendo em atenção toda a cientificidade e complexidade envolvida na esquemática dos tratamentos de fisioterapia, desde as técnicas de acção clínica analítica até aos mais abrangentes paradigmas teoréticos de intervenção terapêutica, a diferença na qualidade dos tratamentos residirá, em grande parte, na qualidade e formação do fisioterapeuta e na organização e condições dos cuidados prestados, assim como nas necessárias condições de autonomia da profissão, exercida com o máximo de rigor e cuidado, tendo sempre em conta a efectuação de uma intervenção adequada à avaliação previamente realizada.
Pura ilusão a dos que pensam que algo do que ficou dito corresponde à realidade! Puro engano de alma, no sentido mais camoniano da expressão. Neste país, o avanço dos cuidados de medicina e da própria sociedade está longe de ser acompanhado pelo desenvolvimento dos cuidados de fisioterapia. E este atraso, esta anquilose tem por base, sobretudo, o tipo de tratamento que o sistema de saúde tem dado e continua a dar aos cuidados de reabilitação física.
Ao invés de ser visto como um todo, o doente dos serviços de fisioterapia é repartido em bocados pelo sistema de saúde, sendo que não há uma intervenção global mas sim um conjunto de modalidades de fisioterapia. Estas mesmas valências terapêuticas aparecem ignominiosamente “prescritas” por um médico fisiatra no papel, sendo que aquilo que deveria ser uma visão holística do doente se transforma num conjunto de ordens de trabalho manual e sectário, ordeiramente obedecidas pelo profissional que não quer perder o seu emprego (e só isso evita toda a possibilidade de dissonância cognitiva).
Às modalidades prescritas em papel correspondem quase sempre técnicas de execução rápida e pouco técnica, com efeito imediato e a curto prazo. Tal deve-se não só à falta de conhecimento de muitas das mais especiais técnicas de tratamento por parte dos médicos fisiatras (comummente envolvidos em questões burocráticas, muitas vezes pouco preocupados com os próprios doentes) como também à inviabilidade financeira da execução de técnicas especiais com doentes que não chegarão a render...
Acontece que os pagamentos feitos pelo Serviço Nacional de Saúde relativamente às modalidades de fisioterapia são uma verdadeira miséria (estão ao nível dos cêntimos), fazendo com que um doente do SNS não constitua fonte de rendimento para uma clínica. Na realidade, um doente do SNS não chega sequer a ser tratado por um fisioterapeuta credenciado, sendo que passa apenas pelas mãos de auxiliares sub-formados, menos bem pagos que os fisioterapeutas.
Por outro lado, atendendo à submersão do mercado por tão grande número de fisioterapeutas (formados nas novas escolas que nasceram e proliferaram como cogumelos), não restará muito tempo para que os próprios fisioterapeutas venham a fazer o trabalho espúrio dos auxiliares, com um pagamento igualmente espúrio e uma respeitabilidade diminuta.
A realidade não é muito diferente se tivermos em conta os diferentes subsistemas de saúde, quase todos relegando os cuidados de fisioterapia para um plano verdadeiramente secundário, valorizando somente os tratamentos sintomáticos e esquecendo a importância da prevenção secundária e terciária.
O resultado será a contínua depreciação dos cuidados de fisioterapia e do próprio fisioterapeuta, a insatisfação do profissional com o consequente crescimento das suas ignomínia e inépcia baseadas na falta de prática de uma avaliação/intervenção coerentes, e a insatisfação do próprio cidadão, principalmente aquele que não quis (ou não pode) apostar financeiramente nos cuidados de fisioterapia. A insatisfação do cidadão, transformada em descrença na fisioterapia, levará a que o mesmo procure opções menos credíveis, quase sempre no seio de um mercado paralelo e ilegal.Agora que o Governo estabeleceu o novo projecto das redes de cuidados continuados, talvez se venham a lembrar das necessidades de reabilitação física de um povo progressivamente incapacitado.

É difícil ser-se fisioterapeuta! Mas mais difícil ainda é a sensação constante de nos sentirmos diferentes. Quando me refiro à minha diferença estou a falar da minha tendência para ser perfeccionista, para fazer as coisas tal como elas devem ser feitas, segundo o máximo que sabemos para ajudar as pessoas. Porém, todos os dias vão surgindo obstáculos: doentes difíceis, médicos fisiatras que pretendem sempre embotar a nossa criatividade, etc. Mas pior que tudo é o desrespeito! Chegamos ao ponto de que auxiliares de fisioterapia, sem qualquer formação superior, aliás sem qualquer formação que valha a pena referir, pensam que estão ao nosso nível ou mesmo que mandam em nós. É triste que não sejamos respeitados pelo que conseguimos ser e fazer.

segunda-feira, agosto 28, 2006


Este é um blog especial, pois não conheço outro blog em língua portuguesa dedicado a temáticas de Fisioterapia e, em especial, aos métodos de Reeducação Postural. Um texto, a publicar em determinada revista, escrito por mim é agora reproduzido, de modo a que a temática possa ser cabalmente explicada:

O mundo contemporâneo, e as pressões ocupacionais que o mesmo acarreta, é destro na criação de problemas de dores articulares generalizadas, em particular as dores da coluna ou raquialgias. Tanto factores psicossociais como uma miríade de factores de índole física e morfológica implicam, num complexo ciclo de inter-relação e influência, o aparecimento mais ou menos incisivo de dores de coluna, as quais são geralmente de origem inespecífica e de natureza cada vez mais precoce.
O tratamento dos diversos problemas articulares, sejam de natureza inflamatória (ex. tendinites, bursites, miosites, artrites, neuropatia) ou degenerativa (ex. artroses), leva a que as pessoas, numa altura em que deixam de saber lidar sozinhas com as suas maleitas, a procurar ajuda com um profissional de saúde. As opções de consulta e terapia apresentam-se, no momento da escolha do profissional, como muito e cada vez mais variadas, variando entre a opção ortodoxa constituída pelas consultas médicas generalistas e/ou especializadas e a realização de fisioterapia convencional e a consulta e tratamento com recorrência ao uso das terapias menos convencionais.
É fundamentalmente por razões de carácter político e financeiro que a fisioterapia convencional não dá muitas vezes resultado no momento do tratamento das perturbações músculo-esqueléticas da coluna. Os contribuintes do Serviço Nacional de Saúde, por constituírem “pobres pagantes”, acabam por “ter direito” unicamente às opções terapêuticas mais simples e menos especializadas, como os calores e as massagens. Por outro lado, um contribuinte mais abastado acabará por ter direito à realização de manipulações mais específicas, técnicas de tratamento da dor e disfunção mecânica mais especializadas e exercícios mais personalizados, num clima de acção clínica mais centrada no doente física e psicologicamente afectado, sempre numa filosofia de intervenção holística. Aqui, começo por dizer que não há, na realidade, grandes diferenças entre a fisioterapia mais especializada (que é, no fundo, a verdadeira fisioterapia, desconhecida e inacessível a tantos doentes) e as terapias menos convencionais. Tanto a fisioterapia, como a osteopatia e a quiroprática agem por meio de métodos muito semelhantes, por vezes com filosofias diferentes mas comparáveis na “ciência parcimoniosa” do método. Neste ponto, todas estas terapias arrogam a filosofia do holismo, pelo facto de se centrarem nos diversos factores bio-psico-sociais que atravessam a vida do doente. Mas na realidade, essas mesmas terapias não conseguiram ainda ultrapassar certas limitações de tratamento das perturbações, estando mais centradas nos sintomas dos doentes do que na causa desses mesmos sintomas. Sendo assim, o pretenso holismo que vendem não passa de mera ilusão ou barganha financeira.
Um método verdadeiramente holístico tem de ir da consequência sintomática expressada por determinado diagnóstico à perturbação postural geral que causou ou contribuiu para tal sintoma de disfunção. Ou seja, mais do que tratar a disfunção propriamente dita e os sintomas que a mesma expressa, o profissional de saúde verdadeiramente integral e coeso tem de pensar para além dessa disfunção, perguntando-se qual a causa postural da mesma. Por exemplo, uma artrose do joelho está relacionada com determinado alinhamento da articulação, sendo que o mesmo está relacionado com o alinhamento da anca e da coluna ou então, descendo no corpo, com o posicionamento e sensibilidade do pé. Outro exemplo: uma hérnia discal pode ser tratada com manipulações vertebrais que permitam deslocar os discos intervertebrais para uma posição mais fisiológica. Mas deve ser permitido ao profissional observar a postura do doente de modo a perceber que jogo de tensões musculares está presente a nível da coluna e resto do corpo. Se existir uma grande lordose lombar (inclinação anterior da coluna), como é tão vulgar nestes casos, isso significa que está presente um grande encurtamento da musculatura extensora e posterior da coluna, assim como um encurtamento defensivo da musculatura anterior da mesma. O somatório destas tensões leva a que os discos sejam sujeitos a grande pressão contribuindo para causar as hérnias discais ou facilitar o seu aparecimento e sua recorrência em termos sintomáticos. Após se ter em conta a questão das tensões musculares da coluna lombar, é preciso atender ao alinhamento postural do resto da coluna, e também da bacia e dos membros. Todo o corpo pode estar implicado de alguma forma na hérnia discal em questão. Difícil é perceber o que é a causa e o que é a consequência, pois tudo no corpo se gere por um equilíbrio global difícil de destrinçar.
O equilíbrio global a que nos referimos anteriormente é devido fundamentalmente às estruturas musculares corporais. Não falo de músculos isolados, mas sim de cadeias musculares, grupos de sinergias de músculos profundos, os quais preenchem mais de dois terços do aparelho muscular do corpo. Estes grupos musculares globais são compostos por músculos de contracção permanente e fundamentalmente estática, sendo os mesmos grandemente responsáveis pela orientação e atitude postural dos diferentes segmentos do corpo; os músculos agem como tirantes mecânicos dando a forma ao corpo através do equilíbrio que estabelecem entre si, sendo que há uns músculos que, por serem posturais, anti-gravíticos e de contracção permanente, vencem outros músculos mais fracos, os quais são provavelmente músculos mais envolvidos em funções dinâmicas e não posturais.
A postura depende fundamentalmente deste jogo de tensões musculares. E é muito mais do que algo inerente às curvaturas vertebrais. Diz respeito à totalidade do corpo, apesar de que os métodos de reeducação da postura serem comummente mais utilizados no tratamento das perturbações da coluna vertebral.
Sendo assim, os métodos de reeducação postural constituem os únicos que são verdadeiramente holísticos, os únicos que chegam verdadeiramente às causas dos sintomas. São métodos de fisioterapia especializada que somente o profissional com formação específica conhecerá e que unicamente o profissional com experiência relevante saberá utilizar com sabedoria.
Não são métodos centrados na força muscular, ao contrário daquilo em que consiste o método Pilates. Este método pode ser bem efectivo para construir um corpo mais sólido de dentro para fora, centrado na força dos abdominais profundos, mas, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não é um verdadeiro método de reeducação postural. Afirmo isto tanto como fisioterapeuta como instrutor de Pilates que sou.
Os métodos de reeducação postural estão centrados sobretudo na flexibilidade, no estiramento ou alongamento dos grupos musculares profundos que referimos anteriormente. Partem de um alongamento coerente, global e progressivo das cadeias de músculos da estática, utilizando posturas específicas mantidas a frio por longos períodos de tempo. A gravidade é necessária à efectuação desse alongamento global, pelo que a natação, a hidroginástica ou qualquer outro método de treino hídrico é ineficaz no tratamento a longo prazo dos problemas da coluna e da postura em geral.
Não estão, como já dissemos, centrados na realização de treino de força. Aliás, o problema da maioria das atitudes posturais centra-se precisamente no excesso de força de determinadas cadeias musculares. Como tal, por exemplo, os músculos da coluna não devem ser fortalecidos, mas antes alongados. O alongamento da musculatura vertebral compreende o único meio de treino funcional destes músculos.
Apesar de alguns métodos antigos e milenares (como o Yoga) terem compreendido, de forma intuitiva, alguns dos princípios subjacentes aos métodos de reeducação postural, um entendimento minimamente científico e teorético do que foi anteriormente aludido só surgiu por volta dos anos 40, com a fisioterapeuta francesa Françoise Mézières. O método Mézières dava especial primazia à cadeia muscular posterior (um conjunto sinérgico de músculos rígidos, hipertónicos e demasiadamente fortes que se estende por trás, da cabeça aos pés), culpando as lordoses, ou seja, os encurtamentos da dita cadeia, das alterações posturais existentes. A partir deste método surgiu a Anti-ginástica de Thérèse Bertherat (mais centrada no grupo), a famosa Reeducação Postural Global e o Stretching Global Activo de Philippe Souchard e o menos comercial mas ainda mais completo método das Cadeias Musculares de Leopold Busquet.
Um bom método de correcção postural, realizado em grupo, deve incluir muito do que os anteriores métodos incluem, para além também das técnicas de relaxamento, do treino de equilíbrio e da sensação corporal (por meio da utilização do máximo de equipamentos, como bolas, esponjas e rolos, que permitam o treino da propriocepção).
É pena que a maioria das ginásticas Pilates, de correcção postural, e outras da moda, não incluam muitos destes princípios e práticas. Uma boa “ginástica postural”, realizada em grupo, pode constituir uma boa opção de reeducação postural e prevenção/tratamento de problemas da coluna. Mas para isso acontecer no seu máximo expoente, o ideal é que essa mesma “ginástica” inclua o resultado coerente de um trabalho ecléctico, envolvente dos princípios e métodos tratados no texto. O terapeuta ou professor deve ser o mais especializado e formado que for possível. E deve compreender que o corpo possui uma personalidade complexa, mas cheia de possíveis e potenciais caminhos para a resolução dos seus conflitos.